Por: André | 17 Abril 2015
Gustavo Vera (foto) leva as coisas a sério e está se preparando com esmero para o encontro que o leva pela quinta vez ao Vaticano, o mesmo número que a presidente Kirchner, que irá a Roma dentro de alguns dias. Ele tem 30 minutos para falar sobre “êxitos, dificuldades e problemas que ainda são enfrentados na luta pela redução da prostituição e do trabalho forçado”.
Fonte: http://bit.ly/1cBIoFe |
A reportagem é de Alver Metalli e publicada por Tierras de América, 15-04-2015. A tradução é de André Langer.
Ele recebeu o convite de dom Marcelo Sánchez Sorondo na qualidade de presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, organismo encarregado do II Colóquio sobre o Tráfico de Pessoas, que continuará os trabalhos do primeiro, realizado em novembro de 2013. Mas é do conhecimento de todos quem está por trás desta convocação e que o nome de Vera foi proposto pelo próprio Papa. Bergoglio quer saber de primeira mão se há resultados concretos na luta contra esse “horror” e essa “praga” que clama a Deus e que ele já denunciava como arcebispo de Buenos Aires.
Gustavo Vera dirige, desde 2001, a organização não governamental La Alameda e responde que a tarefa de “reduzir” estes fenômenos – na sóbria linguagem eclesiástica – é dura, mas sem dúvida está dando bons resultados. “O tema entrou com força em todos os níveis da sociedade e aqueles que se esforçam para trazer à luz o trabalho escravo e o tráfico de pessoas receberam um grande respaldo do Papa”, afirma; “centenas de novas organizações surgiram em todo o mundo e muitas começaram a reunir-se para afinar melhor a ação no terreno da prevenção e da repressão”. Enfim, assim como as máfias e o crime organizado se coordenam entre si, aquelas organizações que os combatem também começaram a coordenar suas ações encorajadas pelo Papa argentino. “Muitos líderes religiosos assinaram um documento para declarar que o tráfico de pessoas e os crimes relacionados são crimes de lesa humanidade. A pressão é forte e os resultados começam a aparecer nas legislações nacionais e em ações concretas”, explica Vera, e recorda que até recentemente as discussões em nível parlamentar se chocavam com uma parede de borracha.
Em seu gabinete, no segundo andar da Assembleia Legislativa de Buenos Aires, Vera consulta pesquisas, sintetiza dados e estuda o passado. “Pediram-me para que fale sobre o tráfico de brancas na Argentina e sua relação com o narcotráfico...”, diz. Havia decidido tomar todo o tempo que fosse necessário para propô-lo, mas depois – pensando melhor – não tanto a ponto de enrolar. Explica que a luta dos jesuítas nos séculos XVII e XVIII e a maneira como os seguidores de Santo Inácio emancipavam os aborígenes guaranis da submissão e do trabalho na escravidão ao qual eram submetidos pelos encomenderos espanhóis e os bandeirantes portugueses, é um bom ponto de partida.
Vera refere-se às famosas reduções, disseminadas na América do Sul, do Equador até o Chile e da Bolívia até o Paraguai, passando pela Argentina, Uruguai e Brasil. Está lendo também os textos de um não católico, representante da esquerda nacional, com traços trotskistas para ser mais exato, chamado Abelardo Ramos, e os de um uruguaio, peronista, filósofo e historiador – Alberto Methol Ferré. “As missões jesuítas e a luta contra a escravidão social e econômica estão no DNA do Papa Francisco – afirma – e neste momento é preciso levá-la adiante na prática, como faziam então os missionários da Companhia de Jesus”.
O discurso de Gustavo Vera será culto, douto e grave. “Estamos na presença de um novo processo de reacumulação capitalista de tipo mafioso, que desencadeia fenômenos como o contrabando de armas, o tráfico de pessoas, o narcotráfico e o comércio ilegal de órgãos humanos”. Como católico, reivindica a primogenitura histórica na luta contra o trabalho escravo. “Quando se dá a acumulação originária, na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, e depois nos Estados Unidos, os jesuítas se opuseram com força, muito antes que os socialistas e os marxistas”. Hoje, quando um jesuíta dirige a Igreja universal, “esta luta pela liberdade, pela dignidade e por um desenvolvimento econômico que supere a cultura do descarte, pode dar resultados duradouros”.
Para Vera, e dirá isso em sua fala no Vaticano, o tráfico de seres humanos e a droga têm um ponto de conexão muito forte. “Nenhum destes crimes pode ser cometido de maneira reiterada e por um tempo prolongado sem a cumplicidade ou a omissão em nível estatal”. O dedo de Vera aponta na direção do poder político. “Não se pode traficar drogas de um lugar para outro se não houver cumplicidades na fronteira, se não houver aquiescência nas delegacias de polícia dos bairros, se não houver coberturas no sistema judiciário, enfim, sem “corredores” e “nichos” de corrupção no Estado nacional”.
Por outro lado, existe uma indiscutível sinergia no crime organizado. “Os mafiosos não tem especializações rígidas. As rotas da droga são as mesmas que as do tráfico de órgãos, que, por sua vez, coincidem com as do contrabando de armas”. Vera considera que os mafiosos passam de uma atividade a outra seguindo a lógica dos lucros. Dá o exemplo de uma Província argentina, Entre Ríos: “há cinco ou seis anos era uma das que registrava o maior número de prostíbulos”. Ele e a La Alameda fizeram fechar centenas destes estabelecimentos, “mas agora aumentaram o narcotráfico e a venda da droga no varejo, o narcomenudeo, como é conhecido localmente, porque – isso me explicou um mafioso – tornou-se mais rentável que a prostituição organizada”.
Perguntamos, sem meias palavras, se ele também pensa, como o Papa, que a Argentina está se mexicanizando. “Atravessamos um processo semelhante ao que viveu o México há 10 anos”, esclarece, “quando a corrupção estatal prolongada se junta com o crime organizado, criando um estado de mafiosidade”. “E a mesma coisa está acontecendo conosco agora”, acrescenta; “cada delegacia de politica de Buenos Aires tem um mapa do crime em sua própria jurisdição absolutamente exato, mas não para combatê-lo. O Estado está ausente ou está presente de maneira mafiosa”.
E ele também acredita que na Argentina se produz drogas, como disse o Papa na entrevista ao La Cárcova News, o jornal da favela do Pe. Pepe di Paola? “Na favela 1-11,14 há laboratórios de cocaína em 15 quadras, e cozinhas móveis onde é elaborado o cloridrato de cocaína; a pasta vem da Holanda...”.
Vera dedica, por último, algumas palavras à próxima viagem da presidente Kirchner ao Vaticano, “uma entrevista que foi solicitada e o Papa não pode deixar de conceder”. Em seguida, enuncia “as três linhas de Francisco para a Argentina: respeito aos mandatos constitucionais, porque todas as vezes que são interrompidos quem paga são os pobres; respeito pelos juízes, por todos, para que aqueles comprometidos com processos sensíveis que tocam os setores do poder possam trabalhar com liberdade; e políticas públicas apoiadas pelo “oficialismo” e a oposição para derrotar o narcotráfico, que é o pior câncer que temos hoje na Argentina”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Acontece, no Vaticano, o segundo colóquio sobre tráfico de pessoas e narcotráfico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU