26 Junho 2015
O padre Thomas Reese, jesuíta e jornalista estadunidense, fala sobre o método de Francisco, depois de ler a Laudato si'. "Ele não parte dos princípios filosóficos, mas dos fatos." E nos faz a pergunta "sobre que tipo de Terra queremos deixar aos nossos filhos".
A reportagem é de Luca Fiore, publicada na revista Tracce, 24-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O que me impressionou foi a força com que a encíclica afirma que a crise ambiental em curso não tem a ver só com política e a economia, mas, acima de tudo, é um problema moral. Francisco mostra como os problemas do ambiente têm um impacto real sobre a vida de milhões de pessoas."
Depois de ler a Laudato si', o padre Thomas Reese parece dominado por um sentimento de surpresa. Jesuíta, jornalista do National Catholic Reporter, ex-diretor da revista America, ele é um dos comentaristas católicos mais famosos nos Estados Unidos.
"Além disso, o método é muito interessante", continua Reese: "O papa parte dos fatos, não dos princípios filosóficos ou teológicos. O documento começa mostrando aquilo que hoje sabemos sobre o impacto da atividade humana sobre a Terra. E é partindo daquilo sobre o qual a comunidade científica chegou a um consenso que ele nos faz a pergunta sobre que tipo de Terra queremos entregar aos nossos filhos".
Eis a entrevista.
Francisco não é o primeiro papa a falar desses problemas. O que há de novo no seu pensamento?
Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI: todos falaram do respeito pelo ambiente. Mas haviam feito isso com breves discursos, declarações ou em alguns parágrafos dentro de documentos mais amplos. Aqui, Francisco se empenha, entregando-nos um documento da autoridade de uma encíclica. Assim, o assunto é tratado de modo mais detalhado, considerando todos os aspectos do problema, dos modelos econômicos às consequências éticas e morais. É a diferença que existe entre escrever um artigo de jornal e publicar um livro.
No passado, a Igreja parecia mais prudente ao endossar algumas teorias científicas. O que mudou?
É preciso dizer que nunca tinha acontecido que tivéssemos um papa que tem às suas costas uma formação científica: antes de entrar no seminário, Bergoglio estudou química e trabalhou como químico. É um papa que se sente à vontade com o método científico. A outra coisa é que, sobre o problema mais discutido, o das mudanças climáticas, a comunidade científica está mais compacta do que há alguns anos. Está se tornando cada vez mais claro que as mudanças climáticas serão um dos problemas morais mais importantes com que seremos confrontados no século XXI.
Penso que o papa se sentiu obrigado a se expressar sobre esse tema. E não devemos subestimar o fato de que Francisco é um homem que vem do Sul do mundo e, como tal, já pôde ver com seus próprios olhos o impacto das mudanças climáticas. Nos países desenvolvidos, vemos menos esses problemas: nós exportamos a poluição, eles a importam. Temos legislações mais rígidas, e as nossas indústrias tendem a transferir a produção e a consequente poluição para os países em desenvolvimento.
No entanto, a encíclica não se limita a discutir o global warming...
Sim, é importante que fique claro: não é um documento sobre o aquecimento climático. A encíclica fala de biodiversidade, poluição das águas, desertificação... É um verdadeiro desafio, porque diz: devemos agir logo, as Cassandras já não devem ser ignoradas.
Mas é estranho que, sobre algumas questões, ele vai ao específico.
Sim, o papa chega a pronunciar recomendações muito detalhadas. Embora seja preciso estar consciente de que o papa sabe que não tem todas as respostas sobre certas questões. Por exemplo: ele critica o sistema dos créditos de emissão de dióxido de carbono, porque é fonte de especulação. Eu concordo com o que ele diz, mas tenho bastante certeza de que se houvesse alguém que argumentasse de modo razoável sobre uma utilização inteligente desse sistema de créditos, Francisco mudaria de ideia. Ele coloca sobre a mesa algumas questões para que se ponha em movimento um debate entre os especialistas para buscar soluções melhores.
Francisco também oferece uma abordagem teológica. Qual é o coração do seu ensinamento?
O ponto de partida é o Gênesis: Deus criou o universo e a Terra. Eles são um dom de Deus ao homem. Um dom que é feito a todos nós e que é compartilhado por todos. Temos a responsabilidade de cuidar dele. O homem não tem o domínio absoluto sobre a Terra e não pode fazer tudo o que quiser com ela: nós somos chamados a ser guardiões, não dominadores. O segundo aspecto é mais sutil: a Terra é um dos modos com que Deus se revela a nós: o universo é revelador, fala-nos de Deus. A Igreja sempre disse que nós conhecemos a Deus através da revelação e da criação. A criação tem um valor intrínseco, independente do gênero humano. É como um ícone de Deus, e, quando o arruinamos, cometemos uma espécie de sacrilégio. A natureza faz parte do projeto de Deus. Se danificamos a criação, colocamo-nos contra o desígnio de Deus.
Francisco cita muitos documentos publicados por Conferências Episcopais de todo o mundo. Isso nunca tinha acontecido desse modo, não?
É um aspecto muito fascinante. No passado, os papas tendiam a citar quase sempre só a si mesmos ou os seus antecessores. Este papa parece levar muito a sério a ideia de colegialidade. Ele entende que pode aprender com os outros, com as assembleias de bispos que já refletiram sobre esses assuntos. Francisco não se apresenta como um answer man, "o homem das respostas". Como eu dizia, o seu convite é a um diálogo entre bispos, cientistas, políticos, ambientalistas. O pressuposto é de que as boas ideias podem vir também de fora de Roma.
Que consequências esse documento terá no debate sobre os problemas ambientais?
Vai ter um impacto muito importante. As pessoas não vão mudar de estilo de vida porque alguém lhes contou as desventuras dos ursos polares. Se há uma coisa que aprendemos da história é que a religião pode motivar as pessoas a fazer coisas extraordinárias. Para o movimento ambientalista tenha sucesso, é preciso que as pessoas se convençam a fazer grandes sacrifícios, não só em nível individual, mas também no nível das comunidades. Segundo o papa, são os paradigmas econômicos que devem mudar. O movimento ambientalista precisa de fiéis que atuem impulsionados pelo seu credo religioso. Homens convictos de que o mundo é um dom de Deus, que deve ser preservado para as gerações futuras. A encíclica é um convite também aos outros líderes religiosos. O Patriarca de Constantinopla, citado no texto, e o Dalai Lama já se expressaram sobre a crise ambiental. Nos Estados Unidos, houve 300 rabinos que assinaram um apelo sobre essas questões e que citam o documento papal.
No entanto, a Igreja e o movimento ambientalista nunca estiveram em boas condições. Sobre muitas questões, ainda há divergências.
Hoje, os ambientalistas dão pulos de alegria ao ler essa encíclica. Estão muito felizes pelo fato de o papa estar envolvido nas questões que eles trazem no coração. Sim, é verdade: no passado, os ambientalistas estiveram em conflito com a Igreja, porque se diziam convictos de que a causa da degradação ambiental era a superpopulação e defendiam políticas de controle de natalidade. Mas eu acho que, hoje, eles reconhecem que esse não era o verdadeiro problema e que acusar a superpopulação significa culpar os pobres que vivem no Sul do mundo por problemas que, na realidade, são produzidos pelo mundo desenvolvido. Eu acho que o nó sobre o controle de natalidade não será resolvido, mas o mundo ambientalista não poderá mais se dar ao luxo de mover batalhas contra a Igreja Católica. Agora, eles sabem que a Igreja pode ser uma aliada. Eles vão dizer: "Ok, divergimos sobre algumas questões, mas podemos trabalhar juntos para responder aos problemas do ambiente".
Alguns acusam o papa de ser "de esquerda"...
Há uma espécie de mito, especialmente nos EUA, segundo o qual os conservadores tendem a apoiar a Igreja Católica. Isso porque os conservadores são contra o aborto, contra o casamento gay e a favor da promoção da liberdade religiosa. Por outro lado, eles nunca assumiram a Doutrina Social da Igreja: os temas da justiça, a atenção aos pobres, os direitos dos trabalhadores, a paz. Sobre esses temas, os papas falaram com grande clareza, desde os tempos da Rerum novarum de Leão XIII. Mas os conservadores parecem surdos aqui. Por exemplo: Bento XVI, que é sumariamente rotulado como conservador, pediu claramente um papel maior dos governos na regulação da economia. Ele chegou a dizer que os governos devem se empenhar na redistribuição das riquezas. Nos EUA, nem o democrata mais à esquerda ousaria dizer uma coisa dessas.
E então?
Estou curioso para ver as reações ao discurso que o Papa Francisco fará em setembro no Congresso estadunidense. O que farão os republicanos quando Francisco disser que é preciso cuidar dos pobres, acolher os imigrantes e proteger o ambiente? E os democratas, quando ele disser que é preciso proteger a vida desde a sua concepção, que as crianças precisam de um pai e de uma mãe? A verdade é que o papa não se inclina politicamente, mas, com o seu ensinamento, desafia a todos.
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O papa ''cientista'' que desafia a todos. Entrevista com Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU