18 Fevereiro 2015
“Uma das coisas que eu aprendi é que há um fio que atravessa todos estes dissidentes. Eles estão em desacordo com o Papa, porque o mesmo não está de acordo com eles e não segue as suas posições”. É esta a conclusão à qual chega o cardeal arcebispo de Washington, Donald Wuerl, num artigo publicado no seu blog, intitulado “O Papa, pedra de comparação de fé e unidade”.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 13-02-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
O objeto dos comentários do cardeal estadunidense são aqueles que, no interior da Igreja, exprimem o seu dissentimento para o Papa. Wuerl não cita nomes, mas diz ter recebido por correio eletrônico “uma entrevista” e “um artigo” de “coirmãos bispos”.
Nos dias passados havia feito discutir muito a entrevista do cardeal Leo Raymond Burke com um programa da TV France 2, durante a qual o purpurado havia afirmado querer “resistir” ao Papa caso ele decidisse abrir à possibilidade dos sacramentos para os divorciados redesposados.
Wuerl conta ter estado presente, no domingo passado, ao Angelus do Papa, diante de dezenas de milhares de pessoas, recordando como “este popularíssimo e venerado sucessor de Pedro” tinha falado “da ternura de Jesus, de sua compaixão amorosa e, ao mesmo tempo, de nossa necessidade de estarmos atentos e compassivos com os outros seres humanos”.
Mas, observou o cardeal, a admiração que se constata em todas as partes do mundo ante Francisco “não é compartilhada por todos”.
“Enquanto eu estava vendo o Santo Padre na televisão, minha caixinha estava se enchendo com um número de mensagens de correio eletrônico, entre as quais uma entrevista e um artigo de coirmãos bispos que são muito menos entusiastas do Papa Francisco”.
Estes emails fizeram vir á mente de Wuerl o tempo em que era um jovem seminarista e havia experimentado por primeira vez “o dissenso da doutrina e da práxis de um Papa”. Aquele Papa era João XXIII, e o ensinamento que não veio “bem acolhido por todos” foi a encíclica Mater et Magistra. Um dos discordantes havia usado uma expressão que teve sucesso em certos círculos: a Igreja, “mãe sim, mestra não”. “Junto a certo número de meus companheiros de classe, recordo ter ficado escandalizado por esta recusa da encíclica”.
Mas, um sacerdote do seminário censurou Wuerl e seus colegas por sua ingenuidade, explicando que “sempre houve certa corrente de dissenso na Igreja”, também no colégio cardinalício. “Foi então que ouvi falar do cardeal Louis Billot – escreve Wuerl– o qual era bem pouco discreto em sua oposição a Pio XI, que havia condenado o movimento político e religioso da Action Française”.
O arcebispo de Washington recorda que Billot foi “convencido a renunciar à sua dignidade cardinalícia”. E voltou a ser um simples padre jesuíta.
O descontentamento com respeito ao Papa sobre temas doutrinais, pastorais, canônicos ou também simplesmente com respeito ao seu modo de vestir “parece ter estado sempre presente de qualquer forma. Em 1963, São João XXIII se torna novamente objeto das iras de quantos não gostavam de sua encíclica Pacem in terris, como também o beato Paulo VI por sua encíclica Populorum progressio em 1967 e certamente por sua encíclica Humanae vitae em 1968. O dissenso de alguns padres pelo ensinamento da Humanae vitae os levou a deixar o seu ministério sacerdotal”.
Mas Wuerl, com significativas e evidentes referências a quantos são particularmente afeiçoados a certas vestes do passado, acrescenta: “Num nível muito menos importante, houve um notável desacerto entre alguns em 1969, quando o Secretário de Estado do Papa Paulo VI publicara uma instrução referente às vestes dos bispos e dos cardeais. O esforço de racionalizar e torná-lo resolvido com coisas como a capa magna (o longo manto dos bispos e cardeais, com uma longa, longa cauda) convulsionou um pouco”.
O cardeal estadunidense recorda que também o breve pontificado do Papa Luciani “não foi privo de críticas. Alguns escreveram ter considerado o seu sorriso não digno de um Papa enquanto diminuía a gravitas (gravidade ou seriedade) de seu ofício”.
Depois, recorda ainda Wuerl, chegou são João Paulo II. “Tudo o que escreveu tem recebido alguma crítica, de suas encíclicas sociais, como Laborem exercens, de 1961, ou Sollicitudo rei socialis, de 1987 ou Centesimus annus de 1991, à sua encíclica sobre a permanente validez do esforço missionário da Igreja, Redemptoris missio.
Houve alguns que o criticaram constantemente por suas viagens, embora tenham ajudado, nos seus quase 27 anos como Papa, a revitalizar a Igreja. Pessoalmente, sempre considerei as criticas a são João Paulo II particularmente dolorosas porque tenho tanto afeto e admiração por ele”.
O cardeal recorda, enfim, os dissensos que acompanharam o pontificado de Bento XVI, “bom, brilhante e santo pastor da Igreja“. Não se devia, portanto, esperar que Francisco houvesse de permanecer imune ao fenômeno. “Uma das coisas que aprendi em todos estes anos, a partir daqueles primeiros ingênuos dias de 1961, é que, avaliando mais atentamente, se encontra um fio comum que atravessa todos estes dissidentes. Eles estão em desacordo com o Papa, porque ele não está de acordo com eles e não segue as suas posições. O dissenso talvez seja algo que teremos sempre, deplorável enquanto tal, mas teremos também sempre Pedro e seu sucessor como uma rocha e pedra de comparação da nossa fé e da nossa unidade”.
Nota da IHU On-Line: A entrevista com o cardeal Leo Raymond Burke concedida à televisão francesa e transmitida no dia 08-02-2015, pode ser vista, em francês, clicando aqui.
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O cardeal de Washington responde ao cardeal Burke (e aos dissidentes) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU