11 Mai 2015
O papa isolado? "Nada disso. As pessoas estão com ele. Os seus adversários são mais fracos do que acreditam." A Cúria vaticana? "Não é essencial. O papa poderia até ir morar fora de Roma, ter um dicastério em Roma e um em Bogotá."
Um retorno ao passado depois de Francisco? "Atrás não se volta. Se e quando ele não for mais papa, a sua herança permanecerá."
Um conclave hoje o reelegeria? "Não sei, talvez não. Mas aconteceu, e tudo o que se pode pensar antes ou depois do conclave não é importante. Acreditamos que quem guia o conclave é o Espírito Santo e que não se pode contradizer o Espírito Santo. Depois, se alguns se arrependeram, não muda nada."
Riscos para a relação direta entre papa e povo, passando por cima da Igreja?
"Mas a Igreja é o Povo de Deus guiado pelos seus pastores. Os próprios cardeais podem desaparecer, no sentido de que não são essenciais. Essenciais são o papa e os bispos..."
A reportagem e a entrevista são de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 10-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Vistos de Buenos Aires, o Vaticano e a Cúria continuam sendo um pedaço de poder misterioso e tenaz. E, com voz suave, mas com palavras claras, Dom Víctor Manuel Fernández, 52 anos, reitor da prestigiada Universidade Católica Argentina (UCA), de Buenos Aires, o homem mais próximo de Francisco no seu país natal, conta um desafio nada concluído.
Acima de tudo, oferece uma leitura não eurocêntrica e "romana", mas latino-americana e original do que está acontecendo: para o bem ou para o mal. Sentado no seu escritório em Puerto Madero, com vista para o rio e para os arranha-céus de luxo da outra margem, ele repete a palavra "Povo" com maiúsculo: quase marcando a distância das hierarquias vaticanas.
Eis a entrevista.
Dom Fernández, a dois anos do início do pontificado, as resistências no Vaticano em relação ao papa aumentaram ou diminuíram?
Eu não vivo em Roma e só posso falar daquilo que vejo quando vou para lá. É preciso distinguir. Vi que, em Roma, alguns antes estavam surpresos, mas agora entendem o sentido daquilo que Francisco pede e estão contentes em acompanhar esse caminho da Igreja, ajudam o papa. Outros tendem a dizer: fazemos o que podemos, ajudamo-lo enquanto ele está lá, porque, no fim das contas, ele é o papa. Parece que esse componente é majoritário, embora eu não possa confirmá-lo. Outros, realmente poucos, ao contrário, seguem outro caminho, totalmente deles. E, a partir daquilo que se vê, tendem a ignorar os ensinamentos de Francisco.
Poderia nos dar um exemplo?
Eu li que alguns dizem que a Cúria Romana é parte essencial da missão da Igreja, ou que um prefeito do Vaticano é a bússola segura que impede a Igreja de cair no pensamento light; ou que esse prefeito assegura a unidade da fé e garante ao pontífice uma teologia séria. Mas os católicos, lendo o Evangelho, sabem que Cristo assegurou um guia e uma iluminação especial para o papa e ao conjunto dos bispos, mas não para um prefeito ou para outra estrutura. Quando ouvimos coisas desse tipo, parece quase que o papa é um representante deles, ou alguém que veio para perturbar e que deve ser controlado.
Não parece uma linha muito seguida, no entanto.
Não é, porque a maioria do Povo de Deus ama Francisco. Talvez o Conselho dos nove cardeais poderia ajudar a esclarecer melhor até onde chegam as competências dos prefeitos mais importantes. Mas o que mais me preocupa é que os teólogos não estão oferecendo novas análises sobre a Igreja, sobre o sentido teológico das suas estruturas, sobre o estatuto das Conferências Episcopais dos países e das regiões, e sobre o verdadeiro lugar da Cúria Romana em relação com o papa e com o Colégio dos bispos.
Alguns descrevem Francisco como isolado. O senhor concorda?
Em nada. As pessoas estão com ele, não com seus poucos adversários. Esse papa, primeiro, lotou a Praça de São Pedro com multidões e depois começou a mudar a Igreja: acima de tudo, por isso, não está isolado. O Povo sente nele o perfume do Evangelho, a alegria do Espírito, a proximidade de Cristo e, assim, percebe a Igreja como a sua casa. Mas eu diria também que ele tem um amplo círculo de pessoas às quais ele pede conselhos sobre várias questões. Ele ouve muito mais pessoas do que aquelas que podem pertencer aos dicastérios da Cúria e, desse modo, está mais perto das vozes da Igreja e da sociedade. Refiro-me àquelas que ele recebe na Casa Santa Marta, nas solicitações que chegam até ele das cartas, dos encontros nas praças. Justamente por isso, a Igreja hoje é muito ouvida nos debates internacionais, e os líderes mundiais olham-na com tanto respeito.
Não há dúvida disso, de modo profundo e claro, especialmente no início. No entanto, ultimamente, denota-se uma certa ansiedade. As coisas procedem mais devagar. A própria reforma da Cúria parece em suspense.
O papa vai devagar porque quer ter certeza de que as mudanças incidem em profundidade. A lentidão é necessária para a sua eficácia. Ele sabe que há alguns que esperam que, com o próximo papa, tudo volte atrás. Se vamos mais devagar, é mais difícil voltar atrás. Ele dá a entender isso quando diz que "o tempo é superior ao espaço".
Quando Francisco diz que o seu papado será breve, ele não faz um favor aos seus adversários?
O papa deve ter as suas razões, porque sabe bem das suas coisas. Ele deve ter um objetivo que nós não entendemos ainda. É preciso saber que ele aponta para reformas irreversíveis. Se um dia ele intuísse que lhe falta pouco tempo e que não tem o suficiente para fazer o que o Espírito lhe pede, podemos ter certeza de que ele vai acelerar.
Seria possível um papa sem o Vaticano ou fora dele?
A Cúria vaticana não é uma estrutura essencial. O papa poderia muito bem ir morar fora de Roma, ter um dicastério em Roma e outro em Bogotá, e talvez se conectar por teleconferência com os especialistas de liturgia que residem na Alemanha. Em torno do papa, o que existe, em um sentido teológico, é o Colégio dos bispos para servir o Povo.
O senhor não teme que, com esse pano de fundo, depois de Francisco, o seu papado será arquivado?
Não, atrás não se volta. Se e quando Francisco não for mais papa, a sua herança permanece forte. Por exemplo, o papa está convencido de que aquilo que ele já escreveu ou disse não pode ser punido como um erro. Portanto, no futuro, todos poderão repetir essas coisas sem o medo de receber sanções. E, depois, há a maioria do Povo de Deus, que, com a sua sensibilidade especial, não vai aceitar facilmente que se volte atrás em certas coisas.
Não vê nem mesmo o risco de "duas Igrejas"?
Não. Há um cisma quando um grupo de pessoas importantes compartilha a mesma sensibilidade, que reflete a de uma porção ampla da sociedade. Lutero e o protestantismo nasceram assim. Mas agora a grande maioria do Povo está com Francisco e o ama. Os seus adversários são mais fracos do que acreditam. Não agradar a todos não significa provocar um cisma.
Não é arriscada essa ideia da relação direta do papa com o povo, enquanto a Igreja, entendida como classe eclesiástica, sente-se marginalizada?
Mas a Igreja é o Povo de Deus guiado pelos seus pastores. Os próprios cardeais podem desaparecer, no sentido de que não são essenciais. Essenciais são o papa e os bispos. Além disso, é impossível que aquilo que um papa diz e faz agrade a todos. Bento XVI agradava a todos? A unidade não surge do unanimismo.
De acordo com o senhor, hoje, um conclave reelegeria Francisco?
Eu não sei, talvez não. Mas aconteceu, e tudo o que se pode pensar antes ou depois do conclave não é importante. A única coisa que conta e é importante é a votação que se faz no conclave, com a ajuda especial do Espírito. Acreditamos que quem guia o conclave é o Espírito Santo e que não se pode contradizer o Espírito Santo. Depois, se alguns se arrependeram, isso não muda nada.
O senhor acha que Francisco poderia ser forçado a deixar a Casa Santa Marta por motivos de segurança, por causa de um atentado terrorista do fundamentalismo islâmico?
Ele não pensa assim. E eu não encontrei argumentos decisivos nesse sentido. Além disso, acredito que aqueles que organizam grandes atentados têm uma certa inteligência e são capazes de distinguir entre os Estados Unidos de Bush e o Vaticano. Certamente, pode haver algum fanático isolado, mas sempre sob controle. Não, acho justamente que Francisco vai permanecer na Casa Santa Marta, forte e com muita confiança.
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''Os fiéis estão com Francisco. A Cúria não é essencial.'' Entrevista com Víctor Manuel Fernández - Instituto Humanitas Unisinos - IHU