15 Junho 2015
"A gravidade do gesto do ministro Jacques Wagner, que vem ignorando acintosamente as recomendações da CNV, pode ser medida não apenas pela trajetória do general Leônidas, mas por suas inúmeras e reiteradas declarações depreciativas dos militantes políticos que combateram a Ditadura Militar", escreve Pedro Estevam da Rocha Pomar, jornalista, membro do Comitê Paulista por Memória, Verdade e Justiça (CPMVJ) em artigo publicado por Página 13, 06-06-2015.
Eis o artigo.
O ministro Jacques Wagner e o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, fazem troça da Comissão e, ainda, da memória das vítimas de Leônidas.
O ministro da Defesa, Jacques Wagner, zombou da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ao autorizar, ou permitir, honras militares e mandar um general como seu representante no funeral do general Leônidas Pires Gonçalves, cujo corpo foi velado na manhã deste 6 de maio.
O nome de Leônidas consta do Relatório Final da CNV, identificado que foi como torturador. A CNV tinha razões de sobra para fazê-lo.
Quando general de brigada, Leônidas chefiou o Estado-Maior do I Exército e, por consequência, o Comando de Operações de Defesa Interna (CODI) do I Exército, no Rio de Janeiro, entre março de 1974 e novembro de 1976. Nesse período, dezenas de presos políticos capturados pela repressão foram torturados nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI-CODI), subordinado a Leônidas, no quartel da Rua Barão de Mesquita (no Rio de Janeiro), ou levados para a “Casa da Morte” (em Petrópolis).
Destaque-se: nesse período, Thomaz Antonio da Silva Meirelles Netto, Davi Capistrano, José Roman, Wilson Silva e Ana Rosa Kucinski, opositores da Ditadura Militar, foram assassinados na “Casa da Morte” e tiveram seus corpos esquartejados, como revelado inicialmente pelo ex-sargento Marival Chaves do Canto (e depois confirmado à CNV pelo coronel Paulo Malhães), ou incinerados, como declara o ex-delegado de polícia Cláudio Guerra.
Registre-se: “O militante comunista Armando Teixeira Fructuoso foi executado pelo DOI-CODI do I Exército, no próprio centro de torturas da Barão de Mesquita, em setembro ou outubro de 1975, conforme detalhado depoimento do seu companheiro Gildásio Westin Consenza, preso no mesmo local e testemunha da morte. Como chefe dos torturadores, o general Leônidas têm de responder por esta morte e por todas as outras ocorridas no período em que comandou o CODI do I Exército” (http://goo.gl/aP4VKU).
Leônidas não era nenhum ingênuo, muito pelo contrário. Envolveu-se nas tarefas da repressão política e exerceu com gosto seu protagonismo criminoso, como revelam suas declarações posteriores. Teve participação destacada no desmantelamento do PCdoB no Rio de Janeiro e no suborno a um dirigente comunista preso pelo I Exército, para que colaborasse com a localização do Comitê Central desse partido. “Eu era o chefe do DOI”, declarou à repórter Ana Maria Mandim, do jornal Folha de S. Paulo, em 1996.
Em 1985, Leônidas tornou-se ministro do Exército de José Sarney, de cuja posse foi um dos autores e fiador, embora o vice de Tancredo Neves fosse tão biônico quanto seu companheiro de chapa, uma vez que ambos foram eleitos pelo voto indireto. Na condição de ministro, tornou-se um dos principais responsáveis pelo massacre de Volta Redonda (1988), quando tropas do Exército assassinaram a golpes de baioneta três operários da Companhia Siderúrgica Nacional, então em greve, em episódio que comoveu o país. Também exerceu pressão sobre os deputados constituintes, com sucesso, para que a Constituição Federal mantivesse o arcabouço legal da repressão policial e política herdado da Ditadura Militar.
A gravidade do gesto do ministro Jacques Wagner, que vem ignorando acintosamente as recomendações da CNV, pode ser medida não apenas pela trajetória do general Leônidas, mas por suas inúmeras e reiteradas declarações depreciativas dos militantes políticos que combateram a Ditadura Militar. Vale relembrar duas delas, que fez aos pesquisadores do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas: “Nunca vi tendência maior para a delação do que em um comunista. Comunista é um delator nato! Fala tudo! Depois, para se justificar, diz que foi torturado”. “Porque, não tenham a menor dúvida, os subversivos, com raríssimas exceções, eram desequilibrados. Eram psicologicamente desequilibrados, por questões familiares, por questões fisiológicas. E as mulheres são de uma violência incrível” (Anos de Chumbo, 1994).
Graças à cobertura institucional promovida pelo ministro da Defesa, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, sentiu-se à vontade, ao discursar no velório de Leônidas, para atacar indiretamente as conclusões da CNV: “Os soldados do seu Exército não consentirão que a retidão de seu caráter e a transcendência de sua alma sejam maculados por versões históricas capciosas” (Agência Estado, 6/6/15).
“Versões históricas capciosas”? A verdade é que os generais de hoje pensam como os generais de ontem. Se depender da mentalidade retrógrada deste generalato, o país continuará sob tutela militar, a Ditadura jamais será condenada pelos crimes cometidos, o Terrorismo de Estado promovido pelas Forças Armadas entre 1964 e 1985 será eternamente justificado.
A presidenta Dilma Rousseff foi a primeira a desmerecer o Relatório Final da CNV, ao declarar, na solenidade em que recebeu o documento, sua disposição de manter intocada a Lei da Anistia de 1979, que protege os torturadores que agiram a serviço da Ditadura Militar. Ora, a CNV recomendou a anulação da Lei da Anistia. E agora são o ministro Jacques Wagner e o comandante do Exército que fazem troça da Comissão e, ainda, da memória das vítimas de Leônidas.
Vergonha, imensa vergonha.
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Ministro da Defesa zomba da Comissão Nacional da Verdade ao prestar honras militares ao general torturador Leônidas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU