05 Dezembro 2014
Tudo começou há 30 anos, quando o filósofo Javier Gomá (nascido em Bilbao em 1965) ainda não o era e ficou obnubilado diante das figuras estilizadas em vermelho e preto de uma cerâmica grega de beleza extraordinária. Tinha 17 anos e aquela descoberta na superfície de uma vasilha quebrada se transformou em uma intuição que foi o germe de sua filosofia da eventualidade. "Na Grécia arcaica vemos uma cultura da exemplaridade que ainda não tem consciência de si mesma. Os grandes heróis de Homero, as esculturas de atletas nus (os Kuroi), os grandes personagens de Heródoto eram figuras que continham muitas das coisas que desenvolvi. Na 'Ilíada' e na 'Odisseia' havia um universo inteiro narrado mediante exemplos."
A reportagem é de Mauricio Vicent, publicada pelo jornal El País, 04-12-2014.
Em 2003, ele publicou seu primeiro livro, "Imitación y experiencia", pelo qual obteve o Prêmio Nacional de Ensaio. Depois vieram "Aquiles en el gineceo" (2007), "Ejemplaridad pública" (2009) e "Necesario pero imposible" (2013), volume que encerrou sua célebre tetralogia da exemplaridade. Ao todo, mais de 1.500 páginas de reflexões sobre o tema, que a editora Taurus acaba de lançar em quatro volumes, uma obra que ganha especial validade no momento atual, quando as crises institucionais se sucedem e a cada dia aflora um novo caso de corrupção.
Para que a sociedade funcione adequadamente, afirma Gomá, "o cumprimento da legalidade é condição necessária, mas não suficiente". "Esse 'plus' em relação à legalidade é coberto pelo conceito de exemplaridade", afirma.
Ele recebe frequentemente telefonemas em seu escritório de diretor da Fundação Juan March para que comente os últimos escândalos e esclareça as razões pelas quais chegamos a esse lodaçal. "Na maioria dos casos não querem saber sua opinião, mas sua posição; a política é governada pelo amigo-inimigo, e o que se quer ver é em que lugar você se coloca." Gomá distingue atualidade - "o que atrai a atenção dos meios de comunicação e dos políticos em um momento" - de realidade - "os fenômenos subjacentes que permanecem no tempo e que são dignos de reflexão". Como filósofo, diz ele, defende seu direito a "escapar do peso da atualidade" para manter sua "fidelidade à realidade".
Então, se você lhe perguntar o que fizemos errado, retrocede no tempo. Cita Sánchez Albornoz ("a Espanha é um país sem feudalismo nem burguesia") e recorda que a classe média em nosso país não ganhou protagonismo até a transição. "Enquanto em outros países se desenvolvia uma classe média cuja principal preocupação eram a propriedade e a liberdade, e criava um mundo inteiro a seu redor --na Espanha havia uma minoria privilegiada e uma maioria social empobrecida". Todas as revoluções liberais, salienta, "acabavam sendo sufocadas pela reação".
É somente quando termina a ditadura franquista que se produz o advento da classe média. E nos anos 1980 chega uma explosão de liberdade. "Mas uma liberdade desordenada, sem regras, disparatada." E nós, que quase havíamos tropeçado na liberdade, "logo nos tornamos ricos pelos fundos que vêm da Europa". "É uma riqueza que não se baseia no esforço, na produção, na poupança."
Corriam os anos 1990, e o que sucedeu então é conhecido: "Aparece o fenômeno do novo-riquismo nessa classe média que acabava de estrear, sem educação para a liberdade e rica sem trabalhar". A ostentação, o consumo excessivo, "a grande vulgaridade moral" se apoderam do imaginário coletivo... "E o que é a corrupção, senão a vulgaridade do novo rico transportada para a política?", considera Gomá.
À diferença de outras crises, que haviam afetado em maior ou menor medida diversos setores da sociedade, a de agora "fez baixar uma escalão toda a classe média, e isto gerou uma grande angústia coletiva que provocou que se questione inclusive o modelo construído durante a transição". Ele acredita que uma das lições dessa crise é que o sistema clássico dos partidos políticos perdeu legitimidade e a confiança. "A época de dois partidos mastodônticos, opacos e antiquados já passou", afirma. Mas também adverte que "os momentos excepcionais, é preciso vê-los como tal, e não se deve defender uma mudança de modelo quando se está vivendo uma situação de extrema dor".
Sua teoria da exemplaridade se liga ao conceito de "ideal" para esclarecer possíveis saídas. "O ideal é uma proposta de perfeição humana e social que nunca se realiza, mas serve para avançar." Sem ideal não há progresso nem se pode exercer a crítica saudável, "por isso uma democracia sem ideais é frágil e vulnerável". Acredita que no "ideal democrático" o paradigma da libertação individual, que imperou entre os séculos 18 e 20, "já rendeu todos os seus frutos". "Hoje o importante não é ser livre, mas continuar sendo livres juntos."
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Corrupção é a vulgaridade do novo rico, diz filósofo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU