22 Abril 2015
No que provavelmente é o principal passo em direção à responsabilização de bispos que falham ao lidar com acusações de abusos sexuais em suas jurisdições, o Vaticano anunciou a renúncia de Dom Robert Finn, bispo da Diocese de Kansas City-St. Joseph, EUA.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 21-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O anúncio veio nesta terça-feira (21 de abril) em uma breve nota publicada no boletim de notícias diário do Vaticano. Finn, cuja renúncia tem validade imediata, irá continuar sendo bispo, mas não irá mais conduzir a diocese. Cabe ao Papa Francisco nomear o seu sucessor.
Finn, 62, é o único bispo americano culpado por não relatar às autoridades civis um caso envolvendo abuso infantil. A sua condenação, de setembro de 2012, foi baseada numa acusação de contravenção, em que Finn teria passado meses até dizer a polícia que imagens explícitas de meninas haviam sido descobertas no computador de Shawn Ratigan, padre de sua diocese.
Finn foi condenado a dois anos de liberdade condicional, e a diocese recebeu uma multa de 1.1 milhão de dólares depois de um juiz decidir que o religioso havia violado os termos de um acordo firmado anteriormente.
O fato de Finn ter continuado no cargo por quase três anos após o acontecido vem sendo motivos de críticas por parte daqueles que consideram a política de “tolerância zero” oficial da Igreja Católica como inadequada, já que não há consequências previstas para os bispos que fracassam em implementá-la em suas dioceses.
O argumento para a destituição de Finn era considerado particularmente forte por muitos observadores da própria Igreja porque, diferentemente das queixas contra outros bispos sobre como eles lidaram com casos de abusos sexuais em décadas passadas, o caso atual veio depois que os bispos americanos adotaram um protocolo antiabuso em 2012.
Os pedidos para que o bispo de Kansas fosse destituído vieram de vários lugares, inclusive de assessores próximos do Papa Francisco.
Em entrevista ao programa televisivo 60 Minutes, em novembro passado, o Cardeal Sean P. O’Malley, de Boston, concordou que, com base na política de tolerância zero, não deixaria Finn lecionar em escolas dominicais de Boston, muito menos dirigir uma diocese.
Em entrevista ao sítio Crux publicada nesse fim de semana, a leiga e vítima de abusos sexuais irlandesa Marie Collins, membro de uma comissão papal antiabuso encabeça por O’Maley, manifestou este sentimento:
“Eu não consigo entender por que Dom Robert Finn ainda está no cargo, quando todos os demais estão certos de que ele não poderia sequer administrar uma escolinha dominical”, disse Collins. “Ele não seria aprovado no teste de bons antecedentes”.
“Não sei como alguém assim pode ser mantido à frente de uma diocese”, disse ela.
Em setembro de 2014, o Papa Francisco encarregou Dom Terrence Prendergast, da Arquidiocese de Ottawa, Canadá, a chefiar uma investigação vaticana sobre a situação envolvendo Finn. Cerca de duas dúzias de pessoas em Kansas City foram ouvidas, e Prendergast, em seguida, enviou um relatório à Congregação para os Bispos.
Ainda que o conteúdo do relatório jamais tenha sido divulgado, uma fonte conhecedora do assunto disse, em off, no mês de fevereiro deste ano que Prendergast havia feito uma avaliação mista, não recomendando, diretamente, a destituição de Finn do cargo de bispo diocesano.
A mesma fonte falou que o Papa Francisco pediu uma avaliação adicional do relatório por parte de outras autoridades.
Natural de Missouri, Finn é membro da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, grupo fundado pela Opus Dei. Ele se tornou “bispo coadjutor” de Kansas City-St. Joseph em 2004, termo no Direito Canônico que significa que ele sucederia, automaticamente, ao posto principal. Finn assumiu o controle da diocese em 2005, depois que Dom Raymond Bolan adoecera.
Mesmo antes de surgir o caso Ratigan, Finn já era uma figura polêmica. Sob a liderança de Bolan, a Diocese de Kansas City-St. Joseph tinha a reputação nacional de empoderar leigos na liderança do catolicismo. Porém, no período de uma semana sob o comando de Finn, este demitiu tanto o chanceler quanto o vice-chanceller, cancelou os programas de formação dos leigos e cortou o orçamento do Centro para a Vida Pastoral e o Ministério.
Finn também impôs novos controles para os meios de comunicação diocesanos e ordenou que o seu jornal parasse de publicar uma coluna escrita pelo Rev. Richard McBrien, articulista progressista e popular.
Enquanto estes movimentos geraram polêmicas de natureza política, o caso envolvendo Ratigan fez de Finn um sinônimo para os escândalos de abuso sexual da Igreja.
As queixas contra Ratigan começaram a surgir em 2009, quando alguns pais ficaram preocupados com o fato de este sacerdote passar muito tempo com os seus filhos e de tirar fotos demais dos jovens enquanto eles brincavam, jogavam ou participavam dos eventos da Igreja.
Em maio de 2010, a diretora de uma escola católica onde Ratigan servia escreveu uma carta detalhada, de cinco páginas, às autoridades diocesanas apresentando algumas preocupações com a conduta do sacerdote, mesmo não fazendo uma acusação concreta de abuso.
Um assessor do bispo recebeu a carta e teve uma conversa com Ratigan no sentido de estabelecer limites junto às crianças, dando a Finn, em seguida, um resumo do que foi acordado. Finn reconheceu, mais tarde, que havia sido informado sobre a carta, mas disse que não a tinha lido, o que só foi fazer um ano depois.
Em dezembro de 2010, um técnico de informática que trabalhou o computador pessoal do Pe. Ratigan descobriu imagens de meninas com idade entre 3 e 12 anos e informou o caso às autoridades diocesanas. Eles contataram um policial e um advogado diocesano no dia seguinte.
Estes disseram que as imagens não constituíam pornografia infantil e que, portanto, não havia crime algum a relatar – nem à polícia, nem ao conselho diocesano.
Depois de saber que tais fotos haviam sido descobertas, Ratigan tentou cometer suicídio. Depois de se recuperar, Finn enviou o sacerdote para uma avaliação psiquiátrica. Em seguida, impôs várias restrições ao seu ministério, inclusive o de permanecer longe das crianças.
Finalmente, o Dom Robert Finn informou a polícia sobre Ratigan quando este violou algumas das condições lhe dadas, sendo preso em maio de 2011. Ratigan foi acusado de produzir, ou tentar produzir, pornografia infantil; foi condenado a 50 anos de prisão em 2013.
A diocese emitiu uma nota sobre o comportamento de Finn após a sentença de Ratigan, desculpando-se pelas ações do sacerdote e dizendo que muitos passos haviam sido dados no sentido de proteger as crianças desde a sua prisão.
“Às vítimas de abuso, suas famílias e a comunidade em geral, renovo o meu sincero pedido de desculpas e prometo, firmemente, fazer das nossas instituições católicas inigualáveis na proteção das crianças e das pessoas vulneráveis”, disse Finn no comunicado.
Em outubro de 2011, Finn foi indiciado por não relatar às autoridades civis o caso Ratigan e, depois de um julgamento, foi condenado por um juiz por contravenção. O juiz decidiu que não havia provas suficientes para condená-lo de algum crime maior.
Não houve manifestação imediata nesta terça-feira quanto ao que Finn fará depois desta renúncia.
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Bispo de Kansas condenado por não relatar pedofilia às autoridades civis renuncia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU