Por: André | 14 Agosto 2015
As eleições presidenciais na Argentina chamam a atenção para a visão política do Papa Francisco. Seu entusiasmo com os “movimentos populares”. A utopia de uma nova Internacional comunista e “papista”.
Fonte: http://bit.ly/1ILUffe |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 12-08-2015. A tradução é de André Langer.
No domingo passado, aconteceram na Argentina as primárias, cujo interesse aumentou pelo fato de Jorge Bergoglio ser cidadão desse país.
As verdadeiras eleições presidenciais estão programadas para o dia 25 de outubro próximo, com um eventual segundo turno marcado para o dia 24 de novembro, no caso de nenhum candidato atingir 40% dos votos no primeiro turno, com uma diferença de ao menos 10% em relação ao segundo colocado.
Mas, no dia 09 de agosto, aconteceram as primárias para a escolha dos candidatos a ocupar a Casa Rosada. A presidente no cargo, Cristina Fernández de Kirchner, está no final do segundo mandato, de quatro anos cada, e em consequência não poderá concorrer novamente. A incógnita das primárias era a vitória ou não de seu candidato à sucessão, e em consequência a continuidade ou não do kirchnerismo, no poder ininterruptamente desde 2003, primeiro com Néstor Kirchner e depois com sua esposa, viúva desde o final de outubro de 2010.
A resposta das urnas não dissipou inteiramente a incógnita.
Daniel Scioli, de 58 anos de idade, governador da província de Buenos Aires e candidato da Frente para a Vitória – o partido político dos Kirchner –, obteve 38,3% dos votos.
Mas Mauricio Macri, empresário liberal, ex-presidente do Boca Juniors, prefeito em fim de mandato da cidade de Buenos Aires e líder do partido Proposta Republicana, com 30,2% dos votos, não ficou muito longe daquele.
E em seguida vem o “terceiro homem”, Sergio Massa, líder da Frente Renovadora, versão moderada do kirchnerismo, com 20,6%.
Na imagem acima, os dois maiores rivais – Scioli e Macri – posam diante de um retrato de Francisco, na última Feira do Livro realizada em Buenos Aires. A pergunta que se coloca é a seguinte: qual é o candidato preferido do Papa? Mas, antes disso: o que cada um deles representa?
Na véspera das primárias argentinas o professor Marco Olivetti, professor de Direito Constitucional da Universidade de Foggia e grande especialista em sistemas políticos, descreveu dessa maneira o kirchnerismo, em si e no contexto da América Latina, em um artigo publicado no Avvenire:
“O kircherismo é a enésima reencarnação do peronismo: depois da versão original, vagamente fascistizante, de Juan Domingo Perón e Evita; depois daquela da década de 1970, liberal-conservadora, do Perón morto e de sua terceira esposa, Isabelita; e depois da versão hiperliberal de Carlos Menem, nos anos 1990.”
“[O kirchnerismo] constitui a variante social-democrata, em continuidade com os grupos para-revolucionários que infestavam a Argentina nos primeiros anos da década de 1970, e é apoiado pelo tradicional sindicalismo peronista. Suas maiores adesões são particularmente altas entre as pessoas de baixa renda e com um baixo nível de instrução.”
“A categoria que o define é a do populismo – a identificação com um ‘povo’ bom – agora reduzido em concordância com o húmus político predominante em boa parte da América Latina, desde a Venezuela de Chávez e de seus herdeiros até a Bolívia de Morales, do Brasil de Lula e Dilma ao Equador de Rafael Correa, embora com muitas diferenças entre os diferentes casos.”
O principal desafiante de Scioli, Macri, representa, ao contrário, a coalizão Mudemos, que além da Proposta Republicana inclui a União Cívica Radical, que foi, no século XX, outro grande partido argentino, rival dos peronistas, e a Coalizão Cívica para a Afirmação de uma República Igualitária, criada em 2002 e dirigida até agora pela advogada e deputada católica Elisa Carrió.
A primeira mulher a se candidatar à Casa Rosada, contrária à despenalização do aborto e ao casamento gay, mas favorável ao reconhecimento jurídico das uniões homossexuais, Carrió é amiga de longa data de Bergoglio. Ela vaticinou a sua eleição como Papa já em 2001.
Mas hoje ela não oculta sua opinião segundo a qual Francisco joga na Argentina “cartas” políticas equivocadas, ao apoiar o kirchnerismo, com o risco de ver que seu país termine como a Venezuela, situação da qual só poderia ser salva com um claro giro liberal.
Não há declarações explícitas do Papa Francisco que convalidem esse julgamento. Mas está fora de qualquer dúvida de que ele tem uma visão política da Argentina e da “Pátria Grande” latino-americana, a julgar por alguns gestos e discursos do seu pontificado.
A recente viagem papal ao Equador, Bolívia e Paraguai foi reveladora. Francisco não ocultou sua simpatia pelos presidentes populistas dos dois primeiros países, ao passo que com o terceiro, conservador, mostrou frieza, chegando inclusive a repreendê-lo publicamente por um crime que ele jamais cometeu, o que constituiu um clamoroso equívoco do Papa.
Mas o verdadeiro “manifesto” político do Papa Bergoglio foi o longuíssimo discurso que pronunciou em Santa Cruz, na Bolívia, na presença dos “movimentos populares” não globais da América Latina e do resto do mundo, convocados por ele pela segunda vez em menos de um ano. A primeira vez foi em Roma. Em ambos os casos, tendo Evo Morales, o presidente “cocaleiro” da Bolívia, em primeira fila.
Ao reler estes dois discursos, impacta o fato de que seu “conceito qualificativo” – retomando as palavras de Marco Olivetti – seja “o do populismo, a identificação com um ‘povo’ bom”, ou seja, precisamente o que caracteriza o peronismo socializante da era Kirchner, na qual o número dos beneficiários de fundos estatais triplicaram e somam hoje 15,3 milhões de pessoas, 36% da população.
O “povo” no qual o Papa Francisco vê a vanguarda de uma revolução mundial contra o império transnacional do dinheiro é aquele que ele mesmo descreve como sendo composto por “papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes, alfaiates, artesãos, pescadores, camponeses, carpinteiros e mineiros”. Ele disse que pertence a estes o futuro da humanidade, graças a um processo de sua ascensão ao poder que “transcenda os procedimentos lógicos da democracia formal”.
Na opinião do jesuíta James V. Schall, professor de Filosofia Política da Universidade de Georgetown, em Washington, o discurso de Santa Cruz apresenta “Bergoglio em estado puro”, com uma visão política “mais próxima de Joaquim de Fiori do que de Santo Agostinho de Hipona”.
Mas também por parte do partido de Cristina Kirchner e dos círculos bergoglianos manifestam-se gestos de calculado apoio a estas orientações do Papa.
No mês de março passado, a ministra argentina de cultura, Teresa Parodi, organizou no imenso e concorridíssimo Teatro Cervantes, no centro de Buenos Aires, um Fórum Internacional sobre Emancipação e Igualdade, do qual participaram as “estrelas” mundiais do movimento contestador anticapitalista.
Na tarde de 13 de março, alternaram-se nos microfones, um depois do outro, o brasileiro Leonardo Boff, teólogo da libertação convertido à religião da Mãe Terra, o italiano Gianni Vattimo, filósofo do “pensamento fraco”, e o argentino Marcelo Sánchez Sorondo, arcebispo chanceler das Pontifícias Academias das Ciências e das Ciências Sociais, grande conselheiro do Papa Francisco.
Muito aplaudido e tendo ao seu lado um Sánchez Sorondo muito satisfeito, Vattimo defendeu a causa de uma nova Internacional, ao mesmo tempo comunista e “papista”, que teria Francisco como seu líder indiscutível, o único capaz de liderar uma revolução política, cultural e religiosa contra o supra-poder do dinheiro, na “guerra civil” em andamento no mundo, que é travestida, disse, como luta contra o terrorismo, mas que na realidade é a luta de classes do século XXI contra a multidão de todos os opositores ao capitalismo.
Ver para crer. A arenga de Vattimo, em espanhol, está entre o minuto 15 e o minuto 51 do vídeo desta sessão do fórum, com as intervenções posteriores de Sánchez Sorondo e Leonardo Boff.
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De Perón a Bergoglio. Com o povo contra a globalização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU