24 Setembro 2015
Será que temos o nosso primeiro incidente diplomático que marcou a visita cuidadosamente orquestrada do Papa Francisco aos EUA? Será que a Casa Branca de Obama trocou aquela que deveria ter sido uma vitória na acolhida ao pontífice por aquela que foi essencialmente uma ocasião de foto oficial em Washington?
A reportagem é de David Gibson, publicada no sítio Religion News Service, 21-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com certeza, parece que foi isso, a se julgar pela indignação conservadora diante dos convites da Casa Branca a um grande número de católicos gays e defensores da causa LGBT, um bispo episcopaliano abertamente gay e uma freira que é uma proeminente ativista pela justiça social.
Eles estão entre as cerca de 15.000 pessoas que participaram em uma recepção para Francisco no gramado sul nesta quarta-feira antes do seu encontro privado com o presidente.
Mas esses convidados particulares são uma "lista de procurados" de dissidentes, e a sua inclusão é "um show deslumbrante de indecoro político", voltado a "testar até aonde irá a notória tolerância do Papa Francisco", escreveu Thomas Williams na quarta-feira passada no site de notícias de extrema-direita Breitbart.com.
No seu artigo, Williams – que deixou o sacerdócio para se casar com uma mulher com quem estava tendo um caso – descreveu a Ir. Simone Campbell, uma das convidadas, como a "diretora-executiva pró-aborto do lobby de justiça social Network".
Campbell, que é conhecida por ser a organizadora da ação Nuns on the Bus, diz ser "pró-vida, não apenas pró-nascimento". Ela também disse que, embora o seu trabalho não se concentre em questões de aborto per se, ela acredita que a sua missão em torno da injustiça econômica e da promoção de cuidados de saúde para todos os norte-americanos ajuda a reduzir o número de abortos.
Williams também apontou para o convite a Aaron Ledesma, um gay católico de 23 anos, que disse que recentemente voltou a ir à missa porque se inspirou na mensagem de inclusividade de Francisco, e o bispo episcopaliano Gene Robinson, o primeiro bispo abertamente gay da Comunhão Anglicana, que agora é membro do Center for American Progress, um think tank vinculado ao Partido Democrata.
Williams é um mensageiro vulnerável para tais críticas: ele era um padre de uma ordem religiosa secreta e influente, os Legionários de Cristo, uma antiga favorita da direita católica, que o Vaticano tem tentado reformar depois de revelações de casos escabrosos de sexo e escândalos financeiros.
Mais tarde, ele abandonou o sacerdócio para se casar com uma mulher – a filha de Mary Ann Glendon, uma conservadora professora católica de direito e embaixadora junto à Santa Sé sob o presidente Bush –, com quem ele teve um filho em segredo, enquanto ainda era clérigo.
A história do Breitbart.com recebeu um novo impulso quando o Wall Street Journal, na quinta-feira passada, publicou um artigo dizendo que "o Vaticano se ofendeu" com a lista de convidados. A história citava um anônimo "alto funcionário do Vaticano" como a fonte da ofensa.
Isso realmente fez a história circular, e, em uma cascata de tuítes e posts, vários católicos conservadores e seus aliados expressaram indignação diante do "deboche infantil ao papa" e do insulto "juvenil" e "deliberado" aos católicos norte-americanos.
"A Casa Branca quer deliberadamente constranger o papa, enfiando um dedo no seu olho e metendo o nariz na doutrina e nos ensinamentos católicos", escreveu Ed Morrissey no site HotAir.com.
Até mesmo o editorial do The Washington Post entrou em ação no sábado passado, escrevendo que o Vaticano "tem levantado objecções" (um porta-voz vaticano, de fato, observou que a Santa Sé, por uma questão de educação, não faz comentários sobre essas questões) e criticando o governo Obama por estar disposto a ofender uma alma gentil como Francisco, enquanto se prostra diante de governos opressores como a China, a Arábia Saudita e Cuba.
O presidente nunca convidaria dissidentes para recepções aos líderes desses países, disse o Post. (Ele não mencionou que Francisco também está sendo criticado por não ter se encontrado com dissidentes políticos e por não ter falado com mais força sobre os direitos humanos enquanto estava em Cuba.)
O Post também disse que convidar Campbell insulta Francisco, porque ela critica a política da Igreja sobre a eutanásia; Campbell disse em um e-mail que nunca levantou a questão ou criticou o Vaticano sobre isso.
"Embora eu não vou ter a oportunidade de me encontrar com o Papa Francisco diretamente, eu vou carregar no meu coração muitas das pessoas que eu conheci nas nossas viagens da ação Nuns on the Bus em todo este grande país", disse Campbell, que atualmente está em uma dessas excursões com outras freiras, para promover os ensinamentos de Francisco antes da sua visita.
"Essas são as pessoas com quem o Papa Francisco se preocupa", escreveu ela, referindo-se aos norte-americanos com quem ela se encontrou em várias cidades durante a viagem atual. "Estas são as pessoas com quem nós nos preocupamos. O Papa Francisco sabe o tipo de trabalho que as freiras católicas fazem enquanto caminhamos com o povo, e somos gratas pela sua liderança, que une divisões e transforma os nossos sistemas políticos e econômicos."
Analisando mais de perto, talvez os conservadores norte-americanos e os críticos de Obama estejam mais chateados do que o papa que eles dizem defender.
Embora a lista de convidados aparentemente tenha irritado o funcionário do Vaticano que falou com o WSJ, várias outras autoridades da Igreja no Vaticano e nos EUA disseram reservadamente que não consideram a questão como um problema ou como algo que mereça atenção.
Eles disseram que existem questões muito mais importantes para se pensar em conexão com a viagem do papa a Washington, Nova York e Filadélfia, e notaram que os convidados em questão representam um punhado de pessoas dentre muitos milhares.
Os funcionários do governo também disseram que a Casa Branca trabalhou com a Conferência Episcopal dos Estados Unidos, a arquidiocese de Washington, a Catholic Relief Services e a Catholic Charities para distribuir os convites para convidados de todo o país.
Lideranças evangélicas e representantes de outros grupos religiosos também foram convidados, e muitos convidados foram informados de que poderiam trazer amigos à sua escolha.
(Representantes judeus estiveram ausentes porque o evento cai no Yom Kippur, o dia sagrado da Expiação. Essa coincidência foi a fonte de reclamações esparsas, embora a maioria dos líderes judeus desfizeram tais resmungos e disseram entender que a programação foi difícil. Francisco formalmente irá se encontrar com líderes judeus e inter-religiosos na sexta-feira em Nova York.)
Parece improvável que Francisco tenha tido um grande problema com Campbell.
Fora do protocolo, ele elogiou o trabalho das freiras norte-americanas, cujo trabalho de justiça social parece espelhar as suas próprias prioridades, e pôs fim a uma investigação vaticana das religiosas norte-americanas lançada sob o seu antecessor, o Papa Emérito Bento XVI.
Além disso, na semana passada, Francisco nomeou a Ir. Maureen Kelleher, membro fundadora do grupo Network de Campbell, como delegada especial para uma grande cúpula vaticana sobre a família no próximo mês.
O papa também acolher pessoas gays ao Vaticano e convidou um homem transgênero da Espanha para se encontrar com ele na sua residência privada. Ele se reuniu com defensores católicos da causa LGBT e nomeou um bispo alemão para o Sínodo vaticano do próximo mês, que sugeriu que a Igreja abençoe os casais homossexuais.
Na semana passada, um padre de Nova York que ministra a católicos gays e lésbicas revelou que, depois de celebrar uma missa com Francisco na capela do pontífice no Vaticano, ele deu ao papa um DVD que conta histórias sobre católicos LGBT e a sua relação com a Igreja.
"Isto é dos gays e das lésbicas dos Estados Unidos", disse o Pe. Gil Martinez, pároco da Igreja St. Paul the Apostle, a Francisco, de acordo com a entrevista de Martinez ao sítio The Huffington Post.
Conversando no espanhol nativo do papa sobre a sua próxima visita aos EUA, Francisco disse a Martinez: "Eu adoraria visitar e conversar com as pessoas gays e lésbicas. E, por favor, peça que os gays rezem por mim, e eu vou rezar por eles".
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Conservadores sentem-se ultrajados com lista de convidados da Casa Branca para a visita papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU