14 Abril 2015
"McKnight indiretamente deixou um alerta geral: se os candidatos não conseguirem alguma ajuda, eles poderão não conseguir alcançar o sacerdócio, como já acontece com outras carreiras", escreve John L. Allen Jr., em artigo publicado por Crux, 11-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Como os bons políticos sabem, o primeiro teste de uma liderança nova é acumular capital político suficiente para fazer as coisas. O segundo é a disposição para gastar este capital naquilo que importa, mesmo quando isso tem um custo.
Embora não seja exatamente um político – ou não somente um político –, não há dúvidas de que o Papa Francisco passou no primeiro teste. Os seus índices globais de aprovação continuam altíssimos, inclusive nos Estados Unidos.
Ele é, também, inegavelmente consequente. Francisco foi reconhecido pelos presidentes dos EUA e Cuba por pavimentar o caminho que levou à aproximação recente entre estes dois países, e o presidente russo Vladimir Putin reconheceu a sua importância na questão que envolvia os ataques militares aéreos ocidentais contra Assad, na Síria, em setembro de 2013.
Dois demonstrações de coragem e determinação por vir deverão fornecer um indicador do quão bem o Papa Francisco se sairá no segundo teste, ou seja, o quão disposto ele se encontra empregar o seu capital político na prática.
O primeiro é neste domingo, quando Francisco celebra uma missa no Vaticano em comemoração ao 100º aniversário daquilo que os armênios chamam genocídio, onde nada menos do que 1,5 milhão de armênios pereceram nas mãos dos turcos, e o que os turcos insistem em denominar de uma perda lamentável de vidas decorrente de um conflito civil.
Nesta semana, Inés San Martín, do sítio Crux, informou que no período de preparação para o aniversário, Francisco se viu cercado entre dois imperativos: denunciar o genocídio armênio como um prenúncio das ondas atuais de perseguição contra os cristãos, embora não alheando um país fundamentalmente estratégico, considerado uma força potencial para uma mediação no mundo islâmico.
Fontes vaticanas disseram sobre a missa deste domingo (12) que o pontífice provavelmente não usará a palavra “genocídio”, apesar do fato de que ele já a usou antes, e de que os papas João Paulo II e Bento XVI também a empregaram.
Francisco sabe bem o que está em jogo. Quando visitou a Turquia em novembro do ano passado, o presidente Recep Erdoğan ofereceu um acordo ao pontífice: o senhor lidera a luta contra a islamofobia no Ocidente, e eu defenderei os cristãos no Oriente Médio. Trata-se de um divisor de águas potencial; uma chance que, provavelmente, Francisco não quer desperdiçar por causa de uma disputa diplomática evitável.
Por outro lado, Francisco vem se tornando, cada vez mais, um defensor crítico da perseguição contra os cristãos. Ele acusou o mundo de “tentar ocultar” o sofrimento cristão, e até mesmo rompeu com a oposição típica do Vaticano sobre intervenções militares no Oriente Médio para oferecer um apoio, cuidadosamente circunscrito, ao uso da força contra o Estado Islâmico.
Se Francisco não der nome aos bois no aniversário do primeiro assassinato em massa de cristãos do século XX, os fiéis na linha de fogo, hoje, poderão duvidar da determinação do pontífice.
Talvez poder-se-ia argumentar que o verdadeiro teste que o Papa Francisco tem de passar é mostrar moderação, jogando ao lado dos turcos em vez de ceder a um desejo emocional de apontar culpados. Com certeza, realizar uma missa em memória destas mortes coloca o mundo em alerta, anunciando que ele – o papa – não esqueceu o que aconteceu a um século atrás.
Em todo caso, será interessante ver como Francisco irá se sair neste dilema.
O seu segundo teste de coragem e determinação acontece nos EUA, na esteira do veredicto de quarta-feira (8) em torno de Dzhokhar Tsarnaev, envolvido no bombardeio durante a Maratona de Boston. O réu foi considerado culpado em 30 acusações, incluindo 17 que levam à pena de morte.
O julgamento está, agora, entrando na fase de sentença, e líderes católicos, em todos os níveis, ver-se-ão pressionados a trazer o ensinamento da Igreja sobre a punição capital para ter alguma influência na decisão.
Liderados pelo Cardeal Sean P. O’Malley, de Boston, os bispos de Massachusetts responderam, na terça-feira (7), com uma nota sobre o caso Tsarnaev.
“O réu foi neutralizado e jamais terá, novamente, a capacidade de causar prejuízo”, lê-se no texto divulgado. “Por isso, nós, os bispos católicos da Commonwealth de Massachusetts, acreditamos que a sociedade pode fazer melhor do que aplicar a pena de morte”.
Em tese, Francisco expressou o mesmo sentimento.
Há três semanas, ele chamou a pena capital de “cruel, desumana e degradante” e disse ser esta prática algo “inaceitável”, independentemente da gravidade do crime, em uma carta à Comissão Internacional contra a Pena de Morte.
O pontífice denunciou a “terrível espera entre a emissão da sentença e a aplicação da pena”, chamando-a de uma “‘tortura’ que, em nome do devido processo, costuma durar muitos anos, e que na antecâmara da morte, muitas vezes leva à doença e à loucura”.
Francisco sabe que a pena de morte é um tema polêmico nos EUA, e que um campo forte dentro da Igreja Católica americana a defende apaixonadamente. Tendo em vista a sua viagem ao país em setembro próximo, este assunto pode ser considerado um daqueles em que a discrição parece a melhor saída.
Por outro lado, é também uma oportunidade que Francisco tem para mostrar que fala sério sobre a pena de morte, ao dizer algo que muitos americanos, incluindo membros de seu próprio rebanho, não querem de ouvir.
Para constar, há um precedente para a intervenção papal num caso de pena de morte nos EUA. Em 1999, o Papa João Paulo II apelou ao então governador Mel Carnahan, do Missouri, para poupar a vida de Darrell Mease, assassino condenado, cuja execução estava programada para acontecer enquanto o pontífice se encontrava em St. Louis. Carnahan mudou a sentença para prisão perpétua.
Em conjunto, estes dois testes de coragem e determinação podem fornecer informações sobre se o Papa Francisco é tão esclarecido sobre o seu capital político quanto o é em estocá-lo.
Sem “escola vaticana” para exorcistas
Começa nesta segunda-feira em Roma um curso anual com duração de uma semana sobre “Exorcismo e Orações de Libertação”, promovido pela Regina Apostolorum, universidade da ordem religiosa Legionários de Cristo. A formação cobre muitos assuntos a partir do contexto antropológico e social do “satanismo” sobre o que, exatamente, um exorcista faz.
Em geral, os jornalistas jamais poderiam errar nas manchetes sobre o exorcismo. Mas muitas vezes a cobertura vem com alguns enganos e conclusões precipitadas. Então, aqui irei mencionar dos casos que podem ajudar a esclarecer as coisas.
Primeiro, o curso não é de uma “escola do Vaticano”.
Ele é oferecido pelo “Sacerdos Institute”, programa de formação sacerdotal levado a cabo pelos legionários, em parceria com uma fundação privada de Bolonha chamada “Grupo de Pesquisa Sociorreligiosa e Informação”, que acompanha os movimentos New Age e o ocultismo.
Um pouco de contexto: o calendário romano está sempre repleto de seminários, congressos, minicursos, etc., oferecidos por ordens religiosas, movimentos de leigos, fundações privadas, colégios católicos, grupos ativistas, e assim por diante. Entre num hotel de Roma qualquer e encontrará, no mínimo, um destes eventos acontecendo. Embora os organizadores tentem destacar as autoridades váticas que, por vezes, participam deles como palestrantes ou visitantes, nada disso faz destas iniciativas eventos oficiais do Vaticano.
O curso sobre exorcismo é um destes casos. Ele carrega o endosso da Congregação para o Clero e algumas autoridades da Igreja fazem, como de costume, apresentações. Neste ano estará presente o cardeal italiano Mauro Piacenza, chefe da Assinatura Apostólica, o Supremo Tribunal do Vaticano.
Mesmo assim, ninguém é obrigado pelo Vaticano a participar destes eventos, não há nenhuma certificação vaticana ao final e ninguém supõe que as palavras ditas aí representam o pensamento do Vaticano sobre o assunto em questão.
Segundo, porque o nome do Rev. Gabriele Amorth aparece na lista dos que já palestraram no curso, é bem provável que alguém irá procurar o sacerdote, hoje com 90 anos, para uma entrevista sobre o atual estado da prática de exorcismo.
Uma vez a entrevista feita com ele, é bem provável que o entrevistado seja identificado como o “exorcista do papa”, designação que tem aparecido frequentemente nas reportagens na mídia ao longo dos anos e que o próprio Amorth não aceita. O problema é que a ideia – um exorcista do papa – não é verdade, nem nunca foi.
Amorth é o mais famoso exorcista vivo da Igreja Católica. O seu livro de memórias, publicado em 1944 – sob o título “Memórias de um Exorcista” – se tornou instantaneamente um clássico.
Amorth é associado a histórias de possessão marcantes de forma que se tornou uma referência obrigatória. Para constar: ele continua desempenhando suas funções de sacerdote, sendo também o presidente honorário da Associação Internacional de Exorcistas, e desde 1986 está autorizado para atuar como exorcista pela Diocese de Roma. Membro da ordem Sociedade de São Paulo, trabalhou em um pequeno escritório em Roma, recebendo pessoas que buscavam ajuda 365 dias por ano.
No entanto, Amorth não é uma autoridade vaticana e não realiza qualquer atividade oficial do Vaticano. Na realidade, talvez não exista, neste planeta, outra pessoa tão crítica da abordagem vaticana ao exorcismo do que ele.
Quando o Vaticano publicou uma versão revisada do ritual de exorcismo em 1999, Amorth objetou dizendo que as regras evitam que os exorcismos neutralizem os “feitiços malignos”, tais como a maldição e o mal-olhado, que, segundo ele, dão conta de 90% dos casos que um exorcista enfrenta. As novas regras também estipulam que os exorcismos devam ser somente conduzidos quando se tenha “certeza” da possessão demoníaca, enquanto Amorth insiste que somente se pode ter certeza de uma possessão realizando-se um exorcismo.
Em entrevista à revista 30 Giorni, Amorth amargamente se queixou de que se deparou com “recusas e desrespeito” quando tentou mudar a mentalidade das autoridades vaticanas, e disse que estava claro para ele que os chamados especialistas responsáveis por preparar o novo ritual “não têm a mínima ideia do que realmente é um exorcismo”.
Apresentar Amorth como um “exorcista do Vaticano” é, portanto, não somente impreciso, mas também, em vários sentidos, poderá ofender Amorth.
O Vaticano e embaixadores gays
Meios de comunicação franceses e italianos informaram nesta semana que a indicação de Laurent Stéfanini, experiente diplomata francês, para ser o novo embaixador do país no Vaticano estava em espera desde janeiro. Supostamente, a espera deveu-se às preocupações vaticanas, dado que Stéfanini é católico e gay assumido.
Em 2008, um cenário parecido se desenrolou quando o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, considerou mandar um enviado ao Vaticano que havia se divorciado e casado novamente no civil, e depois um outro que era abertamente gay e que vivia em união civil com um parceiro. Ambas as ideias foram desaprovadas pelo Vaticano, e agora algo semelhante pode estar prestes a acontecer sob o presidente François Hollande.
Supondo que este seja o caso, a nomeação será motivo de manchetes nos jornais. Ela é especialmente intrigante no caso do atual papado, cuja principal frase dita pelo líder máximo concernente às pessoas gays é: “Quem sou eu para julgar?”.
Eis aqui algumas informações sobre como as coisas funcionam. De início, não há nada de deselegante quanto ao Vaticano rejeitar um potencial embaixador.
Sob as regras da cortesia diplomática, antes de um Estado nomear um novo chefe de missão para representá-lo em um outro país, ele busca o que se chama de “agrément”, um consenso, junto ao governo anfitrião – isso segundo questões de segurança, ou preocupações sobre algum conflito de interesse financeiro ou político.
Em outras palavras, não é apenas o Vaticano que veta um embaixador de vez em quando. Todos os Estados têm o direito de vetar, e alguns fazem uso deste direito.
O Estado anfitrião não é obrigado a especificar uma razão para não aceitar a indicação, mas no caso do Vaticano o fundamento tem sido, tradicionalmente, a situação matrimonial da pessoa, em especial se o candidato é católico. O Vaticano não quer parecer legitimar escolhas que rompem com o ensinamento moral da Igreja, e considera-se geralmente um sinal de respeito do governo mandante não colocar o Vaticano em tal situação.
Em off, diplomatas vaticanos argumentam que fazer triagem dos possíveis embaixadores desta forma é para o bem deles próprios, desde que não serviria ao propósito de ninguém ter-se um embaixador que possa se sentir deslocado ou mantido à distância assim que chegasse à cidade-Estado.
Uma forma de os governos evitarem estas dores de cabeça é não nomear católicos como seus embaixadores.
Se perguntarmos à elite diplomática do Vaticano, os seus membros irão dizer que ninguém se preocupa com a filiação religiosa deles. O que importa é se o enviado é eficiente, ou seja: capaz de fazer as coisas acontecerem em áreas de interesses comuns.
Desde que estabelecram plenas relações diplomáticas com o Vaticano em 1984, os Estados Unidos têm insistido em nomear católicos ao posto, em parte porque os presidentes enxergam a função como uma forma de recompensar apoiadores católicos importantes. O caso de Stéfanini, no entanto, pode representar um lembrete para quem vencer as eleições nacionais de 2016, mostrando que talvez seja o tempo de repensar este costume.
Sobre os sacerdotes e o dinheiro
Nesta semana, a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA divulgou estatísticas da turma de 2015 dos novos sacerdotes do país, com a grande notícia sendo um aumento significativo no número de membros. 595 novos sacerdotes serão ordenados no país, acima dos 477 de 2014 e 497 de 2013. O aumento nos últimos anos representa uma diferença de quase 25%.
Um dado interessante sobre a colheita deste ano vem nas palavras do Rev. W. Shawn McKnight, membro da Conferência episcopal.
“Mais de 26% dos ordenados tinham débitos relativos aos seus estudos na época em que entraram para o seminário, com uma média pouco acima de U$ 22.400”, informou McKnight em nota à imprensa.
“Considerando a alta porcentagem de homens ordenados já tendo recebido um grau universitário”, completou ele, “será importante encontrarmos formas de ajudar na redução da dívida nos próximos anos”.
McKnight indiretamente deixou um alerta geral: se os candidatos não conseguirem alguma ajuda, eles poderão não conseguir alcançar o sacerdócio, como já acontece com outras carreiras. Um estudo de 2011 feito por Jesse Rothstein, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Cecilia Elena Rouse, de Princeton, descobriu que alguém que financia os estudos torna-se menos propenso a considerar um emprego de interesse público com baixa remuneração, tal como a docência.
Se a Igreja Católica fosse uma indústria preocupada em não perder jovens talentos, a resposta seria imediata e óbvia. Dioceses e ordens religiosas, pensando no futuro, empregariam o dinheiro em ajudar os seminaristas a cobrirem os empréstimos enquanto estiverem em formação, e então criar um sistema de pagar tais empréstimos com cada ano que o sacerdote se dedica a ela.
Placas de publicidade iriam brotar nos campos universitários anunciando: “Você não precisa se quebrar financeiramente para responder ao chamado de Deus!”.
O catolicismo, no entanto, segue uma espécie diferente de lógica. Basicamente, há um certo tipo de católico desconfortável com qualquer incentivo financeiro ou material sendo aplicado ao sacerdócio. Tais pessoas podem hesitar com um empréstimo desse tipo, com base no fato de que não querem candidatos entrando nos seminários para escapar de dívidas, mas sim por razões mais nobres.
Na realidade, esta não é uma maneira detestável de encarar as coisas. São Tomás de Aquino disse que a “graça pressupõe a natureza”, o que, neste caso, sugere que uma preocupação razoável pela segurança material não exclui um elemento sobrenatural de uma vocação sacerdotal. Pelo contrário, ela pode ajudar a estabelecer as bases para isso.
No passado, a Igreja absorvia o custo da educação em níveis de graduação e pós-graduação dos sacerdotes através de suas instituições. Em princípio, não há nada diferente em ajudá-los hoje a pagar as contas que fizeram alhures.
Em outras palavras, os sacerdotes são humanos, e se a Igreja quer aumentar o número deles, ela tem de pensar sobre as suas necessidades neste nível também.
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Papa é testado diante da perseguição contra cristãos e pena de morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU