16 Julho 2015
O primeiro-ministro Alexis Tsipras comprovou nesta quarta-feira o alto preço a pagar para manter a Grécia atrelada ao euro. No entanto, conseguiu aprovar o acordo para negociar um novo resgate, por 229 votos a favor, graças à maioria de seu partido, o Syriza, a seu aliado de Governo e a três partidos da oposição, e 64 contra, sendo 32 de suas próprias fileiras (incluindo o de Yanis Varoufakis) e seis abstenções, também do Syriza. Com esse racha, o Governo fica em uma posição muito frágil. Tsipras voltou a defender um acordo “ruim”, mas inevitável.
A reportagem é de María Antonia Sánchez-Vallejo, publicada por El País, 15-07-2015.
Enquanto os cidadãos faziam as contas para saber o que significará o aumento imediato do IVA – no mínimo, um aumento de 720 euros ao ano por família – , uma das leis que o Parlamento grego aprovou já na madrugada de quarta-feira para franquear o terceiro resgate, o primeiro-ministro Alexis Tsipras fazia outros cálculos: quantas baixas iria lhe custar a aprovação de um acordo em que não acredita, mas que se viu obrigado a aceitar, e se, apesar do respaldo da oposição, sairia ileso, com seu partido mais ou menos inteiro, da sessão plenária mais decisiva em décadas. Finalmente, 38 de seus 149 deputados se mostraram contra o acordo (32 nãos e seis abstenções). Um deputado do Syriza não foi à votação.
As renúncias de altos funcionários – dois diretores do Ministério de Finanças, entre eles a vice-ministra Nadia Valavani, renunciaram “por ser impossível discordar de uma medida do Governo e pretender continuar nele” – e nas fileiras de seu grupo parlamentar faziam pressagiar já durante a jornada um severo golpe para Tsipras, e uma cisão talvez irreparável no Syriza, apesar das declarações de Panayotis Lafazanis, ministro da Reconstrução Produtiva, Energia e Meio ambiente e líder da Plataforma de Esquerda, o bastião radical do Syriza, de que ele e seus deputados votariam contra as medidas, mas continuariam apoiando o Governo. O próprio Lafazanis votou contra o acordo.
Horas depois de Tsipras admitir em uma entrevista na televisão que não existem alternativas a esse “acordo ruim” ou uma saída desordenada do euro, e em meio a um ambiente tumultuado por várias greves e manifestações – que terminaram em incidentes entre manifestantes e polícia – , os comitês parlamentares correspondentes deram luz verde ao texto, que foi levado à sessão plenária, onde em um acalorado debate foram aprovadas as medidas exigidas pelos parceiros para negociar um novo resgate graças ao apoio dos três partidos da oposição pró-europeia (conservadores, socialistas e liberais). Estes, porém, não pouparam críticas ao Governo durante a sessão. Panos Kamenos, líder do partido que forma a coalizão com Tsipras, pediu apoio ao Executivo: “Se o Governo cair, não haverá esperança para a Grécia, não haverá esperança para a Europa”.
Um programa em duas partes
O pacote legal cuja aprovação a zona do euro impôs como condição para a Grécia negociar o terceiro resgate chega nesta quarta-feira ao Parlamento de Atenas dividido em dois artigos.
O primeiro é a ratificação do texto aprovado na segunda-feira na cúpula de Bruxelas, em que se estabelecem as condições para iniciar as negociações.
O segundo inclui mudanças e aumentos no regime do IVA, novas medidas tributárias, o fortalecimento do tratamento penal da evasão fiscal, a reforma nas pensões e na Previdência Social, a garantia da independência do instituto de estatísticas grego, assim como a criação de uma autoridade encarregada de prevenir desvios nas metas fiscais definidas.
O Eurogrupo analisará na quinta-feira se foram cumpridos os requisitos pactuados com a Grécia na segunda-feira.
O aviso mais sério ao primeiro-ministro não veio de seu grupo parlamentar, mas do comitê central do Syriza, que na manhã de quarta-feira rechaçou o acordo por maioria absoluta (109 votos em 201, entre eles quatro membros do Governo) e pediu sem êxito a Tsipras que o retirasse. A declaração rebelde acusa Bruxelas de “atentar diretamente contra qualquer noção de democracia”.
Christos Kasimis, assessor do ministro Lafazanis e dirigente da Plataforma de Esquerda, explicava com outras palavras durante a conturbada manifestação contra o acordo em frente ao Parlamento: “Não é só a Plataforma que está contra, mas muitíssimos outros no Syriza. Esse memorando é três vezes pior que o primeiro, não podemos aceitá-lo porque, além do mais, vai contra a vontade do povo. Por isso a única alternativa é uma saída do euro. Tsipras lutou muito, sabemos, mas foi derrotado”, afirmou.
Tsipras reconheceu diante de seu grupo parlamentar que tinha esgotado até a última possibilidade de solução. “Negociamos da melhor forma que pudemos (…). Mas estou aberto a qualquer alternativa realista que possa ter me escapado”, disse, insistindo que seus deputados mantenham a união. “Ou estamos todos juntos esta noite ou amanhã será difícil continuar sendo primeiro-ministro”, acrescentou, segundo veículos de imprensa locais.
Já durante o debate parlamentar, Tsipras ressaltou que só havia três opções na cúpula europeia: o pacto alcançado, uma quebra desordenada, ou o plano de desligamento temporário do euro proposto pelo ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. “Não vou dourar isso, nem vender como uma história de êxito, mas também não vou fazer a nossos oponentes políticos o favor de ser um breve parêntese no tempo”, disse o primeiro-ministro, que prometeu que seu Governo fará “o impossível para pôr as coisas em ordem” no país.
Muitos na facção majoritária de Tsipras consideram inevitável não a ruptura do partido, mas a convocação quase imediata de eleições. “Este Governo não tinha opções, porque não foi um processo de negociações, mas sim de humilhação”, explica o historiador e eleitor Angelos Vlacos. “A decisão de Tsipras foi dramática, e fará o partido amadurecer de forma dolorosa. Com sua responsabilidade, ganhou preponderância moral, mas para mim está claro que haverá eleições em alguns meses. O Syriza não vai ser o mesmo partido depois de hoje, mas se a convicção e a responsabilidade de Tsipras convencerem os cidadãos, o partido poderá desligar-se de seus elementos mais radicais e ideológicos – que talvez criem um partido próprio – , e arrastar muita gente que acredita, como boa parte da oposição, que Tsipras hoje é o único capaz de levar isso adiante”.
Presidenta do Parlamento pede “repúdio à chantagem”
Polêmica e excessivamente detalhista nas formas e nos procedimentos, a presidenta do Parlamento grego, Zoi Konstandopoulou, representante da ala radical do Syriza, defendeu nesta quarta-feira que os deputados repudiem a “chantagem” da União Europeia, poucas horas antes da votação do princípio de acordo que facilitará a negociação do terceiro resgate com os parceiros através do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira. “Este Parlamento não deve assinar a chantagem dos credores”, disse Konstandopoulou, a quem muitos na Grécia – e no Syriza – criticam por causa dos seus lapsos chicaneiros e das garantias formais que sempre oferece ao grupo parlamentar dos neonazistas da Aurora Dourada (17 cadeiras).
Segundo Konstandopoulou, que desde o início foi contra um novo resgate que implicasse em mais medidas de austeridade, é um dever dos parlamentares gregos evitar que se materialize esse pacto “ignóbil” entre o Governo de Atenas e seus credores internacionais. A presidenta – a terceira autoridade do país depois do presidente da República e de Tsipras – atrasou a tramitação, pela via de urgência, das ações prioritárias demandadas pelos parceiros.
Na votação parlamentar que aprovou a realização do referendo, em 27 de junho, Konstandopoulou protagonizou um incidente com a bancada conservadora, que a criticou duramente por abandonar sua cadeira para tomar a palavra no púlpito como simples deputada do Syriza, depois do que pretendeu continuar presidindo a sessão. Os conservadores abandonaram o plenário como protesto, e o próprio Tsipras teve de lhe chamar a atenção. Konstandopoulou se desculpou.
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Parlamento grego aprova o resgate apesar de cisão no Syriza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU