Por: Jonas | 26 Fevereiro 2015
“Assim como outros governantes progressistas da região, Mujica abriu mão dos assessores de imagem e foi estrategista de si mesmo. Não obstante, sua relação com os meios de comunicação e seus jornalistas contou com certas condições de possibilidade que nem sempre ocorreram no Brasil, Bolívia, Argentina, Equador e Venezuela”, escreve o cientista político Iván Schuliaquer, em artigo publicado por Página/12, 25-02-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
“Vou melhor do que o governo”, disse certa vez o presidente uruguaio José Mujica. Essa tensão entre sua pessoa e seu trabalho, entre o que vive em um rancho e o que conduz um país, entre o sábio e o gestor, foi central na construção de legitimidade de quem se transformou no “presidente mais pobre do mundo” e no símbolo que, segundo o chanceler Luis Almagro, permitiu que deixassem de confundir o Uruguai com o Paraguai. O reconhecimento mundial de Mujica se deve muito à repercussão de sua personalidade nos meios de comunicação internacionais, mas a emergência de sua liderança seria inexplicável sem os meios de comunicação nacionais. Pois bem, como construiu sua relação com eles?
Ex-guerrilheiro, sequestrado e torturado pela ditadura, Mujica forjou o núcleo de seu vínculo com os meios de comunicação desde que assumiu como deputado, em 1995. Além de seu passado, outros elementos o tornariam um fora de série para a política uruguaia: era desalinhado, andava de motocicleta e vivia em um rancho. Isso, combinado com seus discursos humanistas e contundentes, cativou muitos de seus interlocutores. Entre os primeiros, houve três jornalistas. Dois trabalham no semanário conservador Búsqueda e o outro no Canal 10, um dos líderes de audiência da televisão uruguaia. Em seus dias no Palácio Legislativo, os jornalistas passavam muito tempo no escritório de Mujica e construíram uma relação de confiança com ele. Desde então, começaram a lhe dedicar linhas e minutos.
Mujica, que já era o líder do Movimento de Participação Popular – a força política da Frente Ampla mais votada nas últimas três eleições presidenciais -, ampliou cada vez mais sua presença nos meios de comunicação. Sua voz e sua imagem se tornaram ainda mais conhecidas e populares. Esse caminho, que teve uma escala como ministro da Agricultura, desembocou em sua chegada à presidência em 2010.
Desde então, muitos o qualificam como o governante mais acessível da história uruguaia. E para os meios de comunicação parece certo: em quase todos seus atos atende os jornalistas. Nesses momentos, Mujica, assim como outros presidentes progressistas da região, mostra-se em ação. O político já não vai ao estúdio de televisão para falar com o jornalista, agora ele recebe os meios de comunicação enquanto governa: inaugura, anuncia, decide, administra. A isso, somam-se as entrevistas em sua chácara: sítio onde recebeu numerosos meios de comunicação internacionais que, maravilhados, quiseram ver e mostrar onde vive.
Para além desses encontros com diferentes jornalistas e dos contatos mais ou menos formais que – assim como os presidentes que o precederam – teve com os empresários da comunicação, Mujica privilegiou a dois meios de comunicação em particular. Búsqueda e Canal 10 receberam as informações exclusivas e foram os cenários que escolheu para marcar agenda ou para responder diferentes debates. Essas notas em meios de comunicação líderes, com linhas editoriais que não concordam com o governo, foram feitas por jornalistas que conhece há quase duas décadas. Esse vínculo entre jornalistas e presidente, que não ficou isento de brigas pela tensão entre a lógica jornalística e a lógica governamental, foi mutuamente benéfico. Para Mujica permitiu fazer seus debates a partir de cenas massivas e ampliar o horizonte de destinatários através de quem confia. Aos jornalistas permitiu contar com as exclusivas da figura política mais importante do país.
Assim como outros governantes progressistas da região, Mujica abriu mão dos assessores de imagem e foi estrategista de si mesmo. Não obstante, sua relação com os meios de comunicação e seus jornalistas contou com certas condições de possibilidade que nem sempre ocorreram no Brasil, Bolívia, Argentina, Equador e Venezuela. Entre elas, nomearemos cinco.
Primeira: o presidente considerou que – no jogo de persuasão mútua entre jornalista e entrevistado – as cenas midiáticas poderiam ser negociadas e que aquilo que era publicado respeitava o que ele havia dito. Isto se deu independente do fato de Mujica e grande parte da Frente Ampla afirmarem que a maioria dos meios de comunicação privados são opositores ao governo.
Segunda: os meios de comunicação proporcionam uma enorme relevância informativa à palavra do presidente. Nesse marco, consideraram que contar com as exclusivas de Mujica significava, como disse um chefe de redação, “ter encontrado o poço de petróleo”.
Terceira: no Uruguai, um país pequeno, o peso relativo do Estado diante dos grupos midiáticos é maior. Por um lado, as empresas estatais são as principais anunciantes e o Estado protege as empresas midiáticas nacionais da entrada de grandes atores estrangeiros. Por outro, não há um grande grupo midiático unificado. Existem os “Três Grandes”: as três empresas líderes de televisão e de cabo que sustentam acordos estratégicos e são os atores exclusivos desse mercado. No entanto, essa aliança é menos sólida do que antes: frente ao mercado das telecomunicações, os três atores passaram a competir entre si.
Quarta: Mujica marcou o jornal El País como o principal meio opositor, o que tem um custo político não muito alto. Por uma parte, porque está de acordo com o que disse historicamente a Frente Ampla sobre o jornal criado pelo Partido Blanco. Por outra, porque há uma década a empresa dona do jornal mais lido do Uruguai se desprendeu de outros investimentos midiáticos e se apegou ao jornal.
Quinta: a principal oposição ao governo são os partidos Blanco e Colorado. No Uruguai, diferente de outros países da América do Sul, ainda são os partidos os principais articuladores da disputa política.
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Mujica, os meios de comunicação e os jornalistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU