02 Dezembro 2014
Na entrevista no voo de volta da Turquia, o Papa Francisco fala do diálogo inter-religioso: pede que os líderes políticos, intelectuais e religiosos do Islã condenem o terrorismo fundamentalista. E sobre a unidade com os ortodoxos, ele explica: o caminho não é o do "uniatismo" das Igrejas orientais. "Eu quero ir para o Iraque" e "desejo encontrar o patriarca de Moscou".
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 30-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco quer ir para o Iraque e não abandonou o seu projeto. Ele também quer se encontrar com o Patriarca de Moscou e, dialogando com os jornalistas no voo de volta para Roma da Turquia, ele fala sobre o que aconteceu na Mesquita Azul, em Istambul.
Islamofobia
"É verdade que, diante desses atos terroristas, não só nesta região, mas também na África, há uma reação. 'Se isso é o Islã, eu fico com raiva!' E assim muitos islâmicos se sentem ofendidos. Eles dizem: 'Mas nós não somos isso, o Alcorão é um livro profético de paz, isso (o terrorismo) não é islamismo.' Eu entendo isso. E acredito sinceramente que não se possa dizer que todos os islâmicos são terroristas, assim como não se pode dizer que todos os cristãos são fundamentalistas – também nós temos fundamentalistas, em todas as religiões existem esses grupinhos. Eu disse ao presidente Erdogan que seria bonito condená-los claramente, que os líderes acadêmicos, religiosos, intelectuais e políticos deveriam fazer isso. Assim, ouviriam da boca dos seus líderes. Precisamos de uma condenação mundial por parte dos islâmicos que digam: 'Não, o Alcorão não é isso'. Depois, sempre devemos distinguir qual é a proposta de uma religião do uso concreto que um governo concreto faz dessa proposta: você pode conduzir o seu país não como islâmico, como judeu ou como cristão. Tantas vezes usa-se o nome, mas a realidade não é a da religião."
Cristianofobia
"Eu não vou usar palavras um pouco adocicadas: nós, cristãos, somos expulsos do Oriente Médio. Algumas vezes, como vimos no Iraque, na região de Mosul, eles deve ir embora ou pagar o imposto, que, depois, talvez não adianta. Outras vezes, são expulsos com luvas brancas."
Diálogo inter-religioso
"Eu tive talvez a conversa mais bonita nesse sentido com o presidente dos Assuntos Religiosos e a sua equipe. Já quando o novo embaixador da Turquia veio me entregar as credenciais, eu vi um homem excepcional, um homem de profunda religiosidade. Disseram-lhe: 'Agora parece que o diálogo inter-religioso chegou ao fim'. Devemos dar um salto de qualidade. Devemos fazer o diálogo entre pessoas religiosas de diversos pertencimentos. Isto é bonito: homens e mulheres que se encontram com outros homens e outras mulheres, e trocam experiências. Não se fala de teologia, mas de experiência."
Oração na mesquita
"Eu fui para a Turquia como peregrino, não como turista. E fui precisamente para a festa de hoje, com o Patriarca Bartolomeu. Quando fui para a mesquita, eu não podia dizer: agora sou um turista! Vi aquela maravilha, os muftis me explicavam bem as coisas com tanta mansidão, me citavam o Alcorão lá onde se falava de Maria e de João Batista. Naquele momento, sentia a necessidade de rezar. Eu lhe perguntei: vamos rezar um pouco? Ele me respondeu: 'Sim, sim'. Eu rezei pela Turquia, pela paz, pelos muftis, por todos e por mim... Eu disse: Senhor, acabemos com essas guerras! Foi um momento de oração sincera."
Perspectivas ecumênicas
"No mês passado, por ocasião do Sínodo, veio como delegado o Metropolita Hilarion, e ele quis falar comigo não como delegado no Sínodo, mas como presidente da comissão do diálogo ortodoxo-católico. Falamos um pouco. Eu acredito que, com a ortodoxia, estamos a caminho. Eles têm sacramentos e sucessão apostólica, estamos a caminho. Se devemos esperar que os teólogos se ponham de acordo, esse dia nunca vai chegar! Eu sou cético: os teólogos trabalham bem, mas Atenágoras tinha dito: 'Ponhamos os teólogos em uma ilha para discutir, e nós vamos em frente!'. A unidade é um caminho que deve ser feito, e deve feito juntos, é o ecumenismo espiritual, rezar juntos, trabalhar juntos. Depois, há o ecumenismo do sangue: quando eles matam os cristãos, o sangue se mistura. Os nossos mártires estão gritando: somos um. Esse é o ecumenismo do sangue. Seguir corajosamente nesse caminho, em frente, em frente. É algo que talvez alguns não podem entender. As Igrejas orientais católicas têm o direito de existir, mas o uniatismo é uma palavra de outra época. É preciso encontrar outro caminho."
Quero encontrar o patriarca de Moscou
"Eu já avisei o Patriarca Kiril: onde você quiser, nós nos encontramos, você me chama, e eu vou. Mas, neste momento, com a guerra na Ucrânia, há muitos problemas. Ambos queremos nos encontrar e seguir em frente. Hilarion propôs, para uma reunião da comissão, o tema do primado. É preciso continuar o pedido de João Paulo II: ajudem-me a encontrar uma fórmula de primado aceitável também pelas Igrejas Ortodoxas."
A origem das divisões entre as Igrejas
"O que eu sinto de mais profundo neste caminho pela unidade é a homilia que fiz ontem sobre o Espírito Santo: apenas o caminho do Espírito Santo é certo, Ele é surpresa, Ele é criativo. O problema – talvez esta, sim, seja uma autocrítica, e eu também disse isso nas congregações gerais antes do conclave – é que a Igreja tem o defeito e o hábito pecador de olhar demais para si mesma, como se acreditasse que tem luz própria. A Igreja não tem luz própria, deve olhar para Jesus Cristo. As divisões existem porque a Igreja olhou demais para si mesma. À mesa, com Bartolomeu, hoje, falávamos do momento em que um cardeal foi levar a excomunhão do papa ao patriarca: a Igreja olhou demais para si mesma naquele momento. Quando olhamos para nós mesmos, tornamo-nos autorreferenciais."
O primado na Igreja
"Os ortodoxos aceitam o primado: nas ladainhas, hoje, eles rezaram pelo seu pastor e primaz, "aquele que caminha antes". Eles disseram isso hoje na minha frente. Para encontrar uma forma aceitável, devemos ir ao primeiro milênio. Eu não digo que a Igreja errou (no segundo milênio), não, não! Ela fez a sua estrada histórica. Mas, agora, a estrada é seguir em frente com a pergunta de João Paulo II."
Os ultraconservadores que olham com desconfiança para as aberturas
"Eu me permito dizer que esse não é um problema apenas nosso. Esse é um problema também deles, dos ortodoxos, de alguns monges e de alguns mosteiros. Por exemplo, desde os tempos do Bem-aventurado Paulo VI, se discute a data da Páscoa, e não nos colocamos de acordo. Nesse ritmo, os nossos bisnetos vão correr o risco de celebrá-la em agosto. O Bem-aventurado Paulo VI havia proposto uma data fixa, um domingo de abril. Bartolomeu foi corajoso: na Finlândia, onde há uma pequena comunidade ortodoxa, ele disse para festejar no mesmo dia dos luteranos. Uma vez, quando eu estava na Via della Scrofa, e estávamos nos preparando para a Páscoa, ouvi um oriental que dizia: o meu Cristo ressuscita em um mês. 'O meu Cristo, o teu Cristo.' Existem problemas. Mas devemos ser respeitosos e não nos cansarmos de dialogar, sem insultar, sem se sujar, sem fofocar. Se, depois, alguém não quiser dialogar... Paciência, mansidão e diálogo."
Quero ir ao Iraque
"Eu queria ir a um campo de refugiados, mas era preciso um dia a mais e não era possível, por muitas razões, não só pessoais. Então, eu pedi para estar com os meninos refugiados hospedados pelos salesianos. Aproveito para agradecer ao governo turco, que é generoso, é generoso com os refugiados. Vocês sabem o que significa pensar na saúde, na alimentação, em uma cama, em uma casa para um milhão de refugiados? Eu quero ir ao Iraque. Falei com o patriarca Sako. Por enquanto, não é possível. Se, neste momento, eu fosse, se criaria um problema para as autoridades, para a segurança."
Com Erdogan, eu não falei sobre a União Europeia
"Não, não falamos disso. É curioso, falamos de tantas coisas, mas disso, não."
A terceira guerra mundial e as armas nucleares
"Estou convencido de que estamos vivendo uma terceira guerra mundial em pedaços, em capítulos, em todos os lugares. Por trás disso, há inimizades, problemas políticos, problemas econômicos, para salvar este sistema em que o deus dinheiro, e não a pessoa humana, está no centro. E, por trás, há também interesses comerciais: o tráfico de armas é terrível, é um dos negócios mais fortes neste momento. No ano passado, em setembro, se dizia que a Síria tinha armas químicas: eu acredito que a Síria não é capaz de fazer armas químicas. Quem as vendeu para ela? Talvez, alguns daqueles que, depois, a acusavam de tê-las? Sobre esse negócio das armas há muito mistério. Sobre a (bomba) atômica, a humanidade não aprendeu. Deus nos deu a criação para que dessa incultura fizéssemos uma cultura. O homem fez isso e chegou à energia nuclear, que pode servir para tantas coisas boas, mas também a utilizou para destruir a humanidade. Essa cultura se torna uma segunda incultura: eu não quero falar de fim do mundo, mas é uma cultura que eu chamo de "terminal". Depois, é preciso começar do início, como fizeram as cidades de Nagasaki e Hiroshima."
O genocídio armênio
"O governo turco fez um gesto. O primeiro-ministro, Erdogan, escreveu uma carta, na data do aniversário do genocídio, que alguns julgaram como fraca demais. Mas foi um estender a mão. Isso é sempre positivo. Posso estender a mão um pouco ou muito, mas isso é sempre positivo. Trago no coração a fronteira turca armênia: se fosse possível abrir aquela fronteira seria uma coisa bonita! Sei que existem problemas geopolíticos que não facilitam, mas devemos rezar por essa reconciliação entre os povos. No próximo ano, estão previstos tantos atos comemorativos do genocídio armênio. Esperamos que se avance por uma estrada de pequenos gestos, pequenos passos de aproximação."
O Sínodo e as passagens contestadas do relatório intermediário
"O Sínodo é um percurso, é um caminho. Não é um Parlamento, é um espaço protegido para que o Espírito Santo possa falar. Mesmo que o relatório final não esgote o percurso. Por isso, não se pode tomar a opinião de uma pessoa ou de um esboço. Eu não concordo – é a minha opinião – que se diga publicamente 'hoje, este disse isto', mas que se torne público, como aconteceu, apenas aquilo que foi dito: o Sínodo não é um Parlamento. É preciso proteção para que o Espírito Santo possa falar."
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''Na mesquita, eu rezei: 'Senhor, acabemos com essas guerras!'' A coletiva do papa no avião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU