Por: André | 01 Junho 2015
“A visão de Francisco é a de uma Igreja para todos, porque Cristo morreu verdadeiramente por todos os homens, sem exceção, não por alguns”; a “lei da gradualidade” não significa “gradualidade da lei” ou relativismo. É possível, sem mudanças doutrinais, prever exceções, caso a caso, admitindo aos sacramentos divorciados recasados. As afirmações são do teólogo dominicano Jean-Miguel Garrigues, professor de Patrística e Dogmática no Instituto Superior Tomás de Aquino, no Estudium dominicano de Toulouse e no Seminário Ars, além de colaborador do também dominicano Christoph Schönborn, cardeal arcebispo de Viena, na redação do Catecismo da Igreja Católica, preparado sob a direção do então cardeal Joseph Ratzinger.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 28-05-2015. A tradução é de André Langer.
O Pe. Garrigues conversou sobre os temas do Sínodo com o Pe. Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, e a entrevista será publicada no novo número da revista dos jesuítas. Sem nomeá-lo diretamente, o teólogo dominicano desmonta a tese do jesuíta estadunidense Joseph Fessio, que escreveu que a anticoncepção pode ser mais grave que o aborto.
O teólogo dominicano não cede a nenhuma forma de relativismo. “Creio que perder a compreensão dos fundamentos dos cônjuges e da família significaria querer agir sem bússola, governados apenas por uma compaixão afetiva condenada a cair em um sentimentalismo pouco realista. Por exemplo, é uma verdade insuperável que todos os cristãos vivem sob a lei de Cristo e que é preciso aplicar a todos a indissolubilidade do matrimônio. Não há, pois, ‘gradualidade da lei’, uma finalidade moral que variaria segundo as situações do sujeito”.
Mas, acrescenta, “não significa negar ou relativizar esta verdade o fato de pedir aos que não conseguem seguir este mandamento de Cristo que não acrescentem ao pecado da infidelidade o da injustiça, por exemplo, sem pagar a manutenção depois de um divórcio civil. Como dizia o rei Luis XV a um cortesão que zombava dele porque continuava a jejuar nas sextas-feiras e ao mesmo tempo tinha uma amante: ‘O fato de incorrer em um pecado mortal não autoriza a incorrer em dois’. É aqui onde se situa a ‘lei da gradualidade’, que convida as pessoas que, de fato, não são capazes de romper de repente com o pecado e sair progressivamente do mal começando a fazer o bem, ainda insuficiente mas real, do que são capazes. Há uma casuística que se relaciona com o que definiria como ‘o exercício progressivo do bem’. Não contradiz absolutamente o princípio segundo o qual especificamente a lei natural e a lei de Cristo se aplicam em igual medida a todos os cristãos”.
Garrigues propõe a metáfora do GPS. Quando erramos de caminho ou nos distraímos, o aparelho refaz o percurso, adequando-se às nossas exigências e tendo em conta os nossos erros, para que cheguemos ao destino, que segue sendo o mesmo. “Cada vez que nos desviamos devido ao nosso pecado, Deus não nos pede para retornar ao ponto de partida, porque a conversão bíblica do coração, a ‘metanoia’, não é um retorno platônico ao começo. Deus volta a nos orientar para Ele traçando um novo percurso. Notamos que, como as direções não mudam no GPS, também não mudam os fins morais no governo divino. O que muda (e como!) é o percurso de cada pessoa em seu livre caminho para a moralização teologal, e, finalmente, para Deus. Pensemos em todos os itinerários alternativos que o GPS divino indicou ao bom ladrão antes do último e supremamente dramático atalho da cruz”.
Em relação ao documento final do Sínodo, Garrigues observa: “É significativo que um dos pontos que suscitou maior inquietação foi a afirmação de que o bem humano pode existir em pessoas que se encontram em uniões de fato, que ou não são comparáveis ao matrimônio, como as uniões homossexuais, ou cumprem apenas imperfeitamente seus requisitos, como as uniões civis ou as uniões entre um ou dois divorciados recasados. Aprecia-se aqui como um certo jansenismo corre o risco de deslizar para os que apóiam uma “Igreja de puros”.
Na sequência, o teólogo dominicano critica a tese do Pe. Fassio, mesmo sem nomeá-la. “A rigidez doutrinal e o rigorismo moral podem levar inclusive os teólogos a posições extremistas, que desafiam o ‘sensus fidei’ dos fiéis e inclusive o senso comum. Uma recente crônica jornalística cita, elogiando-a, a carta de um teólogo estadunidense que faz estas afirmações insensatas: ‘Qual é, nesse caso, o mal mais grave? É o de prevenir a concepção (e a existência) de um ser humano dotado de uma alma imortal, desejado por Deus e destinado à felicidade eterna? Ou interromper o desenvolvimento de uma criança no ventre de sua mãe? Um aborto desses é, certamente, um mal mais grave e é qualificado pela Gaudium et Spes como ‘crime abominável’. Mas existe, seja como for, uma criança que viverá eternamente. Ao passo que, no primeiro caso, uma criança que Deus quer que venha ao mundo jamais existirá. Com este raciocínio considera-se, pois, mais aceitável o aborto do que a anticoncepção. Incrível!”
Esta mesma corrente, segundo Garrigues, quis que da declaração final do Sínodo sobre a família de outubro de 2014 “se retirasse a referência à ‘lei da gradualidade’ que, como dizia antes, deve ser explicada, certamente, como gradualidade do exercício do sujeito e diferente de uma ‘gradualidade da lei’ em sua especificação. Mas isto já estava presente significativamente na exortação apostólica pós-sinodal Familiaris Consortio (1981), de São João Paulo II e é aplicado na prática pela maioria dos confessores e dos padres espirituais que querem acompanhar pastoralmente aqueles que São João Paulo II chamava ‘feridos da vida’”.
O teólogo dominicano dá dois exemplos significativos e propõe a hipótese de uma exceção à disciplina sacramental que nega aos divorciados recasados o acesso aos sacramentos. “Penso em um casal em que um membro esteve casado anteriormente, um casal que tem filhos e uma vida cristã efetiva e reconhecida. Imaginemos que a pessoa já casada tivesse submetido o casamento anterior a um tribunal eclesiástico que decidiu pela impossibilidade de pronunciar a nulidade por falta de provas suficientes, enquanto eles mesmos estão convencidos do contrário sem terem os meios para prová-lo. Com base nos testemunhos de sua boa fé, de sua vida cristã e de seu apego sincero à Igreja e ao sacramento do matrimônio, em particular por parte de um padre espiritual especialista, o bispo diocesano poderia admiti-los com discrição à Penitência e à Eucaristia sem pronunciar a nulidade do matrimônio. Estender-se-ia desta maneira a estes casos uma exceção pontual a título da boa fé que a Igreja já oferece aos casais divorciados que se comprometem a viver na continência”.
É preciso notar que nesta última situação trata-se de um ato de clemência com respeito à aplicação da lei a um caso concreto, porque, observa Garrigues, “se a continência elimina o pecado do adultério, não suprime a contradição entre a ruptura conjugal com a formação de uma nova família (que vive vínculos de caráter afetivo e de convivência) e a Eucaristia”.
O outro tipo de situação que propõe “é, sem dúvida, mais delicado”, observa o teólogo. “É aquele em que, depois do divórcio e do casamento civil, os cônjuges divorciados viveram uma conversão a uma vida efetiva, da qual pode ser testemunho, entre outros, o padre espiritual. Eles acreditam que seu matrimônio sacramental foi verdadeiramente tal e, se pudessem, tratariam de reparar sua ruptura porque vivem um arrependimento sincero: mas têm filhos e, por outro lado, não tem a força de viver na continência. O que fazer neste caso? Deve-se exigir deles uma continência que seria temerária sem um carisma particular do Espírito? Trata-se de perguntas sobre as quais será preciso refletir”.
“Para a Igreja – conclui Garrigues –, tratar-se-ia de uma exceção pontual a uma disciplina tradicional, baseada, claro, sobre a altíssima conveniência sacramental entre a Eucaristia e o matrimônio, devido tanto a uma dúvida verossímil sobre a validade do matrimônio sacramental como de um retorno impossível (de fato, não de desejo) ao ‘status quo’ matrimonial anterior ao divórcio. Em ambos os casos, esta exceção interviria a favor de uma vida cristã construída solidamente”.
O teólogo, pelo contrário, se diz contra leis para todos os divorciados recasados. “Muitos são os casos de casais muito marginais em relação à vida cristã e à prática religiosa que reclamam com grande polêmica midiática uma mudança de disciplina da Igreja em relação aos divorciados recasados, antes de mais nada para que a mesma dê um reconhecimento social de sua nova união, aceitando, de um modo ou de outro, o princípio de um novo casamento depois do divórcio. Legislar para eles, correndo o risco de comprometer o significado do matrimônio fiel e indissolúvel, que muitos casais cristãos vivem sem esforço, significaria encorajar outra forma deste ‘mundanismo espiritual’ que o Santo Padre justamente identifica. Eu o definiria como um ‘mundanismo religioso’”.
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O teólogo à La Civiltà Cattolica: exceções para determinados divorciados recasados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU