Por: Jonas | 24 Março 2015
Três premissas que nortearam a exploração do petróleo, nos últimos anos, caíram por terra. São elas: “ano após ano, a demanda [por petróleo] continuaria aumentando; que essa demanda crescente asseguraria preços suficientemente altos para justificar os custosos investimentos em petróleo não convencional; e que a preocupação com a mudança climática não alteraria a equação de maneira significativa”. Segundo Michael T. Klare, professor de estudos pela paz e a segurança mundial no Hampshire College, “hoje, nenhum desses pressupostos é válido”. O artigo é publicado por Rebelión, 20-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Muitos foram os motivos apresentados para explicar a drástica queda do preço do petróleo, que caiu para os 60 dólares por barril (quase metade do que custava há um ano): a queda na demanda devido à estagnação global; a superprodução das reservas de xisto nos Estados Unidos; a decisão da Arábia Saudita e de outros produtores do Oriente Médio, membros da OPEC, em manter os atuais níveis de produção (provavelmente, para punir os produtores com maiores custos de produção nos Estados Unidos e outros lugares); e o fortalecimento do dólar em relação a outras moedas. No entanto, existe uma razão da qual não se fala e que poderia ser a mais importante de todas: o colapso do modelo de negócio das grandes petroleiras, baseado em maximizar a produção.
Até o outono passado, quando se consolidou a diminuição do preço, os gigantes da energia estavam funcionando a todo gás, bombeando mais petróleo do que nunca. Em parte atuavam assim, naturalmente, para se beneficiarem dos altos preços. Durante a maior parte dos seis anos anteriores, o Brent, valor de referência para o preço do petróleo cru, estava sendo vendido a 100 dólares ou mais. Por outro lado, as grandes petroleiras funcionaram com um modelo de negócio que assumia uma demanda de seus produtos cada vez maior, por mais custosos que pudessem resultar sua produção e refinaria. Isto fez com que nenhuma reserva de combustíveis fósseis, nenhuma fonte de fornecimento potencial – sem importar a dificuldade de acesso, a distância que se encontrasse mar adentro ou nas profundidades – fosse considerada intocável na luta doentia para aumentar a produção e os benefícios.
Nos últimos anos, esta estratégia de maximização da produção gerou uma riqueza fabulosa para as grandes empresas petroleiras. Só em 2013, Exxon, a maior produtora de petróleo estadunidense, lucrou os impressionantes 32,6 bilhões de dólares, mais do que qualquer outra companhia estadunidense, exceto a Apple. Naquele mesmo ano, Chevron, a segunda produtora de petróleo, contabilizou lucros de 21,4 bilhões de dólares. As companhias nacionais, como a saudita Aramco e a russa Risbeft, também obtiveram benefícios colossais.
Contudo, como as coisas mudaram em questão de meses, com a demanda estagnada e o excesso de produção, a mesma estratégia com a qual haviam alcançado benefícios sem igual se tornou, de repente, totalmente disfuncional.
Para poder entender a difícil situação que a indústria energética atravessa é necessário retroceder uma década, até o ano de 2005, quando, pela primeira vez, foi utilizada a estratégia de maximização da produção. Naquele momento, as grandes petroleiras se encontravam em uma conjuntura decisiva. Por um lado, muitas das reservas petrolíferas existentes estavam sendo esgotadas a um ritmo desenfreado, o que levou os especialistas a prognosticar um iminente “zênite” na produção mundial de petróleo, seguido de um descenso irreversível; por outro, o rápido crescimento econômico da China, Índia e de outros países em desenvolvimento estava provocando um aumento estratosférico na demanda de combustíveis fósseis. Naqueles mesmos anos, a preocupação com a mudança climática começava a ganhar força, ameaçando o futuro das grandes petroleiras e pressionando para se investir em formas de energia alternativas.
Um “mundo feliz” de petróleo difícil
Ninguém captou melhor aquele momento do que David O’Reilly, então presidente e conselheiro delegado da Chevron. “Nossa indústria se encontra em um ponto de inflexão estratégico, um lugar único em nossa história”, disse em uma reunião de diretores da indústria petroleira, realizada em fevereiro. “O elemento mais visível desta nova equação”, explicou em um discurso batizado por alguns observadores como o de um “mundo feliz”, “é o relativo à demanda, já não contaremos com petróleo abundante”. Apesar do fato de que a China estava sugando as reservas de petróleo, carvão e gás natural em um ritmo assombroso, O’Reilly tinha uma mensagem para esse país e o resto do mundo: “A era do petróleo fácil acabou”.
Para prosperar nesse ambiente, explicou O’Reilly, a indústria petroleira teria que adotar uma nova estratégia. Teria que olhar para além dos recursos de fácil extração que a havia sustentado no passado e realizar enormes investimentos para extrair o que a indústria chama de “petróleo não convencional”, e o que eu denominei, então, como “petróleo difícil” [“tough oil”]: recursos que se encontram localizados muito distantes da costa, nos hostis ambientes do extremo norte, em lugares politicamente perigosos como o Iraque ou em formações rochosas de xisto. “O abastecimento futuro”, insistiu O’Reilly, “dependerá cada vez mais de recursos encontrados em águas ultraprofundas e em regiões longínquas, projetos de desenvolvimento que requererão novas tecnologias e o investimento de bilhões de dólares em novas infraestruturas”.
Para os grandes executivos da indústria como O’Reilly parecia evidente que os gigantes da energia não tinham alternativa. Seria necessário investir esses bilhões de dólares em projetos de petróleo difícil ou perder campo para outras fontes de energia, cortando o fluxo de benefícios. Certo, o custo de extrair petróleo não convencional seria muitíssimo maior que o de obter petróleo convencional facilmente acessível (isso sem falar dos perigos ambientais), mas isso seria um problema para o mundo, não seu.
“Estamos assumindo o desafio de maneira conjunta”, declarou O’Reilly. “A indústria está realizando importantes investimentos para aumentar a capacidade de produção futura”. Dentro desta conjuntura, Chevron, Exxon, Royal Dutch Shell e outras grandes companhias investiram enormes quantidades de dinheiro e recursos em uma corrida pelo petróleo e o gás não convencional, uma epopeia extraordinária que narrei em meu livro “The Race for What’ts Left". Algumas, incluindo a Chevron e a Shell, começaram a perfurar em águas profundas do Golfo do México; outras, entre elas a Exxon, puseram em andamento projetos no Ártico e na Sibéria Oriental. Praticamente todas elas começaram a explorar as reservas de xisto dos Estados Unidos, por meio da fratura hidráulica.
Somente um alto executivo questionou o enfoque “perfure, baby, perfure” [drill-baby-drill]: John Browne, o então diretor executivo da BP (British Petroleum). Ao destacar que a base científica da mudança climática era suficientemente convincente para ser negada, Browne argumentou que os gigantes energéticos deveriam olhar “para além do petróleo” e dedicar importantes recursos às fontes alternativas de abastecimento.
“A mudança climática é uma questão que apresenta interrogações fundamentais a respeito da relação entre as companhias e a sociedade como um todo, e entre uma geração e a seguinte”, declarou em 2002. Para a BP, apontou, isso significava desenvolver a energia eólica, a solar e os biocombustíveis.
Não obstante, Browne foi afastado da BP, em 2007, justamente quando o modelo de negócio das grandes petroleiras, baseado em maximizar a produção, estava decolando, e seu sucessor, Tony Hayward, abandonou rapidamente a estratégia que apontava “para além do petróleo”. “É possível questionar se o crescimento [da energia mundial] deve provir dos combustíveis fósseis”, disse em 2009. “Contudo, aqui, é vital que enfrentemos a dura realidade [da disponibilidade de energia]”. Apesar da crescente ênfase nas renováveis, “ainda contemplamos que, para 2030, 80% da energia produzida virão de combustíveis fósseis”.
Sob a direção de Hayward, a BP interrompeu em grande medida sua pesquisa a respeito de formas alternativas de energia e reafirmou seu compromisso com a produção de petróleo e gás, quanto mais difícil melhor. Seguindo os passos de outros gigantes energéticos, a BP correu para explorar o Ártico, as águas profundas do Golfo do México e as areias betuminosas do Canadá, uma forma de energia particularmente suja e muito difícil de produzir. Em sua campanha para se tornar a maior produtora do Golfo, a BP aperfeiçoou a perfuração de uma reserva petroleira no mar profundo, ao que chamou Macondo, provocando a explosão da plataforma Deepwater Horizon, em abril de 2010, e o devastador derramamento de enormes proporções de petróleo que a acompanhou.
À beira do precipício
Em fins da primeira década deste século, as grandes petroleiras, juntas, abraçaram a nova estratégia de maximização da produção: “perfure, baby, perfure”. Realizaram os investimentos necessários, aperfeiçoaram a tecnologia para extrair o petróleo difícil e, de fato, impuseram-se contra a baixa nas reservas de “petróleo fácil” existentes. Assim, conseguiram aumentar a produção de maneira notável, incorporando reservas de petróleo cada vez mais difíceis de acessar.
Segundo a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos (EIA, em inglês), a produção mundial de petróleo subiu de 85,1 milhões de barris diários, em 2005, para 92,9 milhões, em 2014, apesar da baixa contínua em muitas reservas na América do Norte e no Oriente Médio. Há um ano, quando afirmou que os investimentos da indústria em novas tecnologias de perfuração haviam afastado o fantasma da escassez de petróleo, o último conselheiro representante da BP, Bod Dudley, afirmou ao mundo que as grandes petroleiras estavam se expandindo e que a única coisa que atingiu o limite era “a teoria do zênite do petróleo”.
Isso, é claro, ocorreu precisamente antes que o preço do petróleo despencasse e imediatamente colocou em questão a pertinência de continuar extraindo petróleo em níveis recorde. A estratégia de maximização da produção, esboçada por O’Reilly e os outros conselheiros representantes, baseava-se em três premissas fundamentais: que, ano após ano, a demanda continuaria aumentando; que essa demanda crescente asseguraria preços suficientemente altos para justificar os custosos investimentos em petróleo não convencional; e que a preocupação com a mudança climática não alteraria a equação de maneira significativa. Hoje, nenhum desses pressupostos é válido.
A demanda continuará aumentando – isso é inegável, dado o crescimento esperado da população e dos ingressos mundiais –, mas não ao ritmo em que as grandes petroleiras estavam acostumadas. É preciso levar em consideração o seguinte: em 2005, quando muitos dos investimentos mais importantes em petróleo não convencional estavam em sua fase inicial, a EIA prognosticou que a demanda de petróleo atingiria os 103,2 milhões de barris diários, em 2015; no momento atual, rebaixou esse número para 93,1 milhões de barris. Esses 10 milhões de barris diários de consumo esperados, dados como “perdidos”, talvez não pareçam muito considerando o número total, mas não se pode esquecer que os investimentos multimilionários das grandes petroleiras em energia difícil se baseavam na materialização dessa demanda ampliada, a qual justificaria os altos preços necessários para compensar os crescentes custos de extração. No entanto, com o desaparecimento de muita da demanda antecipada, os preços estavam destinados a cair.
As indicações atuais sugerem que o consumo continuará sendo inferior ao esperado nos próximos anos. Em uma análise das tendências futuras, publicada no mês passado, a EIA destacou que, em razão da deterioração das condições econômicas globais, muitos países experimentarão um abrandamento no crescimento ou, melhor, uma redução real no consumo. Prevê-se, por exemplo, que o consumo da China cresça apenas 0,3 milhão de barris diários, durante este ano e no próximo; muito longe do aumento de 0,5 milhão de barris diários que experimentou em 2011 e 2012, e de um milhão de barris em 2010. Entretanto, na Europa e no Japão se prevê um descenso do consumo durante os próximos dois anos.
A Agência Internacional de Energia (AIE), um dos braços da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, o clube dos países ricos e industrializados), sugere que este abrandamento da demanda provavelmente continue para além de 2016. Ainda que a AIE tenha dito que os baixos preços da gasolina poderiam estimular um aumento do consumo nos Estados Unidos e em outros poucos países, a maioria deles não experimentará esta melhora e, por isso, segundo este organismo, “a recente queda nos preços só terá um impacto marginal no crescimento da demanda, no que resta desta década”.
Dito isto, a AIE acredita que o petróleo manterá um preço médio de 55 dólares por barril, em 2015, e que não voltará a atingir os 73 dólares até 2020. Estes números estão muito abaixo do necessário para justificar o investimento e a exploração do petróleo difícil como as areias betuminosas canadenses, o petróleo do Ártico e numerosos projetos de xisto. De fato, a imprensa econômica está repleta de relatórios sobre megaprojetos energéticos parados ou suspensos. A Shell, por exemplo, anunciou em junho que havia abandonado seus planos de construir uma empresa petroquímica no Qatar, cujo investimento era de 6,5 bilhões de dólares, citando o “clima econômico atual que prevalece na indústria energética”. Ao mesmo tempo, a Chevron interrompeu seu plano de perfurar no mar de Beaufort, e a norueguesa Statoil virou as costas para a perfuração na Groelândia.
Existe, além disso, outro fator que ameaça o bem-estar das grandes petroleiras: a mudança climática já não pode ser excluída de nenhum modelo de negócio energético futuro. As pressões para que se enfrente um fenômeno que poderia aniquilar, no sentido mais autêntico da expressão, a civilização humana são cada vez maiores. Ainda que nesses anos as grandes petroleiras tenham gastado enormes quantidades de dinheiro em uma campanha para levantar dúvidas sobre a base científica da mudança climática, cada vez são mais as pessoas que estão começando a se preocupar por seus efeitos – condições meteorológicas extremas, tormentas mais intensas, períodos mais longos de seca, aumento do nível do mar e outros – e exigem que os governos atuem para reduzir o alcance da ameaça.
A Europa já adotou medidas para reduzir as emissões de carbono em 20%, para 2020, em comparação aos níveis de 1990, e para conseguir maiores reduções nas próximas décadas. A China, ainda que continue aumentando sua dependência dos combustíveis fósseis, finalmente prometeu ao menos alcançar o topo de suas emissões de carbono em 2030 e aumentar o uso de fontes de energias renováveis até chegar a 20% da energia total neste mesmo ano. Nos Estados Unidos, os cada vez mais rigorosos padrões de eficiência energética farão com que os carros vendidos em 2025 rendam uma média de 54,5 milhas por galão, o que reduziria a demanda estadunidense de petróleo em 2,2 milhões de barris diários. (É claro, o Congresso, com maioria republicana e fortemente subsidiado pelas grandes petroleiras, fará tudo o que for possível para erradicar as restrições ao consumo de combustível).
No entanto, apesar da insuficiente resposta que se deu até agora aos perigos da mudança climática, a questão continua sendo o mapa energético, e sua influência global na política só pode aumentar. Independente se as grandes petroleiras estão preparadas para admitir este fato ou não, a energia alternativa já está na agenda mundial e não há retorno. “Estamos em um mundo diferente daquele que existia na última vez em que vimos uma queda estrondosa do preço do petróleo”, disse, em fevereiro, Maria van der Hoeven, diretora executiva da IEA, referindo-se ao colapso econômico de 2008.
“As economias emergentes, em especial a China, entraram em fases de desenvolvimento menos intensivas em petróleo... Além disso, as preocupações com a mudança climática estão influenciando as políticas energéticas [e por isso] as renováveis estão cada vez mais generalizadas”.
Naturalmente, a indústria petroleira está esperando que a atual queda do preço se inverta logo e que com níveis de 100 dólares o barril volte o seu modelo de maximização da produção, que agora está se afundando. No entanto, estas esperanças de retorno à “normalidade” são quimeras energéticas. Como sugere Van der Hoeven, o mundo mudou de maneira significativa e pelo caminho destruiu as bases sobre as quais descansava a estratégia de maximização da produção das grandes petroleiras. Os gigantes energéticos terão que se adaptar às novas circunstâncias reduzindo sua atividade, ou melhor, enfrentar o risco de ser absorvidos por companhias mais hábeis e agressivas.
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A verdadeira história por trás da queda do preço do petróleo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU