12 Fevereiro 2015
O cardeal Müller, que dirige a Congregação da Doutrina da Fé, disse que é importante que o projeto de reforma do Papa Francisco seja entendido como uma purificação espiritual, e não como um rearranjo de poder eclesial, influência e prestígio.
A análise é de John Travis, jornalista americano especializado em assuntos religiosos, no seu blog, 11-02-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Há quem descreva essa semana como "crucial" para o Papa Francisco e seus planos de reforma do Vaticano, como um "ponto de viragem" em seu pontificado, um momento "ou vai ou racha" para a "revolução" Francisco.
Mas, até agora, não houve anúncios dramáticos e nenhuma decisão definitiva, apenas uma série de relatórios de andamento de uma série de conselhos e comissões que parecem reunir-se algumas vezes por ano.
Isso não significa que coisas importantes não estejam acontecendo. Mas elas estão acontecendo em um ritmo mais lento do que muitos poderiam ter previsto há dois anos.
O Papa Francisco saiu do portão de forma rápida. Eleito com o mandato de reformar a Cúria Romana e descentralizar as estruturas do Vaticano, ele rapidamente nomeou um conselho de oito cardeais (agora nove), estabeleceu agências de vigilância financeiras e deixou saber que suas reformas seriam profundas, não superficiais. Mais tarde, ele criou uma comissão de proteção à criança, uma outra comissão para reformular as comunicações do Vaticano e trouxe consultores externos para fazer recomendações sobre boas práticas administrativas.
Mas logo Francisco deparou-se com uma realidade inconveniente: o Vaticano opera em seu próprio fuso horário, uma dimensão onde você pode verificar o seu relógio e calendário na porta, e onde a mudança é sempre em câmera lenta.
Quando o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, disse aos jornalistas que espera que os estatutos para a Secretaria da Economia (instituído há um ano) estejam prontos em breve, houve risos baixos na sala. Os repórteres sabem que, no tempo do Vaticano, "em breve" pode significar meses ou mesmo anos.
Hoje, Lombardi foi perguntado se o Colégio Cardinalício, quando este se reunir nesta quinta e sexta-feira, irá rever um projeto para a nova Constituição da Cúria Romana. A resposta foi não.
"Ainda estamos em uma fase de considerar o contorno da estrutura das agências (do Vaticano). Considerando-se que juristas serão consultados quando estes textos forem organizados, isso não vai acontecer em breve", disse o porta-voz.
Ontem, Lombardi se referia a um relatório provisório apresentado pela comissão que estuda a melhor forma de coordenar a estrutura de mídia do Vaticano. Ele sublinhou que ainda era muito cedo, é claro, para buscar propostas finais - a comissão iniciou seus trabalhos apenas cinco meses atrás. Mas antes disso, houve um estudo de sete meses dos meios de comunicação do Vaticano realizado por consultores externos.
A comissão de proteção de menores do Vaticano realizou uma coletiva de imprensa esta semana, e os seus membros soaram levemente otimistas sobre o progresso que tinham feito. Mas Peter Saunders, membro da comissão e também vítima de abuso, resumiu as coisas quando disse: "Aprendi que a Igreja e o Vaticano operam em uma dimensão de tempo ligeiramente diferente do que o restante de nós". Diante dessa realidade, ele disse estar disposto a dar ao Vaticano mais um ano ou dois para tomar medidas que responsabilizem os bispos que encobriram casos de abuso.
O calendário de reuniões importantes no Vaticano este mês incluiu a reunião do Conselho de Economia, um painel de 15 membros leigos e especialistas do clero. Eles estão tentando descobrir como as novas agências econômicas do Vaticano irão operar e coordenar suas atividades específicas. Uma grande tarefa é definir mais claramente quais as competências e a autoridade da Secretaria da Economia, presidida pelo cardeal australiano George Pell. A reunião deste mês terminou sem nenhuma conclusão, pelo menos nada foi publicado. (O cardeal Wilfrid Napier, que faz parte do conselho, disse após a reunião que a implantação das reformas econômicas foi recebida com alguma resistência, mesmo por aqueles que "gritavam mais alto" pela limpeza do Vaticano durante o conclave de 2013.)
De certa forma, essa é a fase do "tratamento dos detalhes", que segue os passos ousados anunciados pelo papa. Mas é uma fase que envolve não só questões de eficiência e transparência, mas também questões sobre a própria natureza da Cúria Romana.
Esse foi o tema de um artigo muito interessante escrito pelo cardeal Gerhard Müller e publicado há poucos dias no jornal do Vaticano. O cardeal Müller, que dirige a Congregação da Doutrina da Fé, disse que é importante que o projeto de reforma do Papa Francisco seja entendido como uma purificação espiritual, e não como um rearranjo de poder eclesial, influência e prestígio.
Ele defendeu fortemente o papel tradicional da Cúria Romana, que na sua opinião ajuda o papa de uma maneira especial a exercer a sua primazia, refletindo a função exclusiva da "Igreja Romana" no governo pastoral e doutrinal dos papas.
"O Sínodo dos Bispos, as Conferências Episcopais e os vários grupos de Igrejas particulares pertencem a uma categoria que é teologicamente diferente da Cúria Romana", disse ele.
Por essa razão, disse Müller, a descentralização das estruturas administrativas da Igreja "não significa dar mais poder para as conferências episcopais". Quanto ao Sínodo dos Bispos, disse ele, na verdade, ele não pertence à Cúria Romana.
"A Cúria e o Sínodo são formalmente distinguidos pelo fato de que a Cúria Romana apoia o papa em seu serviço pela unidade, enquanto o Sínodo dos Bispos é uma expressão da catolicidade da Igreja", disse ele.
As palavras do cardeal Müller pareciam tocar uma nota de cautela sobre a ideia do Papa Francisco de melhorar a "sinodalidade" no governo da Igreja. Falou-se, por exemplo, sobre dar mais autoridade ao Sínodo dos Bispos, ou de fazer o "Conselho dos Nove" do papa um órgão consultivo permanente que daria mais voz aos bispos do mundo nas tomadas de decisão papais.
O artigo de Müller ajuda a explicar a razão pela qual o papa não pode reorganizar a paisagem burocrática do Vaticano da noite para o dia. Francisco iria enfrentar objeções e resistências se a reforma não for feita com cuidado, e com algum nível de consenso. Existe, igualmente, um risco, no entanto, se o tempo desacelerar o ímpeto do papa de executar as reformas.
Lembro-me de que, quando o Papa João Paulo II revelou sua reforma da Cúria Romana, ela acabou sendo um pouco decepcionante, em vez de uma reviravolta. Foi um projeto que demorou 10 anos para o papa polonês - um instante no tempo do Vaticano.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A opinião do cardeal Müller sobre o avanço (lento) da reforma da Cúria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU