Por: Cesar Sanson | 27 Março 2015
Movimentos sociais preparam campanhas em todo o país e nas redes sociais para esclarecer a população sobre a situação dos jovens e a violência no Brasil.
A reportagem é de Rodrigo Gomes e publicada pela Rede Brasil Atual - RBA, 26-03-2015.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL) afirmou nessa quinta-feira, durante sessão da CCJ, que vai colocar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, em pauta como item único em todas as sessões extraordinárias convocadas na próxima semana, até que a admissibilidade do projeto seja votada. A primeira sessão será na próxima segunda-feira (30), às 14h.
“Vai ter tempo para discutir o projeto na comissão especial da Câmara, depois nas duas votações na Câmara, mais a comissão especial no Senado, mais as duas votações”, disse Lira aos deputados que queriam mais tempo para debater a PEC. Segundo ele, a não votação da proposta está “atrapalhando os trabalhos da comissão”. A votação da admissibilidade é o que define se um projeto é ou não constitucional. Só depois disso o texto pode ir às outras comissões e ao plenário.
Um dos que reivindicou mais discussão foi Alessandro Molon (PT-RJ). Para ele, a audiência pública realizada na última terça-feira (24) não foi suficiente, pois só houve tempo para ouvir dois juristas. Um favorável e um contrário à proposta.
“Esse debate não é simples, toda essa polêmica aqui prova isso. Não queremos procrastinar. Queremos que se respeite a audiência pública. Porque votar isso com pressa e não ouvir juízes, promotores, defensore? Qual o medo que essa comissão tem de ouvir essas autoridades?”, questionou Molon.
A audiência do dia 24 durou somente uma hora, devido a uma discussão entre manifestantes contrários à PEC e o deputado Alberto Fraga (DEM-DF). Também houve fortes embates entre Molon, contrário, e Laerte Bessa (PR/DF), favorável. Os ativistas lotaram o plenário da CCJ no dia da audiência.
O vice-líder do governo, Silvio Costa (PSC-PE), considera absurda a própria discussão da proposta, que considera inconstitucional. “Perda de tempo é estarmos aqui discutindo um projeto que é claramente inconstitucional. A idade penal é cláusula pétrea. Mudar isso vai contra a dignidade da pessoa humana”, afirmou.
No entanto, grande parte dos deputados da CCJ, provavelmente a maioria, é favorável à medida e quer votá-la. O deputado Vitor Valim (PMDB-CE) protestou contra o que considera “protelações” do processo. “Esses manifestantes que aqui estão não representam a maioria da população brasileira. Esses deputados que impedem a votação estão na contramão do que quer o Brasil”, afirmou.
O potiguar Felipe Maia, dos DEM, igualmente acreditando que a redução da maioridade atende anseios populares, defendeu que a falta de audiência pública não impede de votar a matéria. “Vai chegar o momento em que esse projeto terá de ir ao plenário da Câmara. Se não for debatido e votado aqui, o presidente da Casa [Eduardo Cunha (PMDB-RJ)] vai cumprir o papel dele e atender a vontade do povo de levar o projeto à votação”, ameaçou.
Para o militante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro) Douglas Belchior, os parlamentares pretendem forçar o projeto para conseguir algum avanço na causa da redução da maioridade penal. “A estratégia é clara. Paralelo à PEC 171 tramita um projeto de lei que aumenta o tempo de internação. Os deputados favoráveis vão forçar o máximo que puderem e então vão propor o aumento do tempo de internação como uma solução de meio termo”, defendeu.
Belchior avalia que boa parte do apoio a PEC vem de um apelo popular construído pela grande imprensa, sobre um sentimento de vingança e não com o objetivo de resolver o problema. “Esses argumentos de aumento da violência dos jovens, de impunidade, não se sustenta. Também não é verdade que existe quase 100% de apoio à proposta. O que há é um posicionamento superficial e despolitizado em relação ao tema”, explicou.
Segundo ele, os movimentos sociais estão organizando campanhas em todo o país e nas redes sociais para esclarecer a população sobre a situação de vulnerabilidade da maior parcela da população jovem do Brasil. “Precisamos sair desse lugar-comum de dizer que não existe punição e que a lei não funciona. Existe sim a responsabilização. Só que a lei nunca foi aplicada em sua plenitude. E não é agora jogar o texto fora e colocar os jovens em cadeias comuns que vai resolver o problema”, afirmou.
De acordo com dados do Levantamento Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, de 2011, somente 0,09% dos jovens brasileiros entre 12 e 17 anos cumpre medidas socioeducativas por ter cometido ato infracional. O índice cai para 0,01%, se considerar a população total do país. Em relação à população carcerária total, o número de adolescentes em conflito com a lei que cumpriam medidas em centros de internação, em 2011, correspondia a 3,8% das 514 mil pessoas cumprindo penas no Brasil.
Além disso, entre 2002 e 2011 houve uma redução percentual de atos graves contra pessoa. Ao contrário do que alegam os defensores da redução da maioridade penal. O homicídio apresentou redução de 14,9% para 8,4%; a prática de latrocínio foi reduzida de 5,5% para 1,9%; o estupro, de 3,3% para 1,0%; e lesão corporal, de 2,2% para 1,3%. O roubo, o furto e o tráfico, que não constituem crimes contra a vida, respondem por cerca de 70% dos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes.
Belchior lembrou que é preciso combater a violência contra os jovens. “Essa, sim, faz vítimas todos os dias”. O serviço Disque 100, de recepção de denúncias de violação aos direitos humanos, registrou, em 2011, 120.344 atendimentos relacionados a violência contra crianças e adolescentes; 46,7% dos casos eram de violência física. A violência sexual correspondeu a outros 29,2% das denúncias.
“Nós defendemos o ECA e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Existe uma confusão gigantesca entre responsabilidade penal e maioridade penal. No Brasil a responsabilidade se dá a partir dos 12 anos. No mundo, somos um dos países que responsabiliza mais cedo e o ECA é internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do planeta. O problema é que o Estado brasileiro e os governos estaduais nunca se empenharem em transformar o texto em realidade”, completou Belchior.
O militante ressaltou que várias organizações de classe, ONGs e movimentos sociais do país são contra a redução da maioridade penal. “É preciso que elas voltem à cena para colocar suas posições”, cobrou. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público Federal (MPF) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já se posicionaram contra a proposta anteriormente, por considerá-la uma afronta à Constituição e que não resolve o problema da violência no Brasil.
Em 5 de março deste ano, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República emitiu nota técnica se posicionando contra a aprovação da PEC 171 e todas as demais 32 anexadas a ela. No dia 18, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), órgão da ONU responsável por acompanhar a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança, se declarou contra a redução da maioridade penal.
“É perturbador que um país como o Brasil esteja tão preocupado em priorizar a discussão sobre punição de adolescentes que praticam atos infracionais registrados ocasionalmente, quando torna-se tão urgente impedir assassinatos brutais de jovens cometidos todos os dias”, diz um trecho da nota do Unicef.
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Redução da maioridade penal vai a votação segunda-feira, diz presidente da CCJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU