22 Julho 2015
Na região de Reading, em Ohio, onde John A. Boehner (presidente da Câmara federal americana) cresceu, quase todas as casas tinham duas coisas na parede: um crucifixo e uma foto do papa. “A gente jamais imaginou se encontrar com o papa”, disse Jerry Vanden Eynden, amigo de longa data de Boehner. “Para nós, o papa era o mais próximo que podia haver no sentido de nos encontrarmos com Deus em pessoa aqui na Terra”.
O texto é de Jennifer Steinhauer, publicado pelo jornal The New York Times, 19-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Quando o Papa Francisco vier ao Capitólio em setembro, ele será o primeiro pontífice a discursar a uma reunião conjunta do Congresso, onde mais de 30% dos membros são católicos. Esta visita realizará um sonho de longa data de Boehner, que diz que somente as suas origens de classe operária são mais importantes para a sua atuação no mundo do que a formação católica que recebeu.
Esta visita do papa vem num momento de tensão inerente para muitos políticos republicanos, inclusive os que são católicos. Embora não tenha feito mudança alguma na doutrina da Igreja, Francisco vem apoiando fortemente um campo ideológico oposto ao de Boehner e de seu partido [o Partido Republicano]. Francisco execrou os excessos do capitalismo como sendo “esterco do diabo”, pediu para que se aja no sentido de deter o aquecimento global e apoiou, abertamente, o novo acordo nuclear com o Irã.
Para os republicanos, questões fiscais são coisas mais imediatas e problemáticas. Eles estão pressionando por cortes nos gastos, incluindo cortes que reduziriam o repasse a programas sociais, o que criou uma briga com os democratas que poderá levar a uma paralisação do governo nas circunstâncias do discurso papal – discurso que será transmitido ao vivo direto do Capitólio.
Muitos líderes republicanos vêm discutindo discretamente sobre os seus temores para com uma luta desgastante ou com uma paralisação do governo durante a sua visita. “Isso seria horrível”, disse a senadora Susan Collins, republicana do Maine e católica. “A minha esperança é que todos sejamos infundidos pelo espírito de São Francisco”, acrescentou, sugerindo que o Congresso possa, talvez, ser levado a concordar em alguns projetos de lei de forma que se evitem constrangimentos.
Apesar de toda esta tensão em potencial, Boehner está extasiado, deixando de lado as diferenças ideológicas diante da visita do Papa Francisco, líder que, para a maioria dos americanos, pode se parecer mais com Bernie Sanders [senador americano sem partido] do que com Ronald Reagan.
“Vejam, tem uma coisa que sabemos sobre este papa”, disse Boehner. “Ele não tem medo de assumir o status quo nem tem medo de dizer o que realmente pensa. E posso dizer: Eu não vou me meter numa discussão com o papa. Tenho certeza que o Papa Francisco terá coisas a dizer, coisas que as pessoas vão achar interessantes, e estou ansioso por esta visita”.
O discurso do Papa Francisco ao Congresso – um dos eventos mais significativos de sua visita aos Estados Unidos – vai render-lhe uma rara oportunidade diante da sede do poder político americano, com uma ampla audiência em todo o país. Diante dele estarão 535 membros da Câmara e do Senado que, provavelmente, não se atreverão a mostrar um mínimo de desrespeito durante a fala, não importa se ele estiver implorando uma ação na questão das mudanças climáticas ou se estiver invadindo a problemática do aborto.
Por sua vez, os deputados democratas, incluindo a líder deles na Câmara, Nancy Pelosi (da Califórnia), que também é católica, têm as suas próprias divergências com o papa, que se opõe ao aborto e casamento homoafetivo.
Há mais de meio século, desde que John F. Kennedy disse aos eleitores que ele não estaria recebendo ordens do papa, os políticos católicos têm precisado conciliar princípios religiosos com imperativos políticos.
Em sua recente viagem à América Latina, Francisco denunciou alguns aspectos do capitalismo e as mudanças climáticas causadas pelo homem, repetindo ideias presentes em sua encíclica recentemente lançada, a qual os ativistas ambientais vêm elogiando. O papa não se colocou numa posição de confronto direto com os países que o receberam, preferindo falar de maneira geral sobre prioridades políticas.
Embora grupos católicos certamente se insiram no processo político – a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos se empenhou no sentido de impedir com que os empregadores fossem obrigados a garantir métodos contraceptivos como parte do seguro de saúde padrão, mas apoiou ideias democratas na campanha pela reforma das leis de imigração –, os pontos de vista do Vaticano não se enquadram no contexto político americano de esquerda/direita.
“Há uma percepção comum de que ele estaria, realmente, revolucionando”, disse Mark A. Smith, professor de Política e especialista em Religião Comparada na Universidade de Washington, em Seattle. “Mas eu o vejo como alguém que está, na verdade, reiterando temas que fazem parte da doutrina católica há muito tempo. No final do século XIX, o papa escreveu uma encíclica que continha inúmeras passagens falando sobre a necessidade de cuidarmos dos pobres e de não deixarmos os negócios tomarem conta do mundo. Ele [o Papa Francisco] colocou estas temáticas de volta na ordem do dia”.
E Smith acrescentou: “Quando ele falou sobre gays: ‘Quem sou eu para julgar?’, de fato pensamos que se tratava de algo novo. Mas se formos ver de forma mais aprofundada, há muito temos, na Igreja, este sentimento de que nós não devemos condenar as pessoas por seus desejos, mas apenas por seus comportamentos”.
Para Boehner, uma visita do papa é o cume de uma honra religiosa que ele nunca havia esperado, no contexto de uma função na sociedade que ele jamais poderia ter sonhado quando criança.
Vanden Eynden, o amigo de infância de Boehner, recordou a missa diária que havia na escola do bairro: “Tinham aquelas senhoras de idade avançada e nós”.
“Nós ficávamos na entrada da Igreja porque, muitas vezes, não estávamos vestidos para ir à igreja, mas para a escola”, disse Eynden.
Os trabalhos escolares deles dois durante aqueles anos eram rubricados com as iniciais “J.M.J.” (Jesus, Maria, José), e faziam-se orações à linha lateral durante os jogos de futebol, com o treinador da escola, uma pessoa bastante religiosa, que também colocava os jogadores a rezarem o rosário durante o trajeto que percorriam para ir treinar. “Ainda rezamos Ave Marias quando nos encontramos no campo de golfe”, diz Eynden. Boehner, que veio de uma família de classe trabalhadora com 12 filhos e que, também, ia aos sábados com seu pai para uma outra cidade realizar trabalhos caritativos junto dos pobres.
“João foi exposto a isso desde quando era criança, de forma a ajudar os companheiros em suas necessidades”, completou o Eynden. A mensagem da Igreja enfatizava a caridade, mas também não demonizava a riqueza, disse ele.
“Não há nada de errado em ser bem-sucedido”, disse ele. “Eu não tenho certeza de que este papa esteja dizendo [que há algo de errado em ser bem-sucedido]. Se formos à Europa, veremos que a Igreja Católica é muito bem-sucedida com o que possui”.
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Para o Partido Republicano, visita do Papa ao Congresso acontece sob tensões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU