12 Fevereiro 2015
Alunos, pais, professores, ativistas gays, pessoas da mídia e outros contestaram as garantias do arcebispo de San Francisco Dom Salvatore Cordileone de que o novo manual de linguagem a ser usado nas quatro escolas de ensino fundamental da arquidiocese não “apresentam nada essencialmente novo” nem “visa (...) certos professores, individual ou coletivamente”.
A reportagem é de Dan Morris-Young, publicada pelo National Catholic Reporter, 09-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No entanto, alguns elogiaram o arcebispo pela declaração presente no “Manifesto das Escolas de Ensino Médio da Arquidiocese de San Francisco Relativo aos Ensinamentos e Prática da Igreja Católica” [1] e seu foco na moralidade sexual e prática religiosa bem como em sua forte advertência aos “diretores, corpo docente e funcionários” para “se organizarem e conduzir suas vidas de modo a não contradizer visivelmente, enfraquecer ou negar” o ensinamento eclesial.
O manifesto e as diretrizes para a linguagem dos contratos de trabalho dos professores que Cordileone busca ter nas quatro escolas foram tornados públicos em 3 de fevereiro deste ano durante reuniões à tarde com os diretores e professores.
Neste mesmo dia, Melanie Morey, diretora de um novo departamento na arquidiocese que avalia a identidade católica das instituições sob esta jurisdição, enviou um email aos diretores das outras 10 escolas católicas que atuam na arquidiocese com o texto do manual de linguagem em que escreveu ser uma questão de informação apenas.
No email, Morey disse aos diretores destas escolas que os documentos “contêm informações fundamentais para a identidade católica” e “apresentam algumas das crenças que uma escola católica reivindica quando escolhe trabalhar como tal. Eles também explicam as responsabilidades do corpo docente e da direção em relação a estas crenças”.
Imediatamente após a divulgação dos documentos, surgiram reações opondo-se à nova linguagem dos materiais didáticos e das cláusulas do contrato de trabalho; surgiu até mesmo uma campanha nas redes sociais lançada por alunos – com a hashtag #teachacceptance –, que também apoia uma petição promovida pela organização Call to Action, intitulada “Intimidação e Medo não Pertentem às nossas Escolas”. A petição havia recebido mais de 5.400 assinaturas na segunda-feira pela manhã.
Na quinta-feira, o jornal San Francisco Chronicle publicou uma análise de primeira página sobre a questão e um editorial intitulado “Cidade errada, século errado”.
O editorial reconheceu a autoridade do arcebispo em “assegurar-se de que a sua interpretação rígida da doutrina da Igreja seja ensinada”, mas criticou o que chamou de “tentativa de silenciar professores e outros funcionários das escolas”.
O editorial considerou o manifesto uma “afronta a muitos católicos praticantes – especialmente nesta região – que têm problemas com a doutrina que nega aos casais homoafetivos o direito de se casarem ou que proíbe que famílias usem a medicina moderna para vivenciar a alegria da paternidade ou para evitar (ou ainda interromper) a gravidez”.
Dom Salvatore Cordileone foi o orador principal de um evento há muito planejado sob os auspícios do Departamento das Escolas Católicas, evento aberto aos professores das 14 escolas da arquidiocese. Mais de 350 pessoas participaram do encontro que aconteceu na Escola Preparatória Catedral do Sagrado Coração, em San Francisco, a duas quadras da Catedral de Santa Maria da Assunção, onde uma missa às 9h foi rezada para aos professores anteriormente à palestra. Cordileone presidiu a celebração e foi o homilista.
A Escola Preparatória Catedral do Sagrado Coração é uma das quatro escolas de ensino fundamental da arquidiocese. As outras são a Escola Dom Riordan (em San Francisco), a Escola Junipero Serra (em San Mateo) e a Escola Marin Catholic (em Kentfield).
A equipe arquidiocesana de segurança não permitiu o acesso ao evento de pessoas sem crachás. Vários professores que participaram da liturgia não quiseram comentar.
Enfrentando chuva forte, cerca de 200 manifestantes, a maioria deles estudantes vestidos de preto em tom de solidariedade, organizaram uma vigília e oração na praça da escola durante a missa.
Muitos manifestantes carregavam placas: “‘Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?’ – Papa Francisco”; “A desigualdade é a raiz dos males sociais”; e “A homossexualidade não é um pecado, a intolerância é”.
Os manifestantes formaram uma fila do tamanho de duas quadras da saída da catedral até a entrada da escola enquanto os professores saíam da liturgia. Claramente comovidos pela demonstração de apoio, muitos professores agradeceram os jovens enquanto se dirigiam para a escola.
Os carros que passavam na movimentada rua Gough buzinavam continuamente, e algumas pessoas gritaram pelas janelas em apoio aos manifestantes.
Elizabeth Purcell, professor de inglês na Escola Preparatória St. Ignatius, em San Francisco há 19 anos, contou ao National Catholic Reporter que não estava representando sua escola, mas participando como “professora dando apoio a outros professores de escolas católicas”.
“É inaceitável a linguagem que o arcebispo dispôs”, disse. “Ela é excludente. De ódio. Nega tudo o que ensinamos aos nossos alunos sobre inclusão (…). Os alunos na Escola St. Ignatius ficaram muito chateados. Eles temem que isto vá levar a uma indoutrinação, e não à educação”.
Purcell é também um dos que estão organizando um manifesto contrário às iniciativas recentes do arcebispo. Já os Bakers estavam em busca de assinaturas para a “carta aberta” e doações em dinheiro para publicá-la como anúncio no sítio National Catholic Reporter.
Linda Swan, mãe de dois ex-alunos da Escola Preparatória Catedral do Sagrado Coração, disse: “Meu filho é gay, então eu sei como é se sentir como se estivéssemos do lado de fora. Não posso acreditar que estamos voltando à Idade da Pedra, especialmente com este novo papa”.
Kathy Curran, que tem um filho estudando na St. Ignatius e outro na Catedral do Sagrado Coração, falou: “Mando meus filhos para escolas católicas por causa da forte ênfase acadêmica, mas também porque quero que eles tenham o melhor fundamento religioso possível na caridade, no amor e na justiça. Esta iniciativa nos afasta disso. Estou profundamente triste e profundamente abalada com as mudanças de linguagem nos contratos dos professores e nos materiais didáticos. Não quero que os professores sejam colocados numa posição de assinarem um contrato do qual discordam só porque precisam trabalhar ou ter um plano de saúde”.
Morgan Hood, da Escola Preparatória Catedral do Sagrado Coração, e Jasmine Barnard, da St. Ignatius, resumiram o que muitos dos alunos manifestantes diziam:
“Temos muitos professores e alunos que são parte da comunidade LGBT, e nós não queremos que eles se sintam como se não fossem bem-vindos ou apoiados”, disse Hood.
Barnard concordou. “Muitos de meus amigos são gays. Tenho uma professora fantástica que mudou a minha vida, e ela é lésbica”.
Billy Bradford viajou de longe para se juntar ao protesto. Segurando uma placa que diz “Cordileone nega as famílias gays”, falou: “Sou pai e sou gay com um filho no colégio. Não estou feliz com o que o arcebispo está dizendo sobre minhas falhas morais e que a minha família não é uma família”.
Nick Andrade, conhecido pelo apoio que dá à organização caritativa Catholic Youth Organization – CYO da arquidiocese e a várias escolas, também participou da vigília.
Andrade disse ao National Catholic Reporter que considera Cordileone um amigo e que tem levado o arcebispo a ajudar servir, às quartas-feiras de noite, refeições aos pobres organizadas pela Paróquia Most Holy Redeemer, de San Francisco. O sítio eletrônico da paróquia descreve-a como um “lar espiritual a todos: velhos e jovens; solteiros e famílias; heterossexuais, gays, lésbicas e transgêneros; saudáveis e doentes, em particular aqueles com HIV”.
“Temos tido boas conversas” durante as viagens de ida e volta da paróquia, disse Andrade, embora não tenha tido, segundo ele, a oportunidade de falar com Cordileone sobre estas declarações recentes.
Qual o conselho que ele daria ao arcebispo?
“Eu pediria a ele para ficar bem atento e (...), o mais importante, preocupar-se com a forma como estas iniciativas irão afetar as outras pessoas, especialmente dentro da comunidade LGBT”, disse Andrade.
“Compreendo e respeito completamente suas crenças (...) e ele também iria dizer que respeita as minhas crenças. Ele não concorda com elas, e eu não concordo com as dele. E uma coisa da Igreja Católica que é muito legal é que, nela, temos a permissão para concordar e discordar”.
“Sempre o percebi disposto a escutar e a pedir conselhos sobre algumas questões”, continuou.
“Ele é, realmente, muito bom com pequenos grupos, mas, quando se vê diante de grupos grandes, ele pode assumir uma personalidade diferente. Acho que ele é um tanto tímido e, consequentemente, não se sairá como alguém acolhedor. Mas sei que é muito amigo e, muito embora discordamos sobre alguns pontos importantes, ele vem escutando e refletindo”.
“Ele está cercado de pessoas que, penso eu, têm uma mentalidade parecida, e isto é uma dificuldade”, disse Andrade. “Acho que ele não está tendo outros pontos de vista”.
Numa conversa após a fala de Cordileone aos professores na sexta-feira de manhã, a diretora do setor de avaliação da identidade católica das instituições arquidiocesanas Morey sublinhou a “profunda integridade” do religioso e o seu desejo em ajudar os jovens a desenvolverem uma vida espiritual e sexual integral e saudável.
Morey disse que magoar ou diminuir as pessoas gays “é a última coisa” que Cordileone iria querer fazer.
O Pe. Mark Doherty, que estudou na Escola Preparatória Catedral do Sagrado Coração e que hoje atua como capelão, disse que apoia a iniciativa do arcebispo.
Os professores das escolas católicas, disse ele ao National Catholic Reporter via email no sábado, “carregam a responsabilidade de – no mínimo – conduzir suas vidas profissionais e públicas, tanto em palavras quanto em ações, de uma forma tal que não represente um testemunho contrário. A nova linguagem a ser introduzida nos manuais docentes foi feita para ser um auxílio a eles. Ao esclarecer o que exatamente a Igreja ensina sobre pontos nevrálgicos da sexualidade humana e da prática religiosa, a nova linguagem (...) pode ajudar os professores a dirigir o curso de sua conduta profissional e pública de tal forma a não contradizer, de modo flagrante, a missão declarada da Igreja”.
“Isto é especialmente verdadeiro numa época e região onde as tendências culturais predominantes promovem uma visão frequentemente distorcida da espiritualidade e sexualidade, que impede e ameaça o florescer humano”, escreveu Doherty, que também é o vigário paroquial da Paróquia de St. Peter, em San Francisco.
Um outro padre da arquidiocese, que pediu para não ter seu nome citado, disse ter reservas quanto ao manual de linguagem a ser empregue. Ele e outros disseram que Cordileone não consultou o conselho dos padres diocesanos nem seus assessores ao desenvolver o manifesto e que não havia lhes dado uma prévia do conteúdo do que seria divulgado.
O padre falou que muitos de seus colegas sacerdotes estão “indignados”.
“Se me pedissem para fazer um manual”, disse ele, “eu escreveria: ‘Nós acreditamos e afirmamos os 16 documentos do Vaticano II, que são o supremo magistério da Igreja”.
“Temos uma bela Igreja aqui nesta arquidiocese”, disse ao National Catholic Reporter o Pe. David Ghiorso, pastor da Paróquia St. Charles, em San Carlos, “mas tenho dificuldades para entender o que está acontecendo. Ao mesmo tempo, levo a promessa de obediência muito a sério, e publicamente desafiar as decisões e ações dos nossos líderes não é algo que eu faça facilmente. Isto vai contra grande parte de meu sacerdócio. Podemos ser muito melhores do que isto que está acontecendo atualmente nesta Igreja local”.
Na esteira da ampla cobertura da imprensa sobre as mudanças apresentadas, a diretora Karen Hanrahan, da Mercy High School, em Burlingame, enviou uma carta aos pais esclarecendo que a escola é “uma das dez escolas que são de responsabilidade das ordens religiosas e que, portanto, é considerada independente”.
“Entendemos que este é um tempo de desafios para os nossos colegas das quatros escolas arquidiocesanas de ensino médio, e que tenhamos eles em nossos pensamentos e orações”, diz o texto.
Uma diretora de uma das escolas católicas independentes de ensino médio mandou uma mensagem de texto para o National Catholic Reporter para dizer que ela “ainda estava processando” os eventos do dia anterior na catedral e as questões envolvidas.
“Antes de tudo, estou entristecida pela abordagem geral dada por Dom Salvatore Cordileone”, escreveu. “É farisaico, para dizer o mínimo. Os seus comentários sobre tentar estar junto das pessoas são, simplesmente, palavra vazias”.
“Se ele alugasse uma casa num bairro pobre, se deixasse de lado o seu guarda-costas e começasse a ter diálogos verdadeiros com as pessoas, então ele poderia construir uma certa credibilidade”, acrescentou. “Cordileone fará muito mais danos se continuar neste caminho (…). Imaginem se ele tivesse começado de baixo para cima, tentando ter um impacto na cultura ao se envolver em diálogos com os educadores, alunos e seus pais. Mas não: [o que ele fez foi] afirmar o seu poder e controle, o que é absolutamente contrário à mensagem de Jesus”.
Michael Petrelis, ativista e blogueiro de San Francisco, anunciou que um protesto contra o que chamou de “observações e políticas fanáticas” de Cordileone irá acontecer no dia 21 de fevereiro, no lado de fora da catedral local, para coincidir com a liturgia anual da arquidiocese dedicada às pessoas casadas.
[1] O texto pode ser lido, em inglês, clicando aqui.
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Nova linguagem para manuais didáticos em San Francisco, EUA, provoca protestos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU