03 Dezembro 2014
Francisco que tira os sapatos sozinho na mesquita, Francisco que inclina a cabeça diante do Patriarca Ecumênico Bartolomeu pedindo a bênção, Francisco que, com as mãos unidas na Mesquita Azul, imerge em oração no espaço de Alá: são tais e tantos os gestos e as declarações do pontífice argentino durante a viagem à Turquia que representam um concentrado da sua estratégia inovadora.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 02-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Contra as perseguições anticristãs, Francisco pediu ao presidente turco Erdogan que "todos os líderes islâmicos" condenem claramente o terrorismo, qualquer que seja o seu objetivo: cristãos, judeus ou muçulmanos.
Mas, ao mesmo tempo, rezando ao lado do grão-mufti na mesquita de Istambul, o papa mostra ao mundo muçulmano um exemplo de solidariedade e amizade entre crentes no mesmo Deus que não podem abusar do Seu nome para semear morte.
O gesto tem um significado teológico altíssimo, voltado também ao mundo católico. O porta-voz vaticano, padre Lombardi, falou, referindo-se ao pontífice, de "adoração em silêncio". Isso significa que um cristão é livre para adorar a Deus também em uma mesquita, porque o mihrab (o nicho voltado para o leste, onde está Meca e, simultaneamente, a direção simbólica da Ressurreição) remete à presença do Deus de Abraão, ao qual judeus, cristãos e muçulmanos fazem referência conjuntamente.
O Concílio Vaticano II disse isso, Bento XVI deu um sinal disso há oito anos rezando na mesma mesquita, Francisco ressalta isso com linhas fortes, para que fique claro para todos, na época em que explodem novamente as xenofobias religiosas no Ocidente e no Oriente.
A cabeça inclinada de Francisco diante de Bartolomeu – que o beijou delicadamente no solidéu branco e, depois, rapidamente levantou a mão direita sobre a cabeça do papa – simboliza o fim de toda pretensão imperial do primado de Pedro e a indicação do papel papal como sóbrio sinal de unidade em uma futura comunidade cristã reconciliada.
O que os teólogos estão tentando definir laboriosamente, Bergoglio expressou com simplicidade mais uma vez compreensível a todos. O papa pede a bênção ao inimigo herege de séculos passados, reconhecido como irmão com a virada conciliar, e invoca a bênção também para a "Igreja de Roma" em sinal de paz plena.
Esclarecendo imediatamente – contra aqueles na Cúria e entre a hierarquia católica que ainda estão agarrados à ideia de um poder jurisdicional supremo do pontífice, que deveria incumbir amanhã também sobre as Igrejas reunidas – que o restabelecimento da plena comunhão entre a Igreja Católica e as Igrejas ortodoxas "não significa nem submissão um ao outro nem absorção".
Poucas e essenciais palavras para aplainar o caminho para a reunificação fundada em raiz na mesma profissão de fé. Mais uma vez, um movimento na direção de uma concepção de Igreja despojada de pretensões de poder e supremacia e, em vez disso, baseada essencialmente no Evangelho e no testemunho concreto.
Com um pontífice acima de tudo bispo... padre... homem, que se senta em um banquinho e tira o sapato sem esperar pelos servidores. Certamente, tudo isso desagradará àqueles que, no Vaticano e entre os episcopados, acusam Francisco, nos bastidores, de diminuir o prestígio do romano pontífice.
Mas também no plano geopolítico o papa argentino proferiu palavras precisas com o pensamento voltado para aquela que ele chama de uma terceira guerra mundial "em pedaços". Nos frenéticos voos entre Roma, Estrasburgo, Ancara e Istambul, Francisco reiterou que, contra a fúria terrorista – trata-se do Califado ou dos talibãs –, nenhuma nação ou grupo de nações pode agir por si mesmo, mas deve se mover de acordo com as Nações Unidas.
Interessante também foi uma frase sua no voo de volta de Estrasburgo: "Há a ameaça dos terroristas. Mas também há outra ameaça, e é o terrorismo de Estado. Quando as coisas sobem, sobem, e cada Estado sente que tem o direito de massacrar os terroristas, com os terroristas caem muitos que são inocentes".
É claro que, em primeiro lugar, a referência diz respeito ao regime sírio de Assad, mas o governo de Netanyahu também tem sobre o que refletir. Desencadear uma tempestade de fogo sobre Gaza (com mais de dois mil mortos, dos quais dois terços de civis) para dar uma lição ao Hamas, sabendo que os bárbaros que mataram os três seminaristas judeus em junho eram "lobos solitários" sem nenhum mandato da cúpula da organização palestina, coloca problemas.
No Oriente Médio, nada é esquecido, e, para sair da crise, todos devem virar a página.
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Papa Francisco, a paz e os lobos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU