21 Agosto 2015
O verde-amarelo que pintou ruas do país nos protestos do último domingo deu lugar a um vermelho intenso nas manifestações realizadas nesta quinta-feira em ao menos 24 capitais brasileiras contra os movimentos que pedem o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A defesa do mandato da petista e a cor das camisetas e bandeiras eram, porém, dois dos poucos pontos de consenso entre os presentes no Largo da Batata (40 mil, disse a Polícia Militar, e 75 mil, segundo os organizadores), ponto de partida da manifestação em São Paulo, que foi até a avenida Paulista.
No alto de quatro carros de som, líderes de movimentos sociais reclamaram dos partidos de oposição ao governo, mas, ao mesmo tempo, fizeram duras críticas à política econômica do Palácio do Planalto.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 20-08-2015.
O ajuste fiscal foi o principal alvo de críticas, vindas tanto de tradicionais berços petistas - como CUT (Central Única dos Trabalhadores) e UNE (União Nacional dos Estudantes) - quanto de movimentos populares que reivindicam moradia, como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e FLM (Frente de Luta pela Moradia).
Com bandeiras que traziam o rosto da presidente, militantes de partidos como o PC do B davam apoio ostensivo à gestão petista, enquanto integrantes do PSOL afirmavam estar ali como oposição.
O termo "golpe", até então associado pela esquerda apenas aos setores que pedem o impeachment, também foi usado para classificar medidas como a Agenda Brasil, conjunto de propostas do Senado endossadas pela presidente, e o projeto de lei 2016/2015, conhecido como Lei Antiterrorismo, de autoria do Executivo e que prevê punições mais rigorosas a manifestantes.
No asfalto, a ambiguidade contaminava até a militância petista, que compareceu em peso com bandeiras e balões decorados com a estrela do partido e oscilava entre frases de apoio integral ao governo e críticas.
"Por pior que tudo esteja, e pior não dá para ficar, Dilma foi eleita legitimamente e tem que terminar seu mandato. Por isso estou aqui", disse à BBC Brasil uma jovem com a estrela do partido pintada no rosto.
Vaias e aplausos
Em cartazes e pelos alto-falantes, foram feitas duras críticas a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, denunciado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela Procuradoria-Geral da República sob a acusação de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo de corrupção na Petrobras, o que ele nega.
Do alto do principal carro de som, o líder do MTST, Guilherme Boulos, se referiu ao ministro da Economia, Joaquim Levy, como "banqueiro prepotente".
"Vamos botar o ajuste fiscal no lombo dos ricos", disse. E ameaçou:"O governo prometeu o Minha Casa, Minha Vida 3 para 10 de setembro. Mas, se em 10 de setembro não começar, é importante que isso seja dito, este país vai parar".
Embora mais moderado, Vagner Freitas, presidente da CUT, também não poupou críticas. "O ajuste fiscal só feriu os direitos populares e não melhorou a economia. Pôs o pé no freio, e não no acelerador. Esta agenda é dos ricos e não do trabalhador", disse.
Carina Vitral, presidente da UNE - e alvo recente de críticas nas redes sociais por posar para fotos com a ministra da Agricultura, Katia Abreu, vista como "inimiga" por movimentos sociais - disse defender uma "nova agenda". "Queremos nosso dinheiro investido em educação de qualidade para todos", afirmou.
Também no alto do carro, uma das líderes do movimento Rua, que se classifica como a "juventude anticapitalista", foi recebida com vaias a aplausos após dizer que não estava ali "para defender governo nenhum".
Defesa
"Sou contra a tentativa de golpe e essa estratégia ofensiva da direita que pede a volta do regime militar", disse a professora Carmen Busko, que foi à manifestação por conta própria e criticou ofensas frequentemente relacionadas à presidente nas ruas e redes sociais, como "anta" e "vagabunda".
Com um cartaz com os dizeres "O rico desfila na Paulista e o pobre morre na periferia", a bancária Sônia da Silva também atacou o que chama de "machismo" contra a presidente. "Se você não concorda, argumente, vote diferente daqui a quatro anos, mas não ofenda nem a diminua."
Sozinho, com um cartaz que dizia "Respeitem o voto e a democracia", o advogado Ramon Koelle disse que o "impeachment não é legítimo". "Isso é não saber perder."
'Já vimos este filme'
Em todos os pontos da manifestação eram vistos cartazes contra o racismo e com referências à chacina que matou 18 pessoas em Barueri e Osasco, em São Paulo, na semana passada.
Cartazes contra o racismo e a homofobia também foram vistos ao longo de toda a manifestação
Com um cartaz que dizia "Dilma Mãos de Tesoura - já vimos este filme", o estudante Augusto Malaman, de 22 anos, se apresentou como oposição à esquerda do governo e explicou por que preferiu participar do protesto desta quinta-feira, em vez do realizado no domingo.
"Não dava para propor uma saída à esquerda se associando a movimentos de direita", disse. "O problema é que a tática deste governo é só se associar à esquerda nos momentos de crise. Foi o que fizeram com este ato, ele foi criado por movimentos sociais e depois 'aparelhado' pelo governo", afirmou.
"Estar presente aqui hoje é disputar espaço com o governo na construção de uma nova esquerda, que até hoje era associada ao PT, mas não pode ser mais. A gente trouxe tudo isso para mostrar que esta manifestação é, sim, de oposição", disse, apontando para uma série de cartazes que relacionavam políticos a títulos de filmes.
Neles, a foto do ministro Joaquim Levy aparecia com a legenda "O Lobo de Wall Street"; a do vice-presidente Michel Temer, com o tema "O Poderoso Chefão"; Eduardo Cunha, com "O Exterminador do Futuro"; e Renan Calheiros, ligado ao título "A Hora do Pesadelo".
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Gritos de 'Fica Dilma' e duras críticas ao governo marcam protesto ambíguo em SP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU