Por: André | 04 Março 2015
A partir do contato com meninas que sofreram abusos, na época em que era professora, Karlijn Demasure (foto) publicou uma tese sobre o acompanhamento espiritual das vítimas, antes de ajudar a Igreja católica a tratar os seus próprios casos.
Fonte: http://bit.ly/1Efx4Zc |
A reportagem é de Sébastien Maillard e publicada no sítio do jornal francês La Croix, 02-03-2015. A tradução é de André Langer.
O centro para a proteção da infância, cujo lançamento aconteceu no dia 16 de fevereiro passado, vai desenvolver atividades de prevenção e pesquisa sobre esse “problema humano infindável”.
As mesas estão dispostas de tal maneira que parece que nunca serão usadas, as paredes estão impecáveis como após uma pintura fresca e as prateleiras ainda estão esparsas. Mas os títulos de alguns livros e relatórios encontram-se devidamente em suas prateleiras. O Centre for Child Protection, que está sendo montado, irá desenvolver formação para tratar e prevenir os abusos sexuais de menores.
Um campo de ensino e pesquisa para Karlijn Demasure, sua diretora. O tamanho do curriculum vitae desta universitária belga de 60 anos não a impede de ser simples no contato e de manter o humor na conversa. Uma maneira, talvez, de não se deixar invadir pela gravidade do tema que ela estuda desde “meados dos anos 1990”.
Confidente de alunos, ela descobre que uma delas foi abusada pelo seu pai
Karlijn Demasure restabelece, então, em Louvaina, uma carreira profissional interrompida durante 10 anos para a criação dos seus quatro filhos. Antes, a família morou no ex-Congo belga, onde o seu marido e ela formavam catequistas. Karlijn Demasure tinha 40 anos quando começou o doutorado em Teologia Prática. Paralelamente, ela dava aulas de religião em escolas de ensino médio belgas. Confidente de alunas, ela descobre que uma delas é abusada por seu próprio pai. “Outras meninas passaram a falar sobre isso”, lembra. “Era também o ano do caso Dutroux”.
Este sofrimento do qual é preciso se reabilitar, desta relação de poder da qual é preciso se libertar, deste perdão a ser buscado, Karlijn Demasure decide transformar em seu tema de doutorado. Ajuda-a Teologia da Libertação “assentada sobre a questão da vulnerabilidade”, assim como os escritos de Paul Ricoeur. “Ninguém ainda havia tratado deste tema”, recorda. Sua tese, defendida em 2003, está sobre sua mesa em meio a outros livros.
Sua relação com o tema era acadêmica. Não visava a Igreja: “Tratava-se de definir um acompanhamento psicoespiritual das vítimas, sem tratar do clero”. Mas ela sabe que esse último também está envolvido, uma vez que casos vieram à tona nos Estados Unidos e na Europa, em particular na muito católica Irlanda. Enfim, na própria Bélgica, em 2010.
Um momento “de provação”
Karlijn Demasure foi chamada para trabalhar na Comissão Adriaenssens, criada pela Conferência dos Bispos da Bélgica após um escândalo de pedofilia que envolvia diretamente um bispo. Um momento “de provação”: “Eu estava acostumada a recolher os testemunhos de vítimas. Mas não de tratar de 400 casos em seis semanas”, admite, chateada com o repentino afluxo de casos.
Mas sua fé não se abalou. Esta fé sólida não veio dos seus pais. Se eles a batizaram na sua região natal de Courtrai foi simplesmente por tradição e se eles a enviam a uma escola católica é pela qualidade da sua formação. Mas graças às irmãs desta escola, Karlijn Demasure descobriu a fé e um lado aberto da Igreja. “As irmãs nos falavam também de Sartre e de Simone de Beauvoir, nos faziam ler Hugo Claus”. Apesar das reticências de seu pai, a jovem parte em seguida para Louvaina, onde realiza seus estudos para tornar-se professora de religião. Ela encontrará ali o seu marido, que, atualmente, trabalha no Vaticano.
Roma permite que o casal se encontre novamente após anos distantes um do outro, durante os quais ela lecionava no Canadá, na Universidade Saint-Paul de Ottawa. Em sua casa, situada na zona rural de Roma, eles podem receber seus filhos e seus dois netos. “E um terceiro está a caminho”, sorri.
“O objetivo é atingir a África francófona”
O centro de Karlijn Demasure ainda está incipiente. Anexado à Gregoriana, a pontifícia universidade jesuíta, foi oficialmente apresentado no dia 16 de fevereiro. No entanto, as suas origens remontam a um projeto piloto concebido há dois anos pela diocese de Munique, após o escândalo de pedofilia ocorrido na Alemanha.
Desde a transferência do centro para Roma, “o coração da Igreja”, a professora Demasure e sua pequena equipe de oito pessoas estão revisando todo o currículo de formação. Um trabalho feito em conjunto com a universidade jesuíta norte-americana de Georgetown. As aulas a distância serão em inglês e italiano. Mas também em francês, graças a um financiamento do episcopado belga. “O objetivo é atingir a África francófona”, justifica Karlijn Demasure, convidada em abril próximo para uma formação em Madagascar. O problema ainda é tabu nessas regiões, mas o Vaticano sabe que ele existe por conta dos casos que chegam à Congregação para a Doutrina da Fé.
“O problema não acabou na Igreja”, insiste aquela que recebe inúmeros apelos de ajuda em sua caixa de correio. “Há abusos acontecendo neste momento em que estamos falando”.
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Teóloga belga coordenará o novo centro sobre os abusos sexuais na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU