09 Junho 2015
Na reunião mensal do "Cenáculo", dia 28 de maio, debateu-se sobre Irlanda, Sínodo, casais homossexuais e aborto. Também a expressão do Cardeal Secretário de Estado, Parolin, comentando o "sim" de Dublin: "derrota para a humanidade". Para o cardeal Coccopalmerio, a afirmação de Parolin é compartilhável. O cardeal Kasper, por sua vez, advertiu sobre os efeitos devastadores do desejo de um filho que a natureza não pode dar: quebra-se a cadeia da geração, a adoção trás problemas enormes, assim como a inseminação artificial e a barriga de aluguel, expressões de uma sociedade em que o homem é somente um produto interessante, econômica e tecnologicamente.
A reportagem é de Giuseppe Rusconi, publicada pelo sítio Rossoporpora, 29-05-2015. A tradução é de Ramiro Mincato.
O Encontro foi preanunciado como um "debate sobre o resultado do referendo na Irlanda e seus reverbérios no processo sinodal em andamento”, à luz das palavras de Francisco reiteradas no Regina Coeli, domingo 24 de maio: A Mãe Igreja não fecha as portas na cara de ninguém. Ninguém, nem mesmo do mais pecador. Escancara-as a todos porque é mãe. Dava impressão de que o encontro mensal ‘dos amigos do papa Francisco’, no Cenáculo, seria exaltado e entusiasta pelo resultado de Dublin, com forte esperança ‘revolucionária’ para o Sínodo de outubro próximo. Em vez disso, graças em parte aos fidelíssimos Cardeais “Kasper e Coccopalmerio”, na reunião de quinta-feira, 28 de maio, no Centro Rússia Ecumênica de Borgo Pio, houve interessantes trocas de opiniões (muito vibrantes, também sobre questões como o aborto) entre os presentes. O grande protagonista foi o cardeal alemão, mas também o coirmão valtellino abruzzese, mesmo tendo falado pouco, deixou sua marca. Como veremos a seguir.
Raffaele Luise: Não é mais o tempo de conceber o homossexual como ontologicamente desordenado.
Vamos em ordem. A introdução do coordenador Raffaele Luise apresentou, como sempre, dicas verazes. Para o jornalista, após o resultado da consulta irlandesa, "o confronto dentro do Sínodo será ainda mais duro, dado que os ‘rigoristas’ o usarão, provavelmente, para tentar bloquear toda e qualquer abertura”. O voto "foi legítimo, e devemos também reonhecer que, muitos de nós, católicos, somos favoráveis ao ‘sim’ para o reconhecimento do 'casamento gay'”, observou Luise, que, a propósito da avaliação do Cardeal Secretário de Estado Parolin (“derrota para a humanidade”), disse: “Eu a teria evitado”. “É preciso mudar, desarmar a linguagem”, disse, ao enfrentarmos temas antropológicos: "Não é mais tempo para conceber o homossexual como ontologicamente desordenado". Sempre a respeito de Parolin, a jornalista Vania De Luca parecia arrependida de ter-lhe feito a pergunta sobre a Irlanda... "Ai de mim, fui eu quem a fez!".
"Uma derrota para a humanidade": avaliação de parolin compartilhada por Coccopamerio e Raniero La Valle.
O intelectual católico de esquerda, Raniero La Valle, observou que "a frase de Parolin é perfeitamente defensável e aceitável sob o aspecto antropológico", porque "quem diz que não há mais distinção entre homem e mulher fere a imagem de Deus no homem".
Interveio, então, o cardeal Francesco Coccopalmerio, observando que "não devemos confundir homossexualidade com o ‘casamento homossexual’, e que não concorda em equiparar as uniões homossexuais a formas matrimoniais". Compartilhando a expressão usada pelo Cardeal Secretário de Estado, o presidente do Conselho para os Textos Legislativos observou que "se todos os casamentos fossem homossexuais, a humanidade não poderia ir adiante”.
Kasper: respeitar, mas não cair na armadilha do relativismo - enormes problemas criados pelo desejo de um filho que natureza não permite ter.
A palavra passou para o cardeal Walter Kasper, que insistiu em duas "necessidades" para os católicos empenhados no desafio antropológico. A primeira: "Manter firme nossa concepção de casamento". A segunda: “pergunte-se como podemos ‘conciliar’ a postura católica sobre o matrimônio ‘com o respeito às pessoas que têm inclinações pessoais diferentes’, o que ‘não é fácil’. É preciso ser ‘respeitoso’ e também ‘misericordioso’, mas sem cair na armadilha do relativismo, em que tudo é a mesma coisa: há uma tendência a equiparar tudo, que não podemos aceitar”. Para Kasper, o desafio para a Igreja na educação dos jovens é dificílima por causa dos problemas que as uniões homossexuais comportam: "Não apenas a adoção, mas também a inseminação artificial e uma coisa desumana como o útero de aluguel". O purpurado alertou sobe a promoção somente "dos direitos dos homossexuais; há também os direitos das crianças que ninguém defende". Uma criança, continuou o cardeal, "tem o direito de saber quem é seu pai e sua mãe"; em todos os casos, "os problemas legais e psicológicos são enormes". E na "cadeia geracional produz-se uma ruptura que torna o homem um produto econômico e técnico em benefício dos grandes interesses financeiros em jogo".
Para Kasper - algumas das asserções na ocasião poderiam ter sido, para alguns, demasiado surpreendentes - "não podemos fazer uma guerra ideológica, quando sabemos que não podemos vencer. Os outros têm a disposição recursos financeiros gigantescos, e também os meios de comunicação". Devemos, portanto, "desarmar nossa linguagem", procurando entrar em contato com o mundo secularizado.
Kasper: Não há dúvida de que o aborto é assassinato, mas a mulher não deve ser criminalizada.
O teólogo Marco Vergottini revelou que "as expectativas para o Sínodo são grandes e que, por isso, dever-se-á poder levar para casa algo de concreto". Não vai ser fácil, uma vez que existem "setores tradicionalistas, de boa fé, procurando evitar qualquer mudança". Para ele é preciso "repensar o discurso da Humanae Vitae, de Paulo VI, abrir a admissão dos divorciados recasados à Eucaristia, ‘reconhecer os casais homossexuais’, observando que ‘numa sociedade democrática, as uniões civis são um direito". Vergottini destacou que "também o aborto é uma derrota para a humanidade". Embora isto não signifique que "precisemos ‘atirar nas pernas’ dos médicos abortistas." Nisso o Cardeal Kasper concordou, "não há dúvida de que o aborto seja um assassinato", mas, isto admitido, "devemos tratar os casos concretos e, por isso, não se pode definir a mulher que fez aborto como criminosa." Por último, foi colocado sobre a mesa também o "direito a ter um filho": é, de fato, um direito? Perguntou uma das participantes.
Certamente não se pode dizer que faltou assunto nesta reunião do "Cenáculo", ocorrido em ambiente descontraído, conduzido com "coragem" e ao mesmo tempo com civilidade de modos. Em resumo, "bergoglianos" sim, mas abertos ao confronto racional. No âmbito mediático, em que se apontam os funcionários da alfândega sempre carrancudos, nunca sorridentes pelo novo pensamento único, isso acontece raramente.
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Amigos de Francisco: surpresas de Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU