Por: André | 17 Julho 2015
O acordo para limitar o programa nuclear do Irã é uma vitória para a paz mundial e um êxito para a diplomacia em uma era de beligerância, guerras incessantes e uma polarização crescente e insana.
O comentário é de Ariel Dorfman e publicada por Página/12, 15-07-2015. A tradução é de André Langer.
Certamente há muitos, especialmente no Congresso norte-americano, que anunciaram que se oporiam a este pacto. Enfronhados em preconceitos pretéritos, mostram-se incapazes de se libertarem do passado. O problema central que os corrói – a eles e seus seguidores – é a desconfiança em relação aos inimigos iranianos.
Como superar este medo histórico e profundo entre os povos?
Não basta a diplomacia ordinária. Estamos diante de uma oportunidade única para que se realize outro tipo de diplomacia, uma diplomacia que poderíamos chamar de literária. Nada melhor para diminuir desconfianças em relação ao Irã do que entrar nas fontes mais perenes da identidade persa. E a maneira mais eficaz de realizar esta viagem cultural para uma civilização que precede a ocidental em muitos séculos é, na minha opinião, através de Rumi, o inimitável poeta sufi que nasceu em 1207. Todos os iranianos levam em seu coração aqueles versos luminosos, lúbricos, místicos, escritos em persa, tal como Shakespeare é parte da alma de quem falam inglês ou Cervantes o é para nós, de língua hispânica.
Ler, embora seja uma pequena seleção das odes graciosas que Rumi dedicou ao seu amigo de alma e a Deus, pode ir quebrando os estereótipos desumanizantes que nos cegam e nos separam hoje dos homens e mulheres comuns e normais de Teerã, destroçar as próprias apreensões que os negociadores em Genebra tiveram que superar para solucionar o que parecia ser um problema insolúvel. De fato, talvez aqueles negociadores escutaram Rumi quando as posições se mostravam irreconciliáveis, talvez deixaram que o grande poeta os guiasse secretamente com suas palavras milenares: “O vinho de que Deus gosta / é a honestidade humana”.
Rumi tem, além disso, mensagens para os dois povos, o norte-americano e o iraniano, quanto a como reagir a este acordo que evita criar ainda mais armas de destruição em massa. Ouçam a um destes homens mais sábios e generosos que pisou a Terra ao falar sobre a segurança: “Deixem de desejar aquilo que os outros seres humanos têm”, disse Rumi, e acrescenta:
“– É o único caminho para se sentir seguro.
– Onde, onde e como posso sentir-me seguro? – perguntas.
– Este não é um dia para fazer esse tipo de pergunta.”
E quanto aos que temem que os termos do convênio nuclear recém assinado sejam inverificáveis, fariam bem também eles em escutar Rumi: “Não deixe que sua garganta / se aperte com o medo”.
Quem costurou este convênio utilizou com frequência a palavra inglesa breakthrough para caracterizá-lo. Significa êxito e avanço, mas o que o breakthrough contém, tem de mais significativo, é a ideia de que para chegar a uma condição nova é imprescindível romper a rigidez que nos prende, ir além do que éramos ontem. E Rumi, com efeito, é particularmente valioso como especialista em rupturas, alguém que canta contra a complacência que mata e sufoca. É da sua sagacidade que necessitamos ao enfrentar uma situação ameaçadora e nova. Esse homem tão espiritual entendeu que as mudanças mais importantes, tanto para os povos como para os indivíduos, exigem que se quebre alguma parte do nosso ser anterior, que se deixe para trás aquilo em que acreditávamos para alcançarmos um estado humano superior.
Rumi disse: “Dancem, quando ficam esquartejados. / Dancem, quando te tiram as vendas violentamente. / Dancem, quando te encontras no meio da luta”. Faz tantos séculos que este místico nos legou estes versos e seguem tão atuais quanto naquela época: “Assim”, disse e segue dizendo, “teremos caído no lugar / onde tudo é música”.
Trará este acordo um pouco mais que concórdia e paz para o nosso atribulado planeta?
Esperamos, com Rumi morto e, no entanto, tão vivo, que sim. Mas, enquanto isso, se dançamos com suas palavras eternas, poderemos talvez dar um pouco de paz às almas atribuladas da nossa vasta e dividida humanidade. Devemos dar ouvidos ao Rumi quando disse: “Aposta tudo o que tens para alcançar o amor / aposta tudo / se és um ser humano de verdade”.
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Rumi e o acordo nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU