25 Junho 2015
Se na assembleia ordinária do Sínodo dos bispos sobre a família programada para outubro próximo houver alguma abertura, provavelmente ela dirá respeito apenas à situação dos divorciados em segunda união e, eventualmente, à sua admissão, a ser avaliada caso a caso, aos sacramentos.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada no sítio Adista, 23-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas, sobre todas as outras "questões sensíveis" (coabitação, uniões civis, casais homossexuais, contracepção), as possibilidades de qualquer atualização do magistério parecem bastante remotas, já que os sinais nessa direção não se encontram nem mesmo no Instrumentum laboris, apresentado na manhã dessa terça-feira no Vaticano pelo cardeal Lorenzo Baldisseri (secretário-geral do Sínodo), pelo cardeal Péter Erdö (arcebispo de Esztergom-Budapeste, relator-geral da assembleia ordinária do Sínodo) e por Dom Bruno Forte (arcebispo de Chieti-Vasto, secretário especial da assembleia ordinária do Sínodo).
Naturalmente, tudo permanece em aberto. O Instrumentum laboris é o "documento de trabalho", não a conclusão do Sínodo. No entanto, algumas questões já parecem estar, aparentemente, bem definidas, e, portanto, realisticamente, parece difícil que a discussão possa ser reaberta, embora o documento, em alguns pontos, mostra-se ambíguo, se não contraditório. Características esperadas, porque o Instrumentum laboris é o fruto e a síntese das respostas ao questionário preparatório por parte dos fiéis de todo o mundo (chegaram 99 respostas por parte dos Sínodos dos Igrejas orientais católicas, Conferências Episcopais, Dicastérios da Cúria Romana e congregações religiosas, mais 359 diretamente de paróquias, associações eclesiais, grupos espontâneos de fiéis e crentes individuais, especifica Baldisseri), que, evidentemente, não pensam do mesmo modo.
E também porque, como já havia surgido durante a assembleia extraordinária de outubro de 2014, são os próprios bispos que estão divididos.
A situação: o magistério de um lado, os fiéis, de outro
A primeira parte do Instrumentum laboris – que é composto pelo Relatório final do Sínodo de outubro de 2014 e por uma série de novos parágrafos elaborados e acrescentados depois do novo questionário – é a fotografia da situação existente, em que o magistério sobre a família e os comportamentos dos fiéis estão nitidamente distantes.
"Só uma minoria vive, defende e propõe o ensinamento da Igreja Católica sobre o matrimônio e a família, reconhecendo nele a bondade do projeto criador de Deus", lê-se no documento. "Os matrimônios, religiosos ou não, diminuem, e o número das separações e dos divórcios está em crescimento".
Assinala-se "o medo dos jovens a assumir compromissos definitivos, como o de constituir uma família. Mais em geral, constata-se a difusão de um individualismo extremo que coloca no centro a satisfação de desejos que não levam à plena realização da pessoa. O desenvolvimento da sociedade do consumo separou sexualidade e procriação. Essa também é uma das causas da crescente desnatalidade. Em alguns contextos, ela está conectada com a pobreza ou com a impossibilidade de cuidar da prole; em outros, à dificuldade de querer assumir responsabilidades e à percepção de que os filhos poderiam limitar a livre expansão de si".
As causas: contradições culturais e sociais
As causas dessa situação, segundo o documento, são de natureza tanto cultural ("contradições culturais") quanto social ("contradições sociais").
A família "continua sendo imaginada como o porto seguro dos afetos mais íntimos e gratificantes, mas as tensões induzidas por uma exasperada cultura individualista da posse e do gozo geram, em seu interior, dinâmicas de intolerância e de agressividade, às vezes ingovernáveis", lê-se no Instrumentum laboris.
Por exemplo, "uma certa visão do feminismo, que considera a maternidade como um pretexto para a exploração da mulher e um obstáculo para a sua plena realização"; "a crescente tendência a conceber a geração de um filho como um instrumento para a afirmação de si, a ser obtida com qualquer meio"; "as teorias segundo as quais a identidade pessoal e a intimidade afetiva devem se afirmar em uma dimensão radicalmente desvinculada da diversidade biológica entre masculino e feminino", ou aquela que a Igreja Católica chama de "teoria do gênero"; as tentativas de querer reconhecer a "um casal instituído independentemente da diferença sexual a mesma titularidade da relação matrimonial intrinsecamente ligada aos papéis paterno e materno, definidos a partir da biologia da geração", portanto, o reconhecimento dos casamentos gays.
Mas o que mina a família também são causas de natureza sociopolítica e socioeconômica: guerras, "zeramento dos recursos", "processos migratórios", "políticas econômicas irresponsáveis", políticas sociais pouco atentas à família ("crescentes ônus da manutenção dos filhos", "agravamento das tarefas subsidiárias do cuidado social dos doentes e dos idosos") e, obviamente, a crise econômica geral, isto é, "uma conjuntura econômica desfavorável, de natureza bastante ambígua, e o crescente fenômeno da acumulação de riqueza no mãos de poucos e do desvio de recursos que deveriam ser destinados ao projeto familiar", que gera, dentre outras coisas, "salários insuficientes, desemprego, insegurança econômica, falta de um trabalho digno e de segurança no posto de trabalho, tráfico de pessoas humanas e escravidão".
Família: frágil e forte
Apesar dessa situação de enorme "fragilidade", a família mantém intacta a sua "força": ela continua sendo "o pilar fundamental e irrenunciável do viver social" e o projeto de Deus para os seres humanos, já que "o homem e a mulher como casal são imagem de Deus".
Justamente por isso, continua o Instrumentum laboris, ela deve ser apoiada, também em relação àquelas situações particulares, das quais a família se encarrega: a presença de pessoas idosas e doentes (às vezes em fase terminal) e de pessoas com deficiência, a "viuvez".
Uma atenção particular é dedicada pelo documento ao "papel das mulheres", contradizendo parcialmente o ataque inicial ao "feminismo", identificado entre as causas da crise.
"Nos países ocidentais – afirma-se – a emancipação feminina requer um repensamento das tarefas dos cônjuges na sua reciprocidade e na comum responsabilidade para com a vida familiar. Nos países em vias de desenvolvimento, à exploração e à violência exercidas contra o corpo das mulheres e à fadiga imposta a elas também durante a gravidez, muitas vezes se acrescentam abortos e esterilizações forçadas, além das consequências extremamente negativas de práticas relacionadas com a procriação (por exemplo, aluguel do útero ou mercado de gâmetas embrionários). Nos países avançados, o desejo pelo filho 'a todo o custo' não levou a relações familiares mais felizes e sólidas, mas, em muitos casos, agravou de fato a desigualdade entre mulheres e homens. A esterilidade da mulher representa, segundo os preconceitos presentes em diferentes culturas, uma condição socialmente discriminante".
A Igreja poderia desempenhar uma função positiva, porque "pode contribuir para o reconhecimento do papel determinante das mulheres" com "uma maior valorização da sua responsabilidade na Igreja: a sua intervenção nos processos decisionais; a sua participação, não só formal, no governo de algumas instituições; o seu envolvimento na formação dos ministros ordenados".
Contudo, não se entende, nesse ponto, por que o caminho da Igreja nessa direção está bastante desacelerado, se não até parado.
Matrimônio natural, indissolúvel e procriativo
O anúncio e a pastoral da Igreja para a família, portanto, devem se mover ao longo dos trilhos tradicionais: matrimônio "natural" entre um homem e uma mulher, "indissolúvel" e "procriativo". Atualizando a linguagem, para que seja "capaz de alcançar a todos" (e o Instrumentum laboris insiste muito na formação dos padres, dos religiosos e das próprias famílias, que devem ser mais envolvidas e responsabilizadas nas tarefas pastorais, até mesmo para combater aqueles "projetos formativos impostos pela autoridade pública, que apresentam conteúdos em contraste com a visão propriamente humana e cristã", em relação aos quais deve ser "afirmado decididamente o direito à objeção de consciência por parte dos educadores"). E, partindo "das situações concretas das famílias de hoje", para que seja um anúncio "que dê esperança e que não pressione".
Uma única família
A impressão que se obtém do Instrumentum laboris, porém, é de que a "pluralidade das situações concretas" que "os agentes de pastoral deverão levar em conta" devem ser remetidas à unidade já codificada pelo magistério.
Coabitação e casamentos civis, especialmente se não motivados por "preconceitos ou resistências contra a união sacramental", devem ser orientados ao matrimônio religioso ("inserir um caminho de crescimento aberto à possibilidade do matrimônio sacramental", "através da dinâmica pastoral das relações pessoais, é possível dar concretude a uma sadia pedagogia, que, animada pela graça e de modo respeitoso, favoreça a abertura gradual das mentes e dos corações à plenitude do plano de Deus").
Os casais homossexuais, como, aliás, já aconteceu no Relatório final da assembleia sinodal de outubro de 2014 (bastante atrasada em relação à Relatio post disceptationem da metade da assembleia), simplesmente não existem: "Reitera-se – afirma-se – que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com sensibilidade e delicadeza, seja na Igreja, seja na sociedade. Seria desejável que os projetos pastorais diocesanos reservassem uma atenção específica ao acompanhamento das famílias em que vivem pessoas com tendência homossexual e dessas mesmas pessoas".
Nenhuma menção aos casais homossexuais: eles existem na sociedade, não para a Igreja. Obviamente, a adoção e A educação de um filho "deve se basear na diferença sexual, assim como a procriação". Nada de adoção para os casais gays, portanto, nem mesmo para os solteiros.
E, obviamente, é reiterada a condenação do aborto (ou, melhor, defende-se com força a objeção de consciência) e da eutanásia. "A Igreja, acima de tudo, afirma o caráter sagrado e inviolável da vida humana e se empenha concretamente em favor dela. Graças às suas instituições, oferece consultoria às gestantes, apoia as mães solteiras, assiste as crianças abandonadas, está perto daquelas que sofreram o aborto. Àqueles que atuam nas estruturas de saúde, recorda-se a obrigação moral da objeção de consciência. Do mesmo modo, a Igreja não só sente a urgência de afirmar o direito à morte natural, evitando a obstinação terapêutica e a eutanásia, mas também cuida dos idosos, protege as pessoas com deficiência, assiste os doentes terminais, conforta os moribundos."
Ambiguidades e frestas: contracepção e divorciados em segunda união
Embora seja reafirmada "a riqueza de sabedoria contida na Humanae vitae" (a encíclica de Paulo VI que condenava a contracepção artificial), sobre o tema da contracepção, o Instrumentum laboris escolhe uma formulação bastante ambígua, mas que não encerra definitivamente o discurso, indicando "dois polos a serem conjugados constantemente. Por um lado, o papel da consciência entendida como voz de Deus que ressoa no coração humano educado a ouvi-la; por outro, a indicação moral objetiva, que impede que se considere a generatividade como uma realidade a ser decidida arbitrariamente, independentemente do desígnio divino sobre a procriação humana. Quando prevalece a referência ao polo subjetivo, corre-se o facilmente risco de escolhas egoístas; no outro caso, a norma moral é percebida como um peso insuportável, que não responde às exigências e às possibilidades da pessoa. A conjugação dos dois aspectos, vivida com o acompanhamento de um guia espiritual competente, poderá ajudar os cônjuges a fazer escolhas plenamente humanizantes e em conformidade com a vontade do Senhor".
Assim como sobre a situação dos divorciados em segunda união, o documento deixa em aberto uma série de caminhos, alguns em contradição entre si, todos, no entanto, com uma taxa de ambiguidade que, talvez, só será dissolvida na assembleia de outubro próximo.
"Requer-se de muitas partes que a atenção e o acompanhamento em relação aos divorciados recasados civilmente sejam orientados a uma integração cada vez maior deles na vida da comunidade cristã, levando em conta a diversidade das situações de partida", lê-se no Instrumentum laboris.
"Devem ser repensadas as formas de exclusão atualmente praticadas no campo litúrgico-pastoral" – portanto, dentre outras coisas, a exclusão dos sacramentos – e "propõe-se que se reflita sobre a oportunidade de derrubar essas exclusões", tendo sempre em mente o princípio da "gradualidade".
A via mestra continha sendo a da "racionalização dos procedimentos" para "o reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial". Mas também há outros caminhos. "Há um acordo comum – afirma-se – sobre a hipótese de um itinerário de reconciliação ou via penitencial, sob a autoridade do bispo, para os fiéis divorciados recasados civilmente, que se encontram em situação de coabitação irreversível [...] Sugere-se um percurso de tomada de consciência do fracasso e das feridas por ele produzidas, com arrependimento, verificação da eventual nulidade do matrimônio, empenho na comunhão espiritual e decisão de viver em continência. Outros, por via penitencial, entendem um processo de esclarecimento e de nova reorientação, depois do fracasso vivido, acompanhado por um presbítero nomeado para isso. Esse processo deveria conduzir o interessado a um julgamento honesto sobre a própria condição, em que o presbítero também possa amadurecer a sua avaliação, para poder fazer uso do poder de ligar e de desligar de modo adequado à situação."
As práxis das Igrejas Ortodoxas – abençoar uma segunda união depois de um período de penitência – é referida, mas sem se expressar qualquer juízo.
"A plena integração dos divorciados em segunda união é a meta", disse Dom Bruno Forte durante a coletiva de imprensa. "Em algumas situações, se poderá chegar à comunhão? Sobre isso, o Sínodo deverá responder."
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Instrumentum laboris do Sínodo: muitas confirmações, algumas aberturas, tanta incerteza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU