18 Mai 2015
No "círculo mágico" dos íntimos do Papa Francisco, o número um seguramente é Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica Argentina, em Buenos Aires, além de arcebispo titular da extinta sede metropolitana de Tiburnia. Ou, ao menos, foi o número um até esse domingo. Porque a entrevista que ele concedeu ao jornal Corriere della Sera do dia 10 de maio poderia marcar o início da sua ruína.
A nota é de Sandro Magister, publicada no blog Settimo Cielo, 11-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Basta ver como, na entrevista, ele liquida a Cúria Romana e todos os cardeais, ansiando por um papa caixeiro viajante:
"A Cúria vaticana não é uma estrutura essencial. O papa poderia muito bem ir morar fora de Roma, ter um dicastério em Roma e outro em Bogotá, e talvez se conectar por teleconferência com os especialistas de liturgia que residem na Alemanha. Em torno do papa, o que existe, em um sentido teológico, é o Colégio dos bispos para servir o Povo. [...] Os próprios cardeais podem, no sentido de que não são essenciais."
Ou a forma como ele se lança contra o cardeal Gerhard L. Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé:
"Eu li que alguns dizem que a Cúria Romana é parte essencial da missão da Igreja, ou que um prefeito do Vaticano é a bússola segura que impede a Igreja de cair no pensamento light; ou que esse prefeito assegura a unidade da fé e garante ao pontífice uma teologia séria. Mas os católicos, lendo o Evangelho, sabem que Cristo assegurou um guia e uma iluminação especial para o papa e ao conjunto dos bispos, mas não para um prefeito ou para outra estrutura. Quando ouvimos coisas desse tipo, parece quase que o papa é um representante deles, ou alguém que veio para perturbar e que deve ser controlado. [...] O papa está convencido de que aquilo que ele já escreveu ou disse não pode ser punido como um erro. Portanto, no futuro, todos poderão repetir essas coisas sem o medo de receber sanções."
O bonito é que, para destilar a partir do Rio da Prata essa sua "summa", Fernández incomodou o entrevistador do Corriere, fazendo-o sobrevoar o Atlântico duas vezes.
Porque ele passa a imagem de ser um grande teólogo ou, melhor, o teólogo de referência do Papa Francisco, o seu conselheiro mais ilustre, o seu ghostwriter desde que ele era arcebispo de Buenos Aires. No verão de 2013, ele se estabeleceu em Roma para escrever com Francisco a Evangelii gaudium; e depois ainda se estabeleceu lá em março passado, na semana em que o papa tinha tirado para escrever a próxima encíclica sobre a ecologia.
De Santa Marta, vazou, porém, que Francisco jogou no lixo o esboço que Fernández tinha feito para ele, talvez pressentindo, o papa, que o cardeal Müller, depois, a demoliria, uma vez tendo-a recebido nas suas mãos.
Com efeito, se pesquisarmos a produção de livros do teólogo Fernández, deve-se admitir que, anos atrás, a Congregação para a Educação Católica tinha mais do que razão em rejeitar a sua candidatura a reitor da Universidade Católica Argentina, salvo, depois, ter se inclinado, em 2009, à vontade do arcebispo de Buenos Aires.
O primeiro livro que revelou ao mundo o gênio de Fernández é Sáname con tu boca. El arte de besar, publicado em 1995 pela editora Lumen com esta apresentação ao leitor feita pelo próprio autor:
"Eu esclareço para você que esse livro não foi escrito com base na minha experiência pessoal, mas sim da vida das pessoas que beijam. Nestas páginas, quero resumir o sentimento popular, aquele que as pessoas sentem quando pensam em um beijo, aquele que sentem os mortais quando beijam. Por isso, falei longamente com muitas pessoas que têm muita experiência nesse campo e também com muitos jovens que aprendem a beijar à sua maneira. Além disso, consultei muitos livros e quis mostrar como os poetas falam do beijo. Assim, na intenção de sintetizar a imensa riqueza da vida, vieram estas páginas em favor do beijo, que eu espero que ajudem você a beijar melhor, que levem você a liberar em um beijo o melhor do seu ser."
Depois, vieram outros livros mais adequados ao seu papel de teólogo e de clérigo, como, por exemplo, em 2006, pela editora San Pablo, as 300 páginas de Teología espiritual encarnada.
No entanto, essa sua obra magna também tropeçou nas últimas semanas em uma desventura boccacciana.
Em uma novela intitulada Esperanza mía, transmitida no canal 13 da televisão argentina, estrelada por um jovem padre que seduz uma freira e começa com ela uma história de amor, aquilo que serviu de motivo da sedução foi justamente o citado volume de Fernández, repetidamente folheado e lido nas suas páginas mais tentadoras.
Esse é o pano de fundo da corajosa entrevista de Fernández ao Corriere, com um tiro à queima-roupa contra o cardeal Müller.
Müller, por ter dito que quer "estruturar teologicamente" o papado, como indica o seu papel estatutário, agora se tornou o alvo número um dos ultrabergoglianos do "círculo mágico" e do "Vatican Insider", há algum tempo bastante nervosos.
Um deles, Gianni Valente, fez de tudo para arrancar uma condenação contra o cardeal prefeito do renomado teólogo dominicano Benoît-Dominique de La Soujeole, entrevistado como se fosse um inquisidor, sem, contudo, conseguir obter qualquer coisa, nem mesmo depois da enésima pergunta a respeito:
Pergunta – A ideia de um papado carente do ponto de vista da "estruturação teológica" contém uma reverberação das velhas teorias medievais sobre a hipótese do "papa herético"?
Resposta – Acho que não. A estruturação teológica de que fala o cardeal Müller, da forma como eu entendo a expressão, é uma colaboração ativa ao ministério próprio do papa.
E o Papa Francisco? Se tivesse que escolher agora entre Fernández e Müller, ele já saberia com quem ficar, sem que ninguém precisasse ensiná-lo.
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Fernández: o teólogo de confiança do papa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU