Por: Jonas | 21 Agosto 2015
Inspiraram-se nas marchas semanais das Mães da Praça de Maio. O ponto de encontro é, todas as quintas-feiras, desde o mês de junho, a Praça da Scala de Milão. Colocam-se em círculo e, nas mãos, carregam as fotos de alguns dos “novos desaparecidos”, migrantes que atravessaram o Mediterrâneo, alguma vez, e dos quais nunca mais se teve notícias. E no chão colocam uma manta vermelha e máscaras brancas para tornar mais claro o drama dos 24.000 desaparecidos no mar, desde o ano 2000, e dos 2.300 mortos, até o momento, em 2015. Há muitos outros que se sabe que partiram, mas que nunca chegaram, como também não foram encontrados os seus corpos. Os organizadores desta iniciativa formam a Rede de Migrantes de Milão, um grupo de 14 organizações humanitárias. Entre elas está a organização Tudo Muda, nascida em 2001, e inicialmente integrada por peruanos, colombianos e italianos, para ajudar os imigrantes a se organizar, para auxiliar para que falassem com sua própria voz e não pela boca dos italianos, e pedir ao governo italiano uma moratória para regularizar a situação das pessoas sem documentos. Edda Pando é peruana e uma das líderes de Tudo Muda. Chegou à Itália em 1991 e, durante um período, também foi uma imigrante ilegal. “A razão de minha vida – disse em uma entrevista ao jornal Página/12 – é a luta pelos direitos dos imigrantes”.
A entrevista é publicada por Página/12, 20-08-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como nasceu a iniciativa das quintas-feiras?
Começamos em junho porque, em certo ponto, nós, organizações de solidariedade de Milão, pensamos que era necessário dar uma atenção ao massacre que está ocorrendo nas fronteiras. E dar voz às famílias dessas pessoas. Por isso, entramos em contato com as organizações de familiares de imigrantes desaparecidos de Tunísia e Argélia. Foi então que Enrico Calamai (ex-cônsul na Argentina, que salvou numerosos argentinos da ditadura militar) propôs o nome de “novos desaparecidos”. A ideia foi se inspirar na forma de luta utilizada pelas Mães da Praça de Maio.
Vocês dizem que migrar deveria ser um direito para todos. O que significa isso exatamente?
Nós dizemos que se migra para viver, não para morrer. Muitas pessoas que vem em nossa manifestação pensam que é mais barato entrar em um barco ilegal de algum traficante, para atravessar o Mediterrâneo, do que comprar uma passagem de avião. A passagem de avião de Milão para Tunísia, por exemplo, custa 200 euros. O barco custa mais ou menos 1.000. Então, as pessoas não entendem por que tomam estes meios ilegais. O problema é um só e se chama “visto”. O visto não existe desde a eternidade. O visto que permite o ingresso na Europa existe para os países africanos e, inclusive, para muitos latino-americanos, desde que se instituiu o Acordo de Schengen, nos anos 1990, que regula a livre circulação dos cidadãos europeus. Nós dizemos que a liberdade de circulação dos europeus está se construindo sobre o sangue dos extracomunitários. Se um cidadão de algum país do norte da África vai pedir visto a um consulado italiano ou francês ou de outro país, não o recebe. Por isso, os imigrantes precisam utilizar os barcos ilegais.
O objetivo principal da manifestação das quintas-feiras é fazer com que os cidadãos italianos, as pessoas comuns, tomem consciência da verdadeira dimensão desta crise migratória?
Nosso objetivo é, sem dúvida, conscientizar. Porque os barcos afundados, com as pessoas desaparecidas ou mortas no Mediterrâneo, todos os dias são vistos na televisão e se corre o risco de que se transforme em uma coisa quase normal. Já se sabe que estas pessoas morrerão, pensam alguns. No entanto, não se sabe que isto acontece somente porque as pessoas querem migrar. Com a crise na Itália, muitos jovens emigraram para os Estados Unidos. E lá são ilegais. Mas, estão vivos. Ao contrário, nós, os extracomunitários, não tendo o visto, temos que nos dirigir aos ambientes da ilegalidade. E isto significa poder morrer. Por isso, migrar para nós deve ser um direito.
Vocês também dizem que a marcha da quinta-feira é “antirracista”...
Consideramos que a leis de imigração estão inspiradas em princípios racistas, porque se baseiam em princípios de exclusão. O fato de pertencer a uma determinada região do mundo, de onde provém, sua origem, faz com que você tenha determinados direitos. Não temos direito a circular, não temos direito à existência, não temos direito à saúde, ao trabalho. Nossa origem geográfica, para não dizer étnica, faz com que não tenhamos direitos. E esses princípios foram institucionalizados pelas leis de imigração e não somente na Europa.
Segundo o que você diz, a Europa poderia fazer mais diante da crise migratória atual?
Eu acredito que é errado dizer que a Europa não esteja fazendo nada. A Europa está fazendo algo, está decretando que não é preciso salvar as pessoas. Outra coisa seria se a Europa estivesse ignorando o que acontece. A Europa diz que é preciso combater a criminalidade, que é necessário bombardear as embarcações que estão na Líbia para que os imigrantes não possam chegar, para que os traficantes não se enriqueçam. A Europa está fazendo uma política que está ressaltando o fato de que existem pessoas as quais se pode deixar morrer. Justifica-se politicamente o direito de não salvá-las, porque há uma “invasão”, dizem, porque há um ingresso irregular dessas pessoas. A Europa está fazendo uma política que significa condenar as pessoas à morte. Porque se não quisesse isto, já se poderia ter pensado em outros mecanismos para o ingresso regular dos migrantes. A Europa não está resolvendo o problema porque não quer instituir caminhos de ingresso regular. Ainda que saiba muito bem que, de qualquer forma, precisa de mão de obra.
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“A razão de minha vida é a luta pelos direitos dos imigrantes” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU