Por: Cesar Sanson | 23 Março 2015
Ninguém pagou ainda pela morte da auxiliar de limpeza, arrastada por uma viatura no Rio.
Poderia ter sido mais uma morte por um projétil sem rumo, mas um vídeo amador transformou o caso de Claudia Silva Ferreira, de 38 anos, num dramático exemplo de como a vida perde valor no Brasil. Atingida por dois disparos em um tiroteio entre policiais e traficantes em uma favela do Rio, o corpo inerte da auxiliar de limpeza foi trancado pelos agentes no porta-malas da viatura e encaminhado – teoricamente para ser socorrida apesar de já estar morta – para um hospital. O porta-malas abriu e durante 350 metros o corpo de Claudia foi arrastado e dilacerado à vista de todos. “Eles arrastaram minha mãe como se fosse um saco”, gritou a filha mais velha, Thaís Silva, de 18 anos na época do crime, após encontrá-la sem vida.
A reportagem é de María Martín, publicada por El País, 20-03-2015.
Claudia que, após ter sido atingida não mereceu nem ser transportada no banco de trás do veículo onde os policiais levavam armas e equipamento, cuidava de oito crianças, quatro filhos e quatro sobrinhos. Na última segunda-feira, a morte completou um ano, sem que ninguém tenha sido punido até hoje.
Os seis agentes envolvidos no tiroteio e no traslado do corpo não foram julgados, tampouco foram expulsos da Polícia Militar, embora a corporação tenha autonomia para isso independentemente de decisões judiciais. Todos eles foram afastados das suas funções na rua, mas continuam fazendo trabalhos internos. A prisão temporária máxima dos agentes foi de 30 dias, apesar dos acusados terem um currículo sangrento: pelo menos 69 pessoas morreram em supostos tiroteios com dois dos acusados desde 2000, segundo publicou o jornal Estado de S. Paulo.
Enquanto isso, a Justiça do Rio leva um ano só para determinar quem julgará o caso, se um tribunal comum ou um militar. O conflito ainda está no entendimento do crime, se se trata de um homicídio com ou sem intenção de matar. O Ministério Público do Rio defende que o caso seja enviado à 3ª Vara criminal, e julgado por um júri de sete cidadãos, porque entende que os dois policias que entraram atirando na favela de Madureira em uma operação contra o tráfico tinham intenção de matar. Eles, segundo o promotor do caso, deveriam ser julgados por homicídio doloso, com penas de 12 a 30 anos de prisão, e não por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. No caso do crime ser entendido como homicídio culposo, punido com 6 a 20 anos de reclusão, o julgamento deveria seguir em um tribunal militar, onde apenas um magistrado se manifesta. O juiz ainda não se pronunciou sobre o destino do processo.
O irmão de Claudia, Júlio César, lamenta o esquecimento do caso e descreve algumas das rotinas que não permitem à família virar a página. “As crianças começam a chorar de repente, você pergunta por que, mas elas não querem falar. Aí você insiste e te dizem que estavam lembrando da mãe. Este ano tem sido complicado mesmo”, conta pelo telefone. “Os aniversários são difíceis, era ela quem fazia os bolos e sempre brincava com as crianças. Sempre participava, não importava se a brincadeira era de homem ou mulher, ela sempre estava com elas”.
O único a responder até agora pelo caso foi o Estado do Rio de Janeiro que, além de uma indenização por danos morais e materiais, paga uma pensão mensal ao marido e quatro filhos dela. O dinheiro cairá na conta da família até agosto de 2040, quando Claudia completaria 65 anos se uma bala não tivesse atravessado o seu coração.
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Um ano sem Claudia e sem culpados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU