Por: André | 16 Junho 2015
Ele presidiu durante cinco anos o Pontifício Conselho para a Família. A comunhão aos divorciados recasados, chama a atenção, marcaria não apenas o envilecimento da eucaristia, mas também o fim do sacramento do matrimônio.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa, 12-06-2015. A tradução é de André Langer.
O cardeal Ennio Antonelli, de 78 anos, é uma autoridade no assunto. Foi presidente durante cinco anos do Pontifício Conselho para a Família e organizou os dois encontros mundiais que precederam o próximo da Filadélfia: na Cidade do México, em 2009, e em Milão, em 2012.
Acumulou também uma notável experiência pastoral. Foi arcebispo, primeiro de Perugia e depois de Florença, além de secretário durante seis anos da Conferência Episcopal da Itália. Pertence ao movimento dos Focolares.
Não participou da primeira sessão do Sínodo sobre a Família de outubro passado, mas é muito ativo no debate em andamento, como demonstra o livro que publicou nestes dias.
É um livro especial: ágil, de poucas páginas, lê-se num sopro. O prólogo é de outro cardeal especialista na matéria, Elio Sgreccia, que foi presidente da Pontifícia Academia para a Vida.
O sítio do Pontifício Conselho para a Família publicou-o na íntegra em três idiomas, entre eles o espanhol.
Na sequência, oferecemos algumas passagens do livro.
Nelas, o cardeal Antonelli volta a propor, com amável firmeza e realismo prático, a doutrina e a pastoral vigentes em matéria de matrimônio.
E evidencia as insuportáveis consequências a que se chegaria com as mudanças atualmente propostas em diferentes níveis da Igreja.
Extratos de: 'Crise do matrimônio e eucaristia', de Ennio Antonelli
Também aos homossexuais conviventes, por que não?
Além dos divorciados recasados, a posição pastoral vigente até agora dá indicações análogas sobre os conviventes que não têm nenhum vínculo institucional e os católicos casados apenas no civil.
O tratamento que lhes é reservado é praticamente o mesmo: não admissão aos sacramentos da penitência e da eucaristia, acolhimento na vida eclesial, proximidade respeitosa e personalizada para conhecer concretamente a cada pessoa, orientá-la e acompanhá-la para uma eventual regularização da sua situação.
Pois bem, alguns propõem a hipótese de admitir à eucaristia apenas os divorciados recasados, excluindo os conviventes, os casais de fato e os casais homossexuais.
Pessoalmente, considero que esta última limitação é pouco realista, porque as pessoas que convivem são muito mais numerosas que os divorciados recasados. Pela pressão social e a lógica interna das coisas acabarão prevalecendo, sem dúvida alguma, as opiniões orientadas para uma permissividade mais ampla.
A eucaristia reduzida a um gesto de cortesia
É verdade que a eucaristia é necessária para a salvação, mas isto não significa que de fato se salvem apenas aqueles que recebem este sacramento. Um cristão não católico ou inclusive um crente de outra religião não batizado poderia estar espiritualmente mais unido a Deus do que um católico praticante e, no entanto, não pode ser admitido à comunhão eucarística porque não está em plena comunhão visível com a Igreja.
A eucaristia é vértice e fonte da comunhão espiritual e visível. Também a visibilidade é essencial, pois a Igreja é o sacramento geral da salvação e sinal público de Cristo Salvador no mundo. No entanto, infelizmente, os divorciados recasados e os conviventes irregulares encontram-se numa situação, objetiva e pública, de grave oposição ao Evangelho e à doutrina da Igreja.
No atual contexto cultural de relativismo corre-se o risco de banalizar a eucaristia e de reduzi-la a um rito de socialização. Já aconteceu que pessoas que nem sequer são batizadas se aproximaram do altar, pensando que faziam um gesto de cortesia, ou que pessoas não crentes tenham reclamado o direito de comungar por ocasião de bodas e funerais, simplesmente como sinal de solidariedade com seus amigos.
Pior que nas Igrejas do Oriente
Algumas pessoas gostariam de conceder a eucaristia aos divorciados recasados afirmando a indissolubilidade do primeiro matrimônio e sem reconhecer a segunda união como um verdadeiro e próprio matrimônio, de maneira a evitar a bigamia.
Esta postura é diferente daquela das Igrejas Orientais que concedem aos divorciados casados novamente pelo civil um segundo (e terceiro) casamento canônico, embora com uma conotação em sentido penitencial. Ela aparece, sob certos aspectos, mais perigosa, pois conduz, logicamente, à admissão do lícito exercício da sexualidade genital fora do casamento, também porque os conviventes são mais numerosos que os divorciados recasados.
Os mais pessimistas já preveem que se acabará considerando eticamente lícitas as convivências pré-matrimoniais, as convivências de fato e não registradas, as relações sexuais ocasionais e talvez as convivências homossexuais e inclusive amores múltiplos e famílias múltiplas.
Entre o bem e o mal não há gradualidade
Sem dúvida, é desejável que na pastoral se assuma uma atitude construtiva, procurando “identificar os elementos positivos presentes nos casamentos civis e, salvadas as devidas diferenças, nas convivências” (Relatio Synodi, n. 41).
Certamente, também as uniões ilegítimas contêm autênticos valores humanos (por exemplo, o afeto, a ajuda recíproca, o compromisso compartilhado para com os filhos), porque o mal sempre está misturado com o bem e não existe nunca em estado puro. No entanto, é necessário evitar apresentar estas uniões como valores imperfeitos em si mesmos, quando se trata de graves desordens.
A lei da gradualidade concerne apenas a responsabilidade subjetiva das pessoas e não deve transformar-se em gradualidade da lei, apresentando o mal como bem imperfeito. Entre verdadeiro e falso, entre bem e mal não há gradualidade. A Igreja, embora se abstenha de julgar as consciências – que só Deus vê –, e acompanha com respeito e paciência os passos rumo ao bem possível, não deve deixar de ensinar a verdade objetiva do bem e do mal.
A lei da gradualidade serve para discernir as consciências, não para classificar como mais ou menos boas as ações que deverão ser realizadas e menos ainda para elevar o mal à dignidade de bem imperfeito.
No que diz respeito aos divorciados recasados e aos conviventes, longe de favorecer as propostas inovadoras, esta lei serve, em definitiva, para confirmar a prática pastoral tradicional.
Nada de perdão sem conversão
A admissão dos divorciados recasados e dos conviventes à eucaristia comporta uma separação entre misericórdia e conversão que não parece em sintonia com o Evangelho.
Este seria o único caso de perdão sem conversão. Deus sempre dá o perdão; mas o recebe apenas quem é humilde, quem se reconhece pecador e se compromete a mudar de vida.
Ao contrário, o clima de relativismo e subjetivismo ético-religioso que hoje se respira favorece a autojustificação, particularmente no âmbito afetivo e sexual. Tende-se a diminuir a própria responsabilidade, atribuindo os eventuais fracassos aos condicionamentos sociais. É fácil, além disso, atribuir a culpa pelo fracasso ao outro cônjuge e proclamar a própria inocência.
No entanto, não se deve dissimular o fato de que, se a culpa pelo fracasso pode ser alguma vez de um só dos cônjuges, ao menos a responsabilidade pela nova união (ilegítima) é de ambas as pessoas que convivem e é principalmente esta união que, enquanto ela perdurar, impede o acesso à eucaristia.
Não tem base teológica a tendência a considerar positivamente a segunda união e a circunscrever o pecado apenas à separação precedente. Não basta fazer penitência apenas por esta separação. É necessário mudar de vida.
Adeus indissolubilidade
Normalmente, os defensores da comunhão eucarística dos divorciados recasados e dos conviventes afirmam que a indissolubilidade do matrimônio não é colocada em discussão.
Mas, além das suas intenções, dada a incoerência doutrinal entre a admissão destas pessoas à eucaristia e a indissolubilidade do matrimônio, se acabará negando na prática concreta o que se seguirá afirmando teoricamente como um princípio, correndo o risco de reduzir o matrimônio indissolúvel a um ideal, talvez belo, mas que apenas alguns poucos felizardos podem realizar.
A este respeito é instrutiva a prática pastoral que se desenvolveu nas Igrejas orientais ortodoxas.
Em sua doutrina, estas Igrejas afirmam a indissolubilidade do matrimônio cristão. No entanto, em sua prática multiplicaram-se progressivamente os motivos de dissolução do precedente matrimônio e de permissão para um segundo (ou terceiro) matrimônio. Além disso, são muitíssimos os solicitantes. Agora, qualquer um que apresente um documento de divórcio civil obtém também por parte da autoridade eclesiástica a autorização para um novo matrimônio, sem nem sequer ter que passar por uma investigação e avaliação canônica de sua causa.
É previsível que também a comunhão eucarística dos divorciados recasados e dos conviventes se converta rapidamente em um fato generalizado. Então, já não terá muito sentido falar de indissolubilidade do matrimônio e perderá relevância prática a própria celebração do sacramento do matrimônio.
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Sínodo. O duplo grito de alarme do cardeal Antonelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU