Por: Cesar Sanson | 09 Março 2015
“A novidade da Lava-Jato é que pela primeira vez aparecem as figuras dos corruptores. Antes a corrupção era sempre algo que acontecia sem autor. Era como a imaculada concepção, não havia quem fizesse o mal, embora o mal estivesse feito”. O comentário é de Renato Janine Ribeiro, filósofo, em entrevista publicada pelo jornal O Globo, 07-03-2015.
Eis a entrevista.
Qual é a origem da prática de se tratar a coisa pública como privada?
A corrupção da Lava-Jato não destoa da linha histórica do país, que, em sua origem, tem o patrimonialismo ibérico, de Portugal. Mas estamos independentes há 200 anos. Portanto, isso não é mais problema deles, é nosso. A separação entre público e privado aqui não é de pedra e cal, como nos EUA. O Brasil tem uma cultura política muito pobre, a única forma que a maior parte das pessoas tem para conceituar sua divergência de um político é dizer que ele é ladrão. Daí achamos que quando um país funciona é porque ele não tem roubo.
O financiamento empresarial de campanha é um fator comum no mensalão e na Lava-Jato. Ele favorece a corrupção?
O problema está vinculado ao financiamento: se a campanha é cara e demanda dinheiro pesado, esse dinheiro é dado em troca de algo. Se você doa como indivíduo, pode estar motivado por ideais, por preferências por políticas. Mas empresas só têm o incentivo de contribuir se conseguem tirar vantagens, e essas vantagens não são republicanas. Empresa não é eleitor. A regra número um de uma empresa é a busca do lucro. Qual é o lucro de uma empresa que financia um candidato? É um lucro sujo.
O fato de empresários ricos e políticos já terem ido parar atrás das grades revela algum prenúncio de mudança num país em que a Justiça sempre foi mais rigorosa com ladrões de galinha?
Podemos ter esperança. A novidade da Lava-Jato é que pela primeira vez aparecem as figuras dos corruptores. Antes a corrupção era sempre algo que acontecia sem autor. Era como a imaculada concepção, não havia quem fizesse o mal, embora o mal estivesse feito. Claro que esses empresários têm que ter defesa, tem que ser tudo apurado e julgado. Não temos que ficar contentes só porque eles foram presos. Temos que ficar contentes porque, caso forem condenados, a Justiça no Brasil finalmente começa a ser aplicada aos ricos e não só aos pobres.
Como o senhor vê a situação da presidente Dilma diante da crise política provocada a partir da Lava-Jato?
Há um descontentamento grande com o governo. Até porque o governo descumpriu promessas da eleição sem dar excelentes explicações. A Dilma e os ministros tinham que ir à TV todo dia. É um erro grande da Dilma não perceber que fazer política democraticamente é explicar o tempo todo. A Dilma parece ter uma ideia de que comunicação é contratar um assessor de imprensa que embale qualquer coisa de maneira bonita. Como se não tivesse a ver com conteúdo, fosse uma questão de forma. Há uma deficiência muito grande do governo nisso.
A insatisfação justificaria a queda do governo?
A única maneira de retirar uma pessoa do poder no presidencialismo de coalizão é acusar a pessoa de crime. Não democracia, não há um instrumento de “cansou”, de “não queremos mais”, como no parlamentarismo. Então como você vai retirar um governo cuja chefe não cometeu ilegalidade e, no entanto, há descontentamento com ele? É a grande questão que ronda o país. Vai se forçar a renúncia dela? A renúncia é uma decisão unilateral. E, além disso, na linha de sucessão há três cabeças do PMDB, duas na mira da Lava-Jato.
O senhor declarou voto na Dilma. Se sente enganado por ela?
Na situação que estava, foi o melhor voto, mas não quer dizer que esteja satisfeito. Me sinto enganado no sentido de que houve um compromisso implícito de que ela mudaria o estilo de governo, ia parar de governar pela braveza e dialogar e delegar mais. Ela o cumpriu limitadamente quando nomeou um ministro que praticamente não pode demitir, o Joaquim Lévy. Dilma tem a imagem de quem não dialoga e isso não é bom para um presidente.
Como interpretar o fato de que só se consiga desnudar um caso como esse por meio de delação premiada?
É um sistema-padrão para quebrar a coesão de uma quadrilha. É preciso jogar um criminoso contra outro e desfazer laços de lealdade. É legítimo fazer isso, é o único meio de se quebrar uma máfia. É ético? Sim, pelo resultado final, mas não pelo meio. Temos que garantir que o delator vá pagar alguma pena, mesmo pequena. Se não, há o risco de o crime se tornar vantajoso.
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“A novidade da Lava-Jato é que pegou os corruptores” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU