22 Setembro 2015
A seguir com o médico doutor em Saúde Pública pela Unicamp, autor de ‘Atenção na Saúde Básica”: Dr. Gustavo Tenório Cunha, sobre as relações entre os problemas climáticos e a saúde da população.
A entrevista é de Laís Vitória Cunha de Aguiar, publicada por EcoDebate, 21-09-2015.
Eis a entrevista.
Como médico e especialista em saúde pública no Brasil, como você espera que a questão da saúde seja abordada no documento final da COP 21?
A questão ambiental coloca junto questões que normalmente são abordadas separadas, então essa relação entre o modelo econômico, distribuição econômica, ecossistema, e o jeito com que o conjunto de países lidam com a produção e distribuição de riqueza se mistura com questões de saúde também. Do ponto de vista do conceito mais amplo de saúde, quando você pensa meio ambiente está pensando em saúde, quando você pensa política pública está pensando saúde também. Por um lado se conseguir cuidar para que os impactos diminuam- se conseguir fazer alguma restrição ao modelo de desenvolvimento dominante- isso terá impacto na saúde, e por isso já basta. Eu não sei exatamente o que pensar a respeito dessa carta em relação à saúde. Como o efeito do aquecimento será maior nos países que são mais pobres, do hemisfério sul, também poluem menos e produzem menos o efeito estufa, eu acho que tanto essas políticas alimentares quanto de saúde devem dar preferência esses países, que tem que ser protegidos e compensados. Esses modelos de produção agrícola e desenvolvimento econômico não são bons para a saúde das pessoas, já que é baseado em veneno, monocultura, agroindústria, se tivesse uma restrição a esse modelo econômico seria muito bom.
Como você acha que o Brasil poderia contribuir na construção de um documento que inclua com eficácia questões relacionadas à saúde?
O Brasil tem que pensar no seu próprio modelo de desenvolvimento, que é um modelo bem destruidor, e que vai produzindo adoecimento desnecessário, então já seria uma boa contribuição se o Brasil conseguisse pensar em um modelo de desenvolvimento que fosse mais distributivo e menos consumista. Mais distributivo de coisas básicas e menos consumista de energia e coisas que não são essenciais.
Quais consequências você vê em seu trabalho relacionadas à mudança climática?
Esse modelo de desenvolvimento detona o micro e macro, por exemplo: uma parte da seca que estamos vivendo aqui tem a ver com o macro, mas outra parte com o micro. A gente assalta, encana os riachos, assoreia as margens dos rios, seca os afluentes, polui os rios, e depois falta água ou a qualidade da água piora muito, e isso afeta a saúde, a qualidade da produção agrícola, que também afeta a saúde, então esse modelo de desenvolvimento é todo péssimo para a saúde, ele adoece, tanto faz mal para o clima quanto para as pessoas, envenena as pessoas e institui um modelo de produção insustentável, que vai faltar ar para respirar, vai faltar água, vai faltar comida sem veneno (agrotóxicos), então as consequências para a saúde são enormes.
Quais passos você considera necessários para a melhora do SUS e como esses passos podem ser implementados?
O SUS foi criado em um plano de convivência com o setor privado, então uma parte dos equipamentos é pública, mas desde o começo do SUS a maior parte do atendimento hospitalar sempre foi privado, sempre o governo comprou serviços do setor privado, e isso sempre encareceu o serviço público e o deixou com baixa qualidade, então essa convivência do setor público com o privado faz mal ao setor público, o Brasil é um país que tentou criar um setor público mas que criou uma lei junto de que se você compra o serviço privado você faz uma renúncia fiscal de imposto para incentivar a compra do serviço privado.
Então, na verdade o serviço privado vive de subsídios do serviço público, em torno de 20% da receita do setor privado vem do dinheiro público, isso contando apenas a renúncia fiscal. O setor privado também ganha dinheiro do Estado porque sempre o setor privado faz uma exclusão dos que estão mais doentes: se você é mais velho é mais caro, se você tem mais doenças é mais caro, então a tendência do setor privado é cuidar das pessoas que são jovens e que quase não adoecem e excluir os mais velhos, além de cuidar de doenças que são mais baratas, e jogar para o SUS as mais caras. Essa é outra forma do setor privado viver do SUS, já que quando a doença é mais cara ele não cobre e a pessoa vai para o SUS. Quando a pessoa toma muito remédio quem paga é o SUS. Resumindo: o setor privado vive do dinheiro de renúncia fiscal e de não cobrir doenças mais caras, tudo isso a custa do SUS.
O SUS já melhoraria muito se você pegasse o dinheiro público que é desviado para o setor privado. Se a pessoa tem um convênio e vai ser atendida no SUS, o setor privado, por lei, tem que ressarcir o Estado pelo dinheiro que pegou da pessoa mas a pessoa não está usando o serviço pelo qual ela pagou. O problema é que ninguém consegue cobrar essa lei dos convênios, já que o setor privado é muito forte, ele financia todas as campanhas, muitos deputados e vereadores, aí ninguém consegue cobrar, então o setor privado vive de recursos públicos, a primeira coisa para o SUS melhorar é tirar esses recursos das mãos das empresas e endereça-lo para o SUS.
Outra coisa é que o setor privado se aproveita da existência do SUS e não cobre todas as doenças que ele deveria, como as mais graves. Tem muito setor privado que não tem serviço de emergência, o serviço de emergência é muito difícil, então quem vai te atender?
O Samu, que vai te levar para onde? O serviço público, que é caríssimo, porque você tem que manter especialistas das mais diversas áreas de plantão, enquanto o serviço privado não. O que salva a pessoa é o serviço público, que atende rápido. Depois a pessoa diz que tem convênio e é encaminhada para lá, mas o serviço de emergência quem faz é o SUS, e sem reposição de dinheiro. Ele pega o dinheiro do SUS.
Outra questão é que o SUS não deve ser um serviço somente para os pobres, mas para classe média também. Só que a classe média acha que serviço público não funciona, então prefere a isenção fiscal. Essa é uma luta política que deve existir. Outra coisa também é que o SUS é gerado pelos municípios, a princípio parecia uma boa ideia, mas não deu certo. Ele precisa ser gerenciado por regiões de saúde, e não por cada município. Existe uma lei, que inclusive foi o Padilha que fez, que permite que você crie um contrato entre os municípios para fazer um sistema regional de saúde, porque não deve existir sistema de saúde municipal, e sim entre as regiões, porque não há necessidade dos municípios terem todos os hospitais, alguns serviços todo munícipio tem que ter, outros não. Mas para fazer isso é preciso de uma gestão regional, e isso legalmente não existe, agora pode existir, mas os municípios tem que concordar com isso.
Não é o Ministério da Saúde que gerencia o SUS, é cada município que faz essa gestão, o Ministério da Saúde e Governo de Estado podem oferecer recursos e incentivar políticas. Tem alguns recursos que o Ministério as Saúde passa e que vão direto, chama Fundo a Fundo e é per capta, ou seja, depende do número de habitantes das cidades. Então a gestão regional precisa começar a acontecer, e o SUS pode começar a melhorar. Os municípios não gostam de fazer isso porque perdem um pouco de poder, por exemplo não podem retirar um serviço que prometeram colocar. Algumas coisas funcionam, mas ainda é muito insipiente, os contratos são muito frágeis.
Outra coisa que precisa acontecer para o SUS funcionar é uma relação com os médicos, então o Mais Médicos foi a primeira vez em que o Governo Federal assumiu uma certa responsabilidade por colocar médico onde os médicos não vão, e geralmente essa responsabilidade era passada para os municípios, mas os municípios não tinham força para fazer isso, e com os Mais Médicos o Governo Federal assumiu essa responsabilidade e de fato os médicos estão indo para lugares onde não iam antes.
E agora com os Mais Médicos que trata da parte de residência médica o Governo finalmente, que paga a maior parte das bolsas de residência, vai conseguir direcionar o perfil das especialidades, porque geralmente quem define quais especialidades que existiam eram os próprios médicos, praticamente sozinhos, e agora o Governo vai ter mais força para definir, e vai investir mais nas especialidades que mais precisam. Então esse também é um movimento importante e que vai fazer diferença. A lei que a Dilma aprovou que permite a entrada do capital estrangeiro na saúde é uma lei muito ruim, porque ela vai aumentar os serviços privados e a força política dos setores privados, já que essas empresas são muito mais fortes que as brasileiras, muito mais ricas, e vão fazer lobbies mais poderosos. E o pior é que foi uma proposta bancada pelo Governo. No momento elas estão disputando com empresas brasileiras, mas no médio prazo elas ganham o espaço, porque tem mais recursos e faz dumping, então conseguem baratear e até mesmo trazer os médicos.
É uma luta política muito grande, e ao mesmo tempo precisa de mais dinheiro para o SUS, por isso precisa de uma legislação para o Governo Estadual e Federal dê mais recursos ao SUS. O Governo Estadual faz-não-faz a gestão e distribuição do dinheiro para a rede, e o Governo Federal coloca algum dinheiro mas não quer amarrar isso no orçamento. Ambos precisam melhorar.
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A questão da saúde na COP21. Entrevista com Gustavo Tenório Cunha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU