Por: Cesar Sanson | 11 Mai 2015
As dificuldades na economia do país atingiram em cheio as universidades. Mesmo com o sonho da ‘Pátria Educadora’ anunciado pela presidenta Dilma no começo do ano, a realidade é de cofres vazios. Tanto que o recém-eleito reitor da UFRJ, Roberto Leher, prevê que os orçamentos não durarão mais de quatro meses. Após votação apertada, que mobilizou a maior universidade federal do país, ele está ciente dos problemas, e anunciou ao DIA, 09-05-2015 em em entrevista que irá priorizar a assistência estudantil e a segurança nos campi.
Eis a entrevista.
O senhor será empossado reitor da UFRJ em julho. O cenário é de crise: há um corte grande no orçamento do Ministério da Educação, seu antecessor fala em déficit de R$ 93 milhões, mas há, ainda assim, a necessidade de expandir, reformar os campi... O que fazer?
Precisamos de um novo pacto de financiamento das universidades federais. Entre 2007 e 2014, tivemos um aumento de 55% no número de alunos da UFRJ. Mas hoje nós temos metade da verba de custeio: em 2011, era R$ 230 milhões para manutenção e pagávamos 870 terceirizados. Hoje, são R$ 301 milhões para 5 mil terceirizados. Em 2014, não houve verba para investimento, por isso essa degradação de infraestrutura. A previsão é que as universidades federais não passem de setembro. Nosso primeiro desafio é conseguir um orçamento complementar.
O atual orçamento da UFRJ vence em quatro meses, então?
Como a terceirização foi muito ampliada, provavelmente não teremos como pagar as empresas, vamos ter dificuldades de honrar os compromissos. É o cobertor curto: se pagar o terceirizado, faltará dinheiro para energia elétrica. Lembre-se que as aulas começaram atrasadas neste período por causa dos atrasos.
Há um boato, por exemplo, de que a Faculdade Nacional de Direito irá parar por conta dos atrasos nos pagamentos para os terceirizados.
É um sintoma de um processo na UFRJ. Já temos prédios sem portaria, prédios que chovem dentro. Os reitores, em geral, não podem dizer ‘amém’ ao corte de verbas pelo governo federal. As universidades se expandiram, fizeram sua parte. O MEC não pode abandonar agora, e cortar justamente na educação. Esclareceremos a sociedade sobre os problemas para que seja feita maior pressão no governo. Em virtude da crise nos hospitais, por exemplo, não realizamos transplantes há dois meses. Como nosso aluno pode se formar sem esse conhecimento? O prejuízo da crise pode se estender por anos.
Cinquenta e oito das 59 universidades federais do Brasil aderiram a uma grande greve em 2012. Esse cenário pode se repetir na UFRJ?
Os professores aqui ainda não tem posição fechada sobre isso. As atividades, se não pararem por greve, vão parar por falta de condições de trabalho. Todo o esforço da expansão universitária dos últimos anos pode ser jogado fora pois não há como manter mais alunos sem investimento.É visível que o governo optou pelo crescimento do setor privado, com Fies, ProUni e Pronatec.
É fato, entretanto, que aumentou muito o número de pessoas de fora do Rio estudando na UFRJ. Consequentemente, cresceu a demanda pela assistência estudantil. A situação é de crise, mas o que fazer com esses alunos?
Dos que atendem o critério definido para receber assistência estudantil (menos de 1,5 salário mínimo por mês), apenas 20% conseguiram algum tipo de ajuda da UFRJ. E os outros 80%, fazem o que numa cidade caríssima como o Rio? E Macaé,que sequer tem alojamento? Os estudantes estão vivendo em condições subhumanas.Não houve planejamento.Em 2016 teremos o nosso primeiro orçamento próprio, e queremos usar todos os recursos próprios da UFRJ, vindos do aluguel de terrenos da universidade, o que dá cerca de R$ 70 milhões, para aplicar na assistência estudantil: isso cobriria bolsas de permanência, investimentos no alojamento.
O que será feito do hospital do Fundão? Há alguma chance de que a unidade seja gerida pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh)?
Isso está absolutamente descartado. Neste ano, R$ 7,5 milhões foram contigngeciados, e trata-se de hospital que esta precisando desesperadamente de recursos. Nosso hospital não é de serviço, é de formação. Uma alternativa é abrir uma linha de crédito junto ao BNDES para conseguir verba, além de sentar para dialogar com as secretarias municipal e estadual de saúde.
O número de terceirizados impactou diretamente a estrutura da UFRJ. Existe saída para essa questão?
A primeira condição é modificar a carreira dos técnicos-administrativos. O governo de FHC retirou as chamadas classes “A” e “B” da carreira, como porteiros, maqueiros, auxiliares de limpeza. São indispensáveis, e precisam ser do quadro permanente, se não temos esse cenário de desastre que estamos vivendo. O segurança de um prédio no Fundão, por exemplo, tem que conhecer o local, a rotina do espaço também.
A questão da segurança aflige os estudantes de todos os campi, do Fundão à Praia Vermelha. O que poderá ser feito?
Vamos pedir uma audiência com o secretário de segurança José Mariano Beltrame e o governador Pezão para planejarmos melhor o entorno da UFRJ. Nos preocupa em especial os cursos noturnos. Nossos alunos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCS) saem do Centro apavorados, por exemplo. Os seguranças precisam conhecer a realidade das pessoas, e precisamos de um corpo de vigilantes próprio da universidade.
Como será feita a revisão do Plano Diretor? A transferência do campus da Praia Vermelha irá para o Fundão se concretizará?
Primeiro, é concluir os prédios iniciados no Fundão. Na revisão, vamos manter a Praia Vermelha. Não tem o menor cabimento dizer que nessa situação trágica de orçamento vamos transferir um campus inteiro. É necessário, lá, começar a restaurar o Palácio, e o investimento e o custeio terão que sair da verba do Ministério da Educação.
E o Canecão? Vira e mexe sai uma notícia na imprensa aventando uma possível reabertura... E o espaço segue fechado.
O Canecão é parte de um problema maior, que é a área de cultura, que está muito desamparada na UFRJ. Não temos espaços capazes de dar visibilidade aos estudantes de artes. As possibilidades para reitoria são o uso de recursos da Lei Rouanet, mas também precisamos explorar a verba de emendas parlamentares. Temos uma concessão de rádio FM também, que precisa ser explorada. No caso do Canecão, seremos forçados a reabri-lo logo. O Rio de Janeiro cobra isso.
Para o longo prazo, o que o senhor projeta?
Não podemos só fazer expansão, em detrimento do que já temos. Um sonho seria a ampliação do campus de Macaé, por exemplo, com área de humanas. Consolidar Xerém... Precisamos consolidar a expansão que foi realizada, recuperar os campi históricos. Porque a estrutura da UFRJ está exaurida, remete aos anos 1970.
Sua eleição foi apertada, construída sobretudo com o voto dos alunos. Retrato do atual momento do Brasil, visto que recentemente saímos da mais polarizada eleição para presidente da história?
Foram perspectivas distintas de se entender o papel da universidade São visões legitimas sobre a universidade, mas a nossa mensagem foi capaz de encantar e estimular uma parcela muito grande da universidade. Temos muito orgulho de termos tido quase 10 mil votos de estudantes, foi a maior participação estudantil da história da UFRJ.
Muita gente celebra sua eleição, professor, como uma vitória da esquerda dentro da universidade pública. Como o senhor vê essas manifestações, especialmente em tempos de críticas a uma suposta “doutrinação” no ensino público?
Sou uma pessoa que tem formação de esquerda, no campo marxista, e historicamente a esquerda sempre foi muito generosa no campo da ciência. Einstein, Freud... São formuladores. Serei um reitor preocupado com a autonomia da ciência dentro da universidade, sem perspectiva partidária. Quem faz a afirmação de que a universidade é usada para doutrinar não tem nem a menor noção de como funciona esse ambiente.
O Colégio de Aplicação da UFRJ jamais teve sede própria. E agora?
Precisamos fazer uma nova abordagem em relação ao CAP, pensá-lo junto com a faculdade de Educação e Pedagogia. Temos que dar muita prioridade a educação de base, é muita responsabilidade para UFRJ, especialmente em tempos em que professores se formam por Ensino à Distância, fazem Biologia sem jamais ir a campo...
Qual a natureza das suas críticas ao Reuni – programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – iniciado em 2007?
A meta do Reuni era a expansão, não previam-se recursos após 2012, justamente o ano da plenitude da expansão. Os reitores foram imprudentes ao aceitar a expansão sem garantir a continuidade do financiamento. Não podia ser apenas aumentar 50% das vagas nas universidades federais. O segundo erro: vamos mudar o perfil do estudante, ótimo! Mas vamos dar condições para eles estudarem, se não é falsa expansão. Ele entra e a universidade fala, “olha, só fica aqui se tiver dinheiro”. Assim não dá. Houve falhas no planejamento, sem falar nas questões acadêmicas.
A política de cotas será estendida para pós-graduação da UFRJ?
Ainda não travamos esse debate, mas ele será estimulado.. É uma discussão complexa, mas a política de ação afirmativa que leva em consideração raça e classe, a nosso ver, é uma condição pra que a universidade possa alcançar algum dia o acesso universal. A sociedade tem desigualdades sociais e raciais tão profundas que se não tivermos políticas de ação afirmativa, a universidade irá reproduzir isto. Não é só o problema de acesso. Aos estudantes que estão chegando e que não tem a oportunidade de conhecimento que a sociedade negou no ensino básico, porque não oferecemos cursos de português livres? Cursos de idiomas, matemática...? Tudo isso é ação afirmativa e necessário para que tenhamos uma universidade mais democratizada.
Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
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'Situação é de crise, mas o que fazer com alunos?', diz novo reitor da UFRJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU