05 Março 2015
Em um livro publicado pelas edições Du Cerf, intitulado Tout amour véritable est indissoluble [Todo amor verdadeiro é indissolúvel], Dom Jean-Paul Vesco, bispo de Orã, Argélia, afirma que a Igreja pode mudar a disciplina sobre os divorciados em segunda união sem pôr em discussão a doutrina sobre a indissolubilidade do matrimônio, mas, ao contrário, para honrá-la ainda mais. São raros os bispos que decidiram oferecer a sua contribuição pública para o debate iniciado pelo Papa Francisco entre os dois Sínodos sobre a família.
A reportagem é de Bruno Bouvet e Céline Hoyeau, publicada no jornal La Croix, 02-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Por que escrever um livro sobre os divorciados em segunda união?
A disciplina da Igreja em relação aos divorciados em segunda união me fere e, na verdade, me repugna há muito tempo, por causa da violência inútil que inflige as pessoas envolvidas, sem nenhuma distinção quanto à sua situação individual. Eu também sofro pelo mal que essa disposição causa à imagem da Igreja, porque é como um contratestemunho. Para mim, não se trata de pôr em discussão a indissolubilidade do matrimônio sacramental. Este é a mais alta realização do projeto de Deus para o homem e a mulher.
Creio, no entanto, que a doutrina clássica sobre o matrimônio autoriza outra disciplina, em caso de segunda união. A atual, que priva aqueles que se casam de novo do sacramento da reconciliação e da eucaristia, não é respeitada por quase ninguém. Conheço muito poucos pais, cujos filhos se divorciaram, que rezam para que eles não se casem de novo. Algumas pessoas, por fidelidade ao primeiro "sim" que pronunciaram, decidem não se casar. É uma ótima coisa que a Igreja encoraje a escolha do celibato, porque é um sinal magnífico da indissolubilidade do amor. Mas é uma vocação pessoal e não pode ser a única via imposta de fora.
Entrar em uma nova união depois do fracasso de um primeiro matrimônio não significa renunciar ao apelo à santidade de todo batizado. Não podem ser fechadas todas as portas depois de um primeiro casamento, sob o risco de se absolutizar ou, melhor, de se ideologizar a indissolubilidade do matrimônio. Em nome da indissolubilidade, a Igreja não tem o poder de pedir que as pessoas que contraíram uma segunda união fiel se separem.
Mas isso não corre o risco de desencorajar todos aqueles que buscam permanecer fiéis à sua primeira união?
A Igreja reconhece, no número 83 da Familiaris consortio, que um matrimônio pode fracassar, que às vezes é melhor romper uma união e que é possível ser inocente nessa ruptura. Ela também diz que é oportuno distinguir as responsabilidades, mas não tira as consequências dessas distinções. E assimila a um adultério qualquer outra relação depois do divórcio. Para mim, essas palavras são terríveis. Uma doutrina de verdade não pode entrar em contradição com a verdade das pessoas.
Tomando essa posição entre os dois Sínodos sobre a família, o senhor não tem medo de aumentar a confusão e de focar o debate apenas no problema dos divorciados em segunda união?
Na realidade, esse livro nunca deveria ter sido escrito, porque há muito tempo a Igreja não deveria mais tratar como adúlteras as pessoas que são fiéis há anos a uma segunda união, em nome de Cristo. Os divorciados em segunda união não deveriam mais ser um assunto para o Sínodo, que, com efeito, tem muito outros temas importantes para abordar. Tratemos disso rapidamente e passemos para a próxima questão.
Como bispo, o senhor não tem medo de participar de uma forma de oposição na Igreja?
O que eu temo é de ser instrumentalizado por aqueles que julgam a Igreja como retrógrada. Eu estou totalmente inserido na Igreja. O que me repugna é vê-lo arruinada, visada sobre esse problema. Situo-me no debate aberto pelo próprio Papa Francisco, com o convite de um questionário a todos os batizados. Para viver a sinodalidade, ofereço elementos para o debate. O papa faz as perguntas, eu respondo.
O que o senhor espera do próximo Sínodo?
Gostaria que a Igreja pudesse dar aos ministros da reconciliação a permissão de permitir que certas pessoas possam enfrentar o seu passado, considerar as razões da ruptura, examinar a sua responsabilidade, para poderem pedir perdão por essa ruptura. Não um direito ao perdão, mas um direito de poder pedir perdão.
Mas, ao mudar a disciplina, não é posta em discussão a doutrina da Igreja?
Ninguém põe em discussão a doutrina da indissolubilidade. As pessoas que sofrem pelo fato de não poderem ter acesso à comunhão sofrem justamente porque acreditam nela. Mas a indissolubilidade não pode ser reduzida ao matrimônio sacramental. O sacramento é uma consagração da indissolubilidade de um amor verdadeiro entre o homem e a mulher. Esse amor é o sinal de uma realidade mais elevada e é infinitamente forte e frágil. Que se caracterize esse sinal dizendo que só é possível se casar uma vez, tudo bem. Mas, se não se permite o acesso ao sacramento da reconciliação, então é uma doutrina que se torna opressora e injusta. Mas eu acho que ela é justa. Portanto, é o nosso modo de implementá-la que não o é. Eu também acredito que se possa mudar a disciplina a sermos mais aderentes à doutrina. Se qualquer coisa, nas minhas declarações, puser em jogo a essência da fé, me retratarei e pedirei perdão. Mas que me expliquem isso, porque hoje eu não entendo.
Foto: La Croix
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''Os divorciados em segunda união não deveriam mais ser um problema para a Igreja'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU