Por: Jonas | 11 Junho 2015
Às 17h45 da tarde de terça-feira, dia 9 de junho, o Parlamento Europeu decidiu prorrogar a votação sobre o relatório do TTIP [Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento], que aconteceria no dia 10 de junho. A explicação dada pelo presidente da câmara, Martín Schulz, considerou as divisões entre as duas forças majoritárias no Parlamento: os socialistas e os populares europeus. Fontes de Bruxelas afirmaram ao jornal Diagonal que a paralisação na votação teria sido motivada pelo medo de que o “não” vencesse. Segundo destacam, além de ‘Os Verdes’ e ‘A Esquerda Europeia’, parte dos membros do grupo socialista estava calculando votar contra o tratado.
Fonte: https://goo.gl/aRhUfP |
O que estava em discussão era um relatório de cem páginas sobre o TTIP que deve marcar o roteiro da comissária do Comércio, Cecília Malmström, na negociação do Tratado com os Estados Unidos. Algumas horas antes que o Parlamento adiasse a votação, Lola Sánchez (na foto, ao centro), eurodeputada do Podemos e do grupo da esquerda europeia GUE/NGL, atendeu a ligação do jornal Diagonal para explicar o que iria ser discutido em Estrasburgo e que consequências o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento teria para as sociedades europeias.
A entrevista é de Pablo Elorduy, publicada pelo jornal Diagonal, 09-06-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Amanhã, o que será discutido no Parlamento?
Amanhã, votaremos um relatório do Parlamento Europeu que expressará nossa postura sobre o TTIP. Não sabemos o que acontecerá, está tudo no ar. Isto demonstra a pouca confluência que existe a respeito do TTIP e como as posturas estão disputadas. Muitas coisas podem acontecer, e pode acontecer o caso do relatório não ser aprovado por razões que são diferentes em cada grupo parlamentar. Por razões altamente conflitantes.
Para você, quais são as razões pelas quais não deve ir adiante?
Uma das partes mais polêmicas do TTIP é a cláusula ISDS, que é a cláusula para resolver problemas entre corporações e Estados. De modo que quando uma corporação financeira considerar que uma lei nacional, regional ou local impeça a obtenção dos benefícios que espera, poderá demandar esse Estado e então será criada uma corte privada formada por três árbitros que irão decidir se o Estado tem que indenizar com dinheiro público essa empresa privada. Este assunto é muito discutível e é aqui onde está a raiz do problema do TTIP.
No dia 24 de maio, os socialistas surpreenderam a opinião pública quando aceitaram a cláusula que reintroduz o ISDS no relatório do Parlamento. Esclareceram sua postura e a manterão na votação de amanhã?
Desde aquela votação, desatou-se uma batalha dialética. Tentaram explicar a razão dessa mudança repentina de postura, sendo que haviam marcado o ISDS como linha vermelha, que nunca iriam ultrapassar e que nunca iriam aprovar. Todos nós tivemos uma surpresa. Contudo, agora, eles próprios apresentaram emendas que rebatem totalmente a inclusão do ISDS dentro do TTIP. Estas emendas serão votadas amanhã. É de esperar que o grupo socialista volte a mudar sua opinião em um giro de 180 graus e excluam o ISDS do TTIP. Se isto acontecer, se finalmente não houver ISDS, o grupo popular afirma que votaria contra o relatório em sua totalidade. De modo que, caso chegue a este ponto, o grupo popular votaria contra, a esquerda europeia votaria contra, os verdes e outros partidos votariam contra, sendo assim, podemos chegar à situação de que o relatório não siga adiante.
Então, no Parlamento Europeu ficaria claro que não há uma opinião comum. Não é um cenário ruim porque representa a realidade. É que o TTIP é tão controvertido que não podemos concordar, porque as posturas são totalmente opostas.
Quais outros caminhos existem para barrar o TTIP?
Há muitas maneiras de barrá-lo. A votação de amanhã é chave para demonstrar como o tratado é controverso. É uma mensagem que lançamos não só à Comissão Europeia, mas também para toda a sociedade civil. A mobilização da sociedade civil é tremendamente importante. Além disso, já deu resultados: a mobilização social enfraqueceu muito as negociações, por exemplo, durante muitos meses, o ISDS foi excluído da mesa de negociações porque a comissão recebeu uma resposta categórica com aquela consulta pública em que 97% dos consultados se opuseram categoricamente ao ISDS. Vemos que está funcionando: é preciso continuar e aumentar a mobilização e o conhecimento por parte das pessoas. Também é muito importante que os meios de comunicação agora estejam falando sobre isto, para que as pessoas saibam o que está sendo tramado.
Partidos como o Syriza são a esperança para detê-lo, caso a Comissão não ceda no empenho de levá-lo adiante?
Sim, também temos o Conselho Europeu. É muito importante a posição que tanto o governo do Syriza como o Governo da Espanha irão tomar – que esperamos que mude de cor – e de outros Estados europeus que terão eleições gerais em fins deste ano e inícios do próximo.
Há muitos pequenos passos pelos quais poderemos ir freando-o. Esperamos que, por fim, se convençam porque este é um tratado que pouquíssimas pessoas desejam. O que acontece é que as pessoas que o desejam são muito poderosas, são as grandes companhias, os fundos de investimento, os bancos, etc. No entanto, são apenas eles, os cidadãos não querem, muitíssimos partidos não querem e estou convencida de que muitos partidos que defendem o TTIP, se verdadeiramente perguntarem aos seus eleitores, verão que seus eleitores o rejeitam.
Dizia Susan George que caso se aprove o tratado, qualquer Governo de mudança ficaria muito limitado. Como está repassando para companheiros seus, que estão entrando em governos locais e regionais, as limitações à soberania trazidas pelo TTIP?
Não só às pessoas de dentro do Podemos, que são mais conscientes, mas também para alguém que não esteja muito por dentro politicamente ou que não está dentro de um partido ou de um movimento social e que acompanha pelos meios de comunicação de massas ou apenas pela TV. Estas são as pessoas que não possuem informação. O que é preciso explicar é que não apenas terá influência sobre os Governos nacionais, mas que influenciará até o menor município da região mais perdida da Espanha e de Portugal ou de qualquer lugar. Isto atingirá todos os níveis de Governo, atará as nossas mãos em relação à soberania legislativa. Mudará a forma como legislamos, desenvolvemos leis para nos proteger e para ampliar direitos e liberdades.
É necessário pará-lo antes que continue avançando e, é claro, nunca permitir que isto seja aprovado, porque isto é um golpe de Estado. É a Constituição das multinacionais.
Também é necessário explicar que aquilo que estão fazendo é um processo desconstituinte. Nem a Comissão Europeia, nem sequer o Parlamento Europeu – eleito democraticamente – possuem, nesse momento, um mandato dado pelos cidadãos que nos permita desconstruir toda a base legal e o aparato jurídico e legislativo que temos. Por isso, exigimos que seja feito um referendo em todos os Estados.
Este referendo está sobre a mesa?
Não, esta é a linha vermelha da grande coalizão europeia: do grupo socialista, do grupo popular e dos liberais. É uma linha que não atravessam. Significa muito que o grupo socialista introduza uma emenda que será votada amanhã para que o tratado seja misto, isto significa que terá que ser aprovado por cada um dos Estados membros. Coisa que até agora estava em suspense, algo que é bastante indignante.
Nesse caso, caberia a cada Governo a decisão de convocar um referendo?
Sim, mas caso ficasse reconhecido que este é um processo desconstituinte não teriam mais remédio a não ser submetê-lo ao referendo, assim como a falida Constituição Europeia, que teve que ser votada por referendo, obrigatoriamente, porque se reconhecia que era uma Constituição. Isto, eles não reconhecem como uma Constituição, mas para todos os efeitos é.
Como afetam outros tratados como o TISA [Tratado sobre o Comércio de Serviços]? Que tipo de relações globais configura este impulso dos tratados que a União Europeia está levando adiante?
O que vemos é que é um ataque das políticas neoliberais que vem de muitas frentes. Não é apenas o TTIP, existe o CETA [Acordo Integral de Economia e Comércio], um acordo muito parecido com o Canadá, que ainda não foi aprovado, mas que já foi redigido. Existe o TISA, que conhecemos há muito tempo, mas que é um tratado que segue mais devagar, porque são 50 países os que estão negociando em uma mesma mesa, e essas negociações vão levar muito mais tempo.
O que vemos é que se trata da mesma política. É uma estratégia de acabar com os foros multilaterais. O que querem é impor, antes que cheguem outros ou antes de se sentarem em uma mesa com todos os países do mundo, um modelo econômico e de comércio que atinge todos os aspectos de nossa vida diária. É uma imposição de forma unilateral de um modelo para o restante do mundo, que não foi debatido em nível mundial... existindo foros para isso.
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“O TTIP é a Constituição das multinacionais”, afirma eurodeputada do Podemos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU