09 Setembro 2015
"O projeto distributivo inaugurado por Lula em 2003 está em xeque. Durante o ciclo de expansão econômica, a fórmula 'ganha-ganha' foi exitosa: os pobres ficaram menos pobres e os ricos ficaram mais ricos" constata Jeferson Miola, integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea) e foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial, em artigo publicado por Carta Maior, 07-09-2015.
Eis o artigo.
A agenda falida do ajuste pariu resultados desastrosos. Enquanto isso, 71 mil brasileiros, com patrimônio de R$1,2 trilhões, são isentados de tributação.
A crise econômica de hoje é uma profecia que foi finalmente cumprida. Ela é produto mais da retórica obsessiva da “necessidade de ajuste” do que da realidade macroeconômica do país.
É incorreto dizer que o Brasil já estava em crise desde 2013, porque efetivamente não era essa a realidade. O país enfrentava o problema da redução da eficácia dos remédios anticíclicos empregados para contrarrestar os efeitos da crise capitalista mundial iniciada em 2008 na Europa e nos EUA.
Eram, apenas, dificuldades econômicas importantes, agudizadas no segundo semestre de 2013; ainda assim, algo menos sério que uma crise. Para preservar os empregos e garantir o crescimento econômico no contexto internacional adverso, o governo manteve os gastos orçamentários, estimulou investimentos e aumentou a disponibilidade de crédito público para manter a economia aquecida.
Cabe recordar que em outubro de 2014 a dívida pública equivalia a 34% do PIB; as reservas cambiais de 376 bilhões de dólares; superávit primário; o desemprego de 4,8% confirmava uma trajetória de pleno emprego, e os programas sociais estavam em expansão – não somente os gastos discricionários, como também os obrigatórios.
Em outras palavras: a saúde macroeconômica do Brasil fazia inveja à França, Itália, Japão, EUA, Espanha, Inglaterra, Portugal, Rússia, Índia – países que enfrentam situações bem mais críticas em termos de endividamento, déficits, desemprego e reversão de direitos sociais.
Desde que a “retórica do ajuste” passou a dominar a arena pública como “pensamento único ressuscitado”, a economia começou a degringolar de fato. A crise ganhou corpo e forma com o anúncio do retorno da ortodoxia econômica.
Com a recessão provocada e a economia no congelador, instalou-se definitivamente a crise e o ciclo vicioso conhecido: paralisia e contração da atividade econômica, desemprego, queda de arrecadação, suspensão de investimentos, juros pornográficos e cortes de programas sociais. Os indicadores começaram a mudar drasticamente, apontando para o céu a taxa de juros e a inflação; e embicando para o chão os de crescimento e emprego.
Os nove meses de gestação da agenda [falida] do ajuste pariram resultados desastrosos e de consequências funestas para o país: crescimento negativo do PIB, explosão do dólar, perda de 150 bilhões de reais de arrecadação, orçamento deficitário e desemprego beirando os 8% – um milhão e quinhentos mil postos de trabalho [metade da população uruguaia] terão se esfumaçado em 2015. Por conta dessa trajetória, se especula o rebaixamento da nota de classificação de crédito do Brasil na orgia financeira mundial.
O projeto distributivo inaugurado por Lula em 2003 está em xeque. Durante o ciclo de expansão econômica, a fórmula “ganha-ganha” foi exitosa: os pobres ficaram menos pobres e os ricos ficaram mais ricos.
Hoje, com o impasse distributivo provocado pelo desaquecimento da economia mundial [que causa a queda do preço das commodities e dos minérios – itens fundamentais da pauta exportadora brasileira], o poder econômico quer transferir aos trabalhadores e à maioria da sociedade o ônus da crise. O alvo são os salários – via desemprego –, e a renda pública nacional – via juros e fim do crédito subsidiado.
Enquanto isso, 71 mil pessoas [entre 204 milhões de brasileiros] com patrimônio líquido de 1,2 trilhões de reais são isentados de tributação que permitiria ao erário arrecadar 80 bilhões de reais anualmente. E metade do orçamento brasileiro é destinada a pagar os compromissos [sic] com a dívida pública.
A crise econômica agrega complexidade a esta conjuntura de instabilidade política e institucional; é fator que desestabiliza o governo e lhe retira legitimidade social. A agenda do ajuste, nesta perspectiva, é o cavalo de Tróia no governo.
A recomposição do campo de sustentação progressista e de esquerda depende, em grande medida, das escolhas do governo no plano econômico. A continuidade da política de ajuste que desajusta o país poderá acentuar a perda da legitimidade social da Presidente Dilma nesta circunstância de dramático impasse político. E, neste caso, poderá significar o descarte do principal fator capaz de neutralizar a marcha golpista.
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A agenda do ajuste e o cavalo de Tróia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU