20 Agosto 2015
Vimos passar uma semana cheia de eventos marcantes na Igreja Católica da República Democrática do Congo, importante país com 67 milhões de habitantes devastado pela guerra e que se situa na região da África Central, onde cerca de metade da população é católica.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicado pelo Crux, 15-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Para começar, os bispos do país recentemente pediram ao presidente Joseph Kabila que abrisse um diálogo nacional “em conformidade com a Constituição” concernente às eleições marcadas para 2016. Kabila assumiu o poder em 2001, após o assassinato de seu pai, Laurent-Désiré Kabila, e desde então elegeu-se presidente duas vezes, em 2006 e 2011.
Atualmente, há rumores de que Kabila estaria pavimentando o caminho para alterar a Constituição do Congo a fim de que ele possa concorrer a um terceiro mandato, o que tem provocado protestos por parte da oposição política do país, bem como de ativistas pró-democracia.
Nesse contexto, o “convite” dos bispos chegou a muitos congoleses com o significado de que a Igreja irá se opor a Kabila se ele, de fato, tentar alterar os limites constitucionais para reeleições.
Em segundo lugar, no começo de julho algumas autoridades eclesiásticas se viram defendendo o papel da Caritas na distribuição de salários aos professores de escolas públicas em áreas remotas do país onde não existem bancos.
Há meses os professores dessas regiões recentemente vêm se queixando de não estarem recebendo os seus salários. Os agentes da Caritas, no entanto, dizem que os atrasos ocorreram porque os veículos que transportavam o dinheiro dos salários estavam sendo levados por bandidos, insistindo que se o governo realmente quer ver os professores receberem os seus salários, então que ofereça melhores condições de segurança nas estradas.
Em todo o caso, um porta-voz destes professores, Jean-Luc Ndailitse, disse que os professores ainda preferem que a Caritas continue lidando com os pagamentos.
Quando funcionários do governo estavam no comando dos pagamentos, disse Ndailitse, pelo menos 30% dos valores desapareciam, presumivelmente indo parar no bolso das pessoas envolvidas com o transporte, muito provavelmente. Agora, quando a Caritas fica responsável por levar o dinheiro onde ele deveria estar, tudo ocorre de forma justa.
Além disso tudo, os bispos da República Democrática do Congo também se juntaram recentemente com seus prelados irmãos no vizinho Congo-Brazzaville para condenar a repressão aos imigrantes ilegais que aí chegam, na maior parte congoleses empobrecidos atraídos por um padrão de vida ligeiramente mais elevado.
Os bispos disseram que a campanha anti-imigração, chamada “Mbata ya bakolo” (que, lingala, língua local, significa “bofetada/tapa dos anciãos”), tem sido caracterizada por violações dos direitos humanos.
Para nós dos países ocidentais, a ideia de ter os bispos interferindo nas eleições nacionais, ou de uma instituição de caridade católica (no caso, a Caritas) estar sendo a responsável pelo pagamento de servidores públicos, pode parecer violações óbvias da noção de separação entre Igreja e Estado.
Tais noções, no entanto, têm pouco a ver com as realidades práticas da vida em grande parte do mundo em desenvolvimento, às vezes chamado de o “Mundo dos Dois Terços”.
Nos países não ocidentais, especialmente nos Estados de partido único ou onde a classe política é percebida como irremediavelmente corrupta, os organismos religiosos são, por vezes, as únicas expressões significativas da sociedade civil: os únicos ambientes onde o protesto pode tomar forma e onde as preocupações com o bem comum podem ser articuladas.
Para dar outro exemplo africano: quando Serra Leoa – país devastado pela guerra – precisou de alguém para chefiar a Comissão Nacional de Eleições, que contaria com a confiança dos partidos para supervisionar a equidade do escrutínio, voltou-se a uma ex-Irmã da Congregação de São José de Cluny e ativista católica devota, Christiana Thorpe.
Na verdade, o próprio Congo oferece a perfeita ilustração disso de que estamos falando.
No começo da década de 1990, o que era então o Zaire estava delineando o seu caminho para aquilo que ele iria ser sem a mão forte de Mobutu Sese Seko, líder que governou o país de 1965 a 1997. Um “Alto Conselho da República”, organismo de transição, precisou de alguém com autoridade moral e uma reputação de independência para conduzir o processo de elaboração de uma nova Constituição, agindo como um líder nacional de facto durante o “fin de regime”.
Ninguém da classe política se encaixava no cargo. Então o país se voltou ao então arcebispo de Kisangani, religioso polido e cortês chamado Laurent Monsengwo Pasinya. Ele não só serviu como presidente do Alto Conselho, mas também como o presidente de transição do Parlamento em 1994. Ou seja, um bispo católico foi o chefe de Estado do país.
Sim, Monsengwo atraiu críticas quanto ao seu trabalho ao longo deste tempo. De qualquer forma, acabou sendo um dos líderes da África católica. Hoje, ele faz parte do Conselho de Cardeais assessores do Papa Francisco, onde as decisões políticas fundamentais são pensadas.
(Em certos aspectos, Monsengwo nasceu para liderar: ele pertence à família real de sua tribo Basakata; o seu nome significa “parente do chefe”.)
Lugares como o Congo devem desempenhar um papel cada vez maior na definição da agenda para o catolicismo mundial no início deste século XXI. Em 2050, projeta-se que a sua população católica esteja em torno de 97 milhões, colocando-o lado a lado com os Estados Unidos e em quarto lugar na lista dos países mais católicos do mundo, atrás apenas do Brasil, do México e das Filipinas.
Sob a influência de líderes com tais históricos, parece provável que a Igreja Católica possa se tornar, cada vez menos, temerosa com relação ao engajamento político direto, refletindo a experiência cultural e as necessidades dos países em desenvolvimento.
Em outras palavras: para muitos católicos a pergunta a ser feita não é se a Igreja está sendo demasiadamente política. A pergunta é se a Igreja está sendo política o suficiente, em particular quando ela tem a capacidade para preencher um vazio que nenhum outro agente pode ou deseja preencher.
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O catolicismo é menos temeroso quanto à política nos países em desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU