21 Mai 2015
"O Canadá já foi uma força progressista por um mundo melhor em várias frentes. Nada me deixaria mais feliz do que exibir meu país como um exemplo de responsabilidade climática.", escreve Mark William Lutes, analista-sênior de política climática no WWF, em artigo publicado por Observatório do Clima, 18-05-2015.
Eis o artigo.
O Canadá enfim submeteu formalmente às Nações Unidas seus planos para lutar contra a mudança climática. Como canadense vivendo no exterior, só tenho uma coisa a dizer: foi mal aí, gente.
Não que alguém esperasse do atual governo canadense qualquer coisa, assim, de tirar o fôlego – ou mesmo qualquer coisa minimamente aceitável – em relação à mudança climática. Eu não vou me delongar nas razões pelas quais a redução anunciada de 30% até 2030 em relação a 2015 é uma meta fraca; suas fragilidades têm sido amplamente documentadas, por exemplo aqui e aqui. Mas quero colocar o anúncio em contexto e explicar por que o desempenho do Canadá é especialmente embaraçoso para um canadense que trabalha fora do país tentando convencer outras nações a adotar metas e ações ambiciosas para evitar mudanças climáticas perigosas.
Desde que o governo conservador atual de Ottawa chegou ao poder – ironicamente, depois de o governo anterior ter caído num voto de desconfiança no primeiro dia de negociações da COP-10, a conferência do clima de Montréal, em 2010 –, seus representantes têm tratado a questão da mudança climática como uma chateação a ser administrada e varrida para debaixo do tapete de todas as formas possíveis.
Mesmo antes de assumir o governo, o então futuro primeiro-ministro Stephen Harper, como líder da oposição, escreveu em uma famosa carta aos seus apoiadores que o Protocolo de Kyoto “é basicamente um esquema socialista para sugar dinheiro das nações que produzem riqueza”. Após chegar ao poder, a administração Harper anunciou que não faria nenhum esforço para atingir os compromissos firmados pelo país no acordo de Kyoto. Em vez disso, estabeleceria uma meta “made in Canada” para substituir o objetivo que governos anteriores haviam negociado em lugares distantes e exóticos como Kyoto.
Mas logo Harper abandonou a estratégia “made in Canada” em favor de uma “made in USA”, pela qual em 2008 o país harmonizaria suas metas e políticas com as de seu vizinho e principal parceiro comercial – coincidentemente governado, naquela época, por George Bush II, que partilhava o desinteresse de Harper na ação climática. Foi assim que nós ganhamos o plano “Turning the Corner” [“Hora da Virada”], com uma meta que acompanhava de perto a dos EUA, mas sem nenhuma ação do governo federal para assegurar seu cumprimento. Agora que o presidente Obama está de fato tentando reduzir emissões nos EUA, harmonizar com as metas americanas caiu da lista de prioridades, e o Canadá anunciou recentemente que acharia outro país com quem pudesse harmonizar.
A presente submissão de INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida) segue a linha de desculpas esfarrapadas e mensagens falaciosas que há tempos substituem a ação real no país. O Canadá tem um monte de hidrelétricas e de energia nuclear, então por faturar em cima dos fatos positivos com um gráfico completamente gratuito comparando o Canadá e outros países no quesito “Porcentagem de Geração de Eletricidade Sem Emissões”? Nem precisa explicar como outros setores fazem para se desdobrar a ponto de garantir que as emissões per capita do Canadá estejam entre as mais altas do mundo. Um caso é o das areias betuminosas, cujas emissões crescentes poderiam anular qualquer ganho em outras áreas.
Esse gráfico é seguido por uma afirmação de doer: “Embora o Canadá represente apenas 1,6% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, o Canadá permanece comprometido a fazer sua parte para atacar a mudança climática”. Como se as emissões do Canadá fossem irrelevantes e não fosse realmente necessário agir, mas o Canadá estivesse fazendo o que lhe cabe mesmo assim. Duplamente errado. Em nenhum momento é mencionado que o Canadá responde por 0,5% da população do planeta, mas suas emissões per capita são três vezes maiores que a média global.
Dado esse histórico e dada a merecida reputação do Canadá de pária climático mundial, eu não me orgulho muito em explicar que sou canadense quando tento convencer outros países a adotar mais ações contra a mudança climática. Não sei se isso importa para os outros, mas eu pelo menos me sinto um tanto desconfortável em vir de um país rico e desenvolvido que está fazendo tão pouco para reduzir suas altas emissões, enquanto digo a outros países, incluindo nações em desenvolvimento como o Brasil, que abracem metas ambiciosas de redução de emissões.
O Canadá já foi uma força progressista por um mundo melhor em várias frentes. Nada me deixaria mais feliz do que exibir meu país como um exemplo de responsabilidade climática. Esse tempo ainda há de vir. Há coisas importantes acontecendo no nível provincial e municipal no Canadá, e uma rara mudança no governo da província de Alberta no começo deste mês que poderia significar uma nova abordagem em relação a uma das fontes de petróleo mais sujas do mundo, as areias betuminosas. Uma eleição federal vem aí em outubro, e eu espero que os canadenses elejam um governo comprometido com a liderança do país no tema mudança climática. Enquanto isso, nenhum país deveria usar a inação do Canadá como desculpa para agir igual.
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Assim não dá, Canadá! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU