26 Mai 2015
Quando acabou com o costume da caixinha (pagamento irregular a funcionários judiciais), o secretário de seu tribunal embaralhava seus expedientes para humilhá-la. “Não pense que vai conseguir acabar comigo”. Em La Palma deixou lembranças de sua capacidade de ser agradável: recebia funcionários aborrecidos, prostitutas maltratadas e tinha paciência com todos. Quando fica brava, se acalma. Derrota com o olhar.
A reportagem é de Juan Cruz, publicada por El País, 25-05-2015.
A vida de Manuela Carmena, de 71 anos (nasceu em 1944 em Madri), é pouco, ou nada parecida com a de um político convencional. Se formou em direito e, em 1965, defendia trabalhadores presos pelo franquismo. Fundou um escritório de advocacia trabalhista perto da estação de trem Atocha (Madri) que, em 1977, durante a transição do país para a democracia, sofreu um ataque terrorista por parte de um grupo de ultradireita. Cinco de seus colegas morreram e quatro ficaram feridos, mas Carmena saiu ilesa porque, por uma casualidade, não se encontrava no local durante a matança.
Quando ocorreu o ataque terrorista em Atocha não deixou que o horror a cegasse e fez o que deveria fazer para que a ultradireita não conquistasse a simpatia dos sobreviventes. Ela foi preparada na liderança tranquila. Blanca Moltó, uma colega que a escutou em um ato antifranquista em 1966, lembra dela no palanque explicando porque era preciso votar Não no plebiscito de Franco: “Não nos explicava como uma comunista, mas falando de liberdade”.
Explicava as sentenças tão bem aos criminosos que eles acabavam pedindo-lhe perdão pelo que haviam feito. Sua energia, diz Juan Puig de la Bellacasa, um dos colegas mais jovens da época dos escritórios de advogados trabalhistas, produz empatia, “um fogo tranquilo”. Ela acredita que o pessimismo é reacionário, e agiu desta forma até mesmo em meio ao sangue atroz de Atocha.
Nessas eleições, quando ocorreram os debates nos quais a conservadora Esperanza Aguirre quis deixá-la envergonhada (pelo ETA e por seu marido), Carmena se manteve serena, como se acalmasse sua oponente.
“Agia dessa forma em La Palma”, me disse no domingo sua amiga Milagros Fuentes, que era uma jovem advogada nos anos setenta, quando Carmena apaziguava. Quando está zangada, fica mais calma.
Não tinha interesse em entrar na política. Durante 15 anos atuou como advogada e outros 30 como juíza; foi cofundadora da associação progressista Juízes para a Democracia, ganhou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 1986 e, desde que se aposentou como juíza, em 2010, começou a se dedicar a sua loja que vende roupas e brinquedos fabricados por presos e aposentados (a empresa não distribui lucros, o dinheiro das vendas é destinado principalmente ao salário dos presos e trabalhadores).
Mas no dia 3 de março, enquanto promovia seu livro Por que as Coisas Podem ser Diferentes (Clave Intelectual), sua editora Lourdes Lucía comprovou que a ideia havia amadurecido. Lourdes a viu abraçar os que haviam sido condenados por ela. Tomou uma decisão final dias depois, no último minuto, quando Esperanza Aguirre anunciou sua candidatura. "Essa figura de uma mulher forte de direita esconde o fato de que também existem mulheres fortes de esquerda como alternativa", chegou a dizer. Foi indicada pelo novo partido Podemos (mesmo sem estar filiada ao grupo) para liderar a coalizão Ahora Madrid, formada por pequenos partidos e movimentos cidadãos. E foi escolhida depois de um processo aberto de votação.
Sabe dizer não; disse não, por exemplo, ao medo de avião; aos 15 anos leu na revista Blanco y Negro um artigo que a marcou: é preciso dizer sim à experiência de viver. Odeia a burocracia, mas a assumirá por respeito às instituições; e do que fez agora o pior foi ver como as campanhas são feitas; “São um desrespeito à democracia”. E o mais desprezível, quando os coordenadores das televisões comerciais pediram aos candidatos que discutissem entre eles para excitar a audiência. “Isso diminui a dignidade do ser humano. E da política”.
Não ficou surpresa por ter sido provocada por Esperanza Aguirre. “Não queria que falassem dela. Mas eu consegui”. Lê muito; e lendo fez a campanha. Por exemplo, um livro do prefeito de Reykjavík, Como Virei Prefeito... e as notas de Simone Weil sobre o mais negativo dos partidos políticos: que afogam os indivíduos que os compõem e ferem a liberdade de pensamento. Trabalhou na Inglaterra em uma fábrica de geleia; é ciclista, inventa brincadeiras e o que mais gostou das coisas que inventaram em sua homenagem nessas eleições foi um desenho na qual é vista abraçando um urso. “Sim, eu poderia ser uma prefeita acolhedora”.
Quando sorri não significa que está feliz. Está demonstrando seu dom de ser agradável. Por dentro pode ser que Manuela Carmena esteja fervendo.
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Manuela Carmena, de juíza a prefeita indignada de Madri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU