Por: Jonas | 03 Agosto 2015
“A juventude aparece hoje como um valor em si mesmo. Na política, e a nível social em geral, dizer que um político ou uma força política são jovens já significa um atributo positivo”, afirma Pablo Vommaro (foto), autor do livro “Juventudes y políticas na Argentina e América Latina”, primeiro volume da coleção “As juventudes argentinas hoje: tendências, perspectivas, debates” (Grupo Editor Universitário). Pós-doutor em Ciências Sociais e pesquisador do Clacso, Vommaro destaca – em conversa com o jornal Página/12 – aspectos que identifica como as ramificações de um processo de “juvenilização” e afirma que muitas disputas políticas, que são de natureza ideológica, aparecem hoje sob a forma de “disputas geracionais”: a nova política contra a velha.
Fonte: http://goo.gl/JUvg63 |
A entrevista é de Delfina Torres Cabreros, publicada por Página/12, 31-07-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Por que você propõe um “enfoque geracional” para estudar as juventudes e suas relações com as formas políticas?
Em parte, tem a ver com o deslocamento de duas conceituações que, ainda que pareçam antigas, continuam em operação, sobretudo, no sentido comum e em algumas políticas públicas. Por um lado, uma concepção dos jovens em uma dimensão mais biologicista: a juventude apenas como ciclo de vida.
A segunda questão que é importante considerar é a concepção da juventude enquanto moratória. Ou seja, enquanto suspensão do ciclo de vida, como um parêntese: não é criança, nem adulto, ainda não é cidadão, ainda não é pai, ainda não é trabalhador. Está em um momento propedêutico de introdução para quando for grande.
A perspectiva geracional permite se deslocar dessas duas conceituações e, em segundo lugar, permite incorporar uma série de dimensões sociais, culturais, históricas e relacionais que permite encarar a juventude como uma produção social.
Este conceito mais maleável de juventude é o que permite identificar um processo de “juvenilização” na sociedade?
Totalmente, e eu acredito que é um dos processos mais estruturais, que permite também entender o lugar importante da juventude hoje na política. Eu acredito que no mundo contemporâneo há dois processos que são a juvenilização e a feminização da sociedade. A feminização tem a ver com um montão de atributos supostamente femininos que hoje em dia estão difundidos por todas as dimensões sociais. E a juvenilização responde a uma crescente importância e valorização do juvenil no conjunto da vida social, não apenas dos jovens como sujeitos, mas de atributos que podemos interpretar como juvenis. Tanto nas dimensões culturais, nas pautas de consumo, estilos de vida, na força de trabalho e em outros âmbitos, como as sexualidades ou as migrações e, claro, na política.
A juventude é hoje um atributo valioso para a política?
Hoje, o juvenil se tornou um valor positivo, que gera adesões e simpatias. Podemos dizer que a juventude aparece como um valor em si mesmo. Na política, e a nível social em geral, dizer que um político ou uma força política são jovens significa um atributo positivo. E é bom pensar como isso foi construído, porque há 30, 40 anos, o que se valorizava na política? A experiência. É o típico discurso de Perón, de Balbín: “Eu sei governar e como já governei, quero continuar governando”. Hoje em dia, salvo exceções, é “eu sou jovem, eu não sei de política”. O paradoxal é Miguel Del Sel: “Eu sou um ator que não sei ser deputado, não me interessa a política, não quero ser político: votem em mim para governador porque não sou um político”.
Então, há uma questão de uma produtividade do jovem, há uma leitura de conflitos políticos de cunho geracional. Ou seja, conflitos que na realidade são de modelos políticos, de objetivos, de ideologia, que não se apresentam como disputas ideológicas ou modelos políticos: apresentam-se como disputas geracionais: a nova política contra a velha política.
Os anos 1990 não foram anos de apatia e desmobilização juvenil, como se costuma dizer?
Os anos 1990 não foram um momento de apatia, nem de descompromisso, nem de desinteresse militante. Foram um momento de recomposição militante. Pode-se ver um ciclo em que nos anos 1980, e fortemente a partir de 1983, há uma primavera de participação democrática que se costuma ler como participação de juventudes partidárias: a Coordenação radical, a Juventude Universitária Intransigente, o MAS, a Juventude Universitária Peronista. Porém, também há uma forte militância de bairro e uma militância em movimentos como são os de direitos humanos, que não são estritamente partidários. Pensa-se que os anos 1980 foram um momento de grande participação política, com a crise da dívida, as leis de impunidade e um montão de coisas que demonstraram que com a democracia não se comia, não se educava e não se curava, ocorre um desencantamento cidadão muito forte.
Então, veio o menemismo prometendo que recomporia essa confiança. E vem os anos 1990 como um momento de resistência ao neoliberalismo, mas com descompromisso, como uma resistência fragmentada, a partir da individualidade, e com o aumento da pobreza, desemprego, ruptura dos laços sociais. Tudo isso existiu e é um ponto, mas os anos 1990 também foram um momento de ressignificação política, em que a política nos bairros, a política de proximidade, a discussão da representação sobre a participação e tudo o que emerge ou explode em 2001 começou a se gestar.
Então, eu diria que os anos 1990 não foram um momento de descompromisso, mas, sim, de geração de outras formas de compromisso político, alternativas ao sistema político e seus canais instituídos da política.
O que aconteceu com os jovens após a crise de 2001?
Tudo isso que destaquei continua existindo, mas há também um retorno a uma confiança no Estado e a um reencantamento com o público, que conta com dois aspectos: por um lado, uma nova centralização no Estado como arena de disputa ou como ferramenta de mudança social. Se nos anos 1990 se militava contra o Estado, após 2003, e claramente a partir de 2008, há muitas juventudes que militam pelo Estado, para o Estado ou a partir do Estado. E isso não tem apenas a ver com as juventudes kirchneristas, mas com várias forças partidaristas em nível provincial e distrital. Mas, também há um segundo processo que tem a ver com a ampliação do público, com a aparição do público no estatal. Por exemplo, hoje surge uma política pública que para ser eficiente precisa ser executada a partir dos territórios e tem que se aliar com organizações sociais. Um Estado já não pode operar quase nenhuma política pública sem que haja pessoas que a militem.
Essa é uma das explicações possíveis do por que o kirchnerismo tanto enfatiza a juventude como um de seus pilares?
Sem dúvida. No kirchnerismo coexistem ao menos dois discursos sobre a juventude que são bem interessantes, porque parecem contraditórios, mas coexistem sem muito conflito. Por um lado, o que eu chamo de a juventude futuro: uma apelação aos jovens como os dirigentes do futuro: “Vocês são meu substituto”. Esse discurso, que é muito mais clássico, coexiste com o da juventude presente, que é: “vocês possuem hoje a responsabilidade, assumam hoje a responsabilidade”.
Então, hoje o ministro da Economia é jovem, há lugar para os jovens na lista de deputados. Estes discursos contraditórios também moldam alguma política pública: há algumas políticas públicas que estão pensando mais em formar os jovens para amanhã e outras que estão pensando mais em como os jovens podem participar hoje.
Em seu livro, você destaca que houve uma ampliação de direitos e políticas públicas que alcançaram os jovens, mas que, por sua vez, continua mantendo um enfoque “adultocêntrico” na efetivação destas medidas. A que se refere?
Acredito que as políticas públicas de juventude têm, sobretudo, duas deficiências fundamentais: continuam sendo ‘adultocêntricas’ e não são integrais. O ‘adultocêntrico’ tem a ver com políticas públicas de juventude pensadas a partir do mundo adulto, sem participação ou com participação subordinada dos jovens em sua formulação. Sempre uso o exemplo das políticas de gênero: hoje é impensável que qualquer política de gênero não conte com a participação das mulheres em seu planejamento. Contudo, naturaliza-se que os adultos formalizem políticas para os jovens. Tem muito a ver com a forma de envolver a participação direta, não de jovens isolados, mas do protagonismo de coletivos juvenis. Pensar em quais são as capacidades, o que sabem fazer essas juventudes e como se pode aproveitar essas capacidades para potencializar ou fortalecer uma política pública. E como incorporar também as concepções que os jovens possuem sobre determinados temas nas políticas públicas. Por exemplo, muitas políticas de emprego continuam pensando em reinserir o jovem ou em melhorar sua empregabilidade no mercado de trabalho, mas não se centram na concepção que os jovens possuem hoje a respeito do trabalho, que é muito diferente daquela de alguns anos atrás: é um trabalho que é muito mais vinculado à satisfação de necessidades imediatas e ao consumo do que ao trabalho como um percurso de vida, que me traz uma satisfação pessoal. Isto não é incorporado nos planos de emprego e faz com que muitos planos fracassem.
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“Há uma juvenilização da sociedade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU