24 Setembro 2015
A “recepção italiana” de Michel Foucault, fundamentalmente aquela realizada por Giorgio Agamben e Roberto Espósito foi o eixo central da conferência do Prof. Dr. Edgardo Castro na manhã de 22-09-2015, parte da programação do XVII Simpósio Internacional IHU – Saberes e práticas na constituição dos sujeitos na contemporaneidade.
Fotos: Leslie Chaves/IHU |
Edgardo Castro mencionou a importância do conceitos de dispositivo e veridição. Os conceitos de dispositivo, dispositivo de poder e microfísica do poder aparecem em 1973 no curso O poder psiquiátrico. A noção de veridição surge em Nascimento da biopolítica, nas aulas de 10-17 de janeiro de 1979. “Foucault deve descobrir o lugar da verdade dentro da questão do dispositivo”, destaca.
Em 1974, com O nascimento da medicina social, Foucault fala numa dimensão biológica somática e corporal de poder. O poder tem a ver com os corpos. Há uma relação sináptica entre o poder e os corpos. “Para a sociedade capitalista, o que importava era antes de tudo o biopolítico; o biológico, o somático, o corporal”, escreveu esse pensador em Ditos e escritos.
Referindo-se ao quadrilátero biopolítico, Castro mencionou a tensão entre vida e linguagem e a tensão entre as formas dos dispositivos de linguagem:
1. A norma (O nascimento da medicina social)
2. A regra de direito (A vontade de saber)
3. O relato histórico, a guerra de raças (Em defesa da sociedade)
4. A estatística (Segurança, território e população)
“A tensão entre norma e regra interessa muito a Foucault”, destacou Castro.
Vida nua, bando e exceção
Refletindo acerca da obra de Giorgio Agamben, Edgardo Castro recuperou aspectos dos conceitos de vida nua e inoperosidade. Mencionou, ainda, a peculiaridade da compreensão agambeniana de bios e zoe.
A biopolítica e a soberania como produção de vida nua e sagrada, concomitantemente, ou antes a produção de um corpo biopolítico, é a prestação original do poder soberano. Vida sagrada, para Agamben, é aquela que, se morta, não é imputada aos seus autores como crime. É uma vida desnuda, exposta à morte violenta. Trata-se da vida do homo sacer.
Já a soberania é uma exceção inclusiva. Agamben, seguindo uma indicação de Jean-Luc Nancy, propõe chamar de bando a relação de soberania. O termo bando, de fato, serve para referir-se tanto à vida excluída da comunidade, como quanto à insígnia do soberano.
“Assim, precisamos atentar para conceitos de Agamben como soberania, exceção, bando e zona de indecidibilidade, entre diversos outros que são importantes em suas obras. Outra ideia central é o campo como paradigma da política contemporânea”, frisou Castro.
A governamentalidade liberal
Em O reino e a glória fica clara a divisão que Agamben acentua entre teologia política, oriunda da influência de Carl Schmitt, e teologia econômica, tributária a Erick Peterson. A teologia econômica trata acerca do governo divino do mundo através do paradigma da providência. A bipolaridade da máquina política do Ocidente entre soberania e governo (reino e governo) é instigante na obra do pensador italiano: “O governo é, então, um epifenômeno da providência (ou do reino)”, escreve em O reino e a glória. A providência como o paradigma teológico do liberalismo é uma herança da qual nem todos estão conscientes, mas da qual é impossível se furtar.
Uma das provocações que paira sob a escrita de O reino e a glória é por que razão o poder necessita da glória, liturgias e insígnias. Tudo isso seria a aclamação do poder, a expressão de sua glória. O consenso, explica Agamben, é a forma secularizada de glória. Anteriormente, Foucault pergunta-se por que não pode haver um poder sem enfeites.
Inoperosidade
Recuperando a filosofia aristotélica exposta sobretudo no livro IX da Metafísica, Edgardo Castro explica que, para Agamben, toda potência é impotência a respeito do mesmo. Não é ausência de toda potência, mas potência de não. Trata-se da inoperosidade. O ser humano é o único ser que pode a sua própria impotência. Pode escolher, pode querer não fazer algo. Essa ideia Agamben desenvolve em vários ensaios ao longo de sua obra, como um mote para se pensar uma política que vem, ao surgimento de novas formas-de-vida. “Para Agamben, o dispositivo é um lugar de não-verdade e da subjetivação. Trata-se de governar a potência do não”.
Paradigma imunitário
Roberto Espósito, filósofo italiano autor de obras seminais como Communitas e Immunitas, é outro pensador que teceu proposições instigantes a partir das reflexões de Michel Foucault.
A comunidade, a imunidade e a vida são os três grandes domínios da oba de Espósito, esclareceu Edgardo Castro. A comunidade não é tão somente o comum, mas o cum múnus. O múnus é um dom que deve ser, e não pode ser dado. Trata-se de um dom obrigatório. A comunidade é um conjunto de pessoas que são unidas por uma obrigação de dar e com o sacrifício do dom.
A biopolítica e o paradigma imunitário, deslocado do âmbito jurídico ao biomédico, quando a imunidade adquire outro sentido é outra temática cara a Espósito. Neste caso, expressa a refractariedade do organismo a respeito do perigo de contrair uma doença. A imunidade é a forma de pensamento contemporâneo, norteando os saberes e a política. Para Espósito, deveríamos falar de um paradigma imunitário. O encontro entre política e vida se dá no corpo em termos biológicos, ou seja, na biopolítica.
O conceito de impessoal é, também, importante no pensamento de Espósito, que põe em debate o que parece ser um dos conceitos indiscutíveis do debate contemporâneo: o valor universal da categoria de pessoa.
Para Foucault, a biopolítica explica Auschwitz, enquanto que para Agamben e Espósito Auschwitz explica a biopolítica. Assim, Castro retomou a definição clássica de biopolítica para Foucault, que é fazer viver e deixar morrer. Exemplo dessa concepção é o caso do menino sírio Aylan, encontrado afogado em uma praia turca há algumas semanas, quando sua família fugia da guerra civil em busca de uma vida melhor na Europa. Já no paradigma da soberania, esta faz morrer e deixa viver. É o que ocorria nos campos de concentração nazistas.
Quem é Edgardo Castro
Edgardo Castro é doutor em Filosofia pela Universidad de Friburgo, pesquisador do CONICET e professor da Universidad Nacional de San Martín. Tem trabalhado como professor em diversas universidades argentinas, e é professor convidado no Instituto Italiano di Scienze Umane de Nápoles, na Universidade Federal de Santa Catarina e na Universidad de Chile. Suas publicações versam sobre a filosofia contemporânea, particularmente francesa e italiana. É um dos principais tradutores da obra de Giorgio Agamben ao espanhol. Entre seus livros, destacamos Pensar a Foucault (Buenos Aires: Biblos, 1995), Giorgio Agamben. Una arqueología de la potencia (Buenos Aires: Unsam Edita, 2008) traduzido para o português sob o título Introdução a Agamben. Uma arqueologia da potência (São Paulo: Autêntica, 2012) e Diccionario Foucault (Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2012).
No livro O (Des)governo biopolítico da vida humana, publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, em 2011, foi publicado o artigo O poder e a vida nua: uma leitura biopolítica de Giorgio Agamben, p. 91-104.
Por Márcia Junges
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A “recepção italiana” de Foucault por Agamben e Espósito. Conferência de Edgardo Castro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU