01 Dezembro 2014
Aqueles que analisam o panorama cristão há muito vêm dizendo que vivemos basicamente numa era pós-denominacional, na qual as diferenças entre as igrejas não são tão fundamentais quanto as divisões existentes dentro delas.
Atualmente, um evangélico e um católico conservador podem se sentir como tendo mais elementos em comum se comparados com outros membros de suas próprias igrejas, enquanto que um cristão ortodoxo amigo da ecologia pode sentir ter um parentesco maior ao lado de um metodista com a mesma mentalidade do que com um monge ortodoxo hipertradicional na ilha grega de Monte Atos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 29-11-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Como consequência, a forma mais árdua de ecumenismo, hoje, geralmente não se dá entre as igrejas, mas sim dentro delas mesmas.
No segundo dia de sua viagem à Turquia, o Papa Francisco deixou uma forte mensagem pela unidade que tratou ostensivamente desta primeira espécie de ecumenismo, ou seja, uma melhoria das relações entre as igrejas e os ritos. No entanto, pareceu que esta mensagem trouxe, junto, implicações para a segunda espécie: a das relações internas às igrejas.
A diversidade, disse Francisco, “parece criar desordem”, mas é aqui onde a fé no Espírito Santo entre em cena.
“Sob a sua guia, [a diversidade] constitui uma imensa riqueza”, acrescentou, pois “o Espírito Santo é o Espírito de unidade, que não significa uniformidade”.
No começo do dia, Francisco apresentou uma imagem panorâmica de unidade pausando na famosa Mesquita Azul, em Istambul, ao lado do Grão Mufti de Istambul para uma oração em silêncio, repetindo o gesto que o Papa Bento XVI fez em 2006, gesto saudado como um ponto de inflexão nas relações entre cristãos e muçulmanos.
Mais tarde, no sábado, o papa celebrou uma missa na Catedral do Espírito Santo, em Istambul. Foi uma celebração “inter-ritual”, no sentido de que reuniu católicos sírios, armênios e caldeus, bem com membros do rito latino – o mais familiar aos católicos ocidentais. Também presentes havia uma série de dignitários ortodoxos, incluindo o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla.
Esta mistura de ritos e confissões suscitou, naturalmente, reflexões por parte do pontífice a respeito da unidade e diversidade. A mensagem deixada teve uma importância clara, pois as relações entre os vários ritos católicos e igrejas no Oriente Médio são, destacadamente, difíceis.
Em off, fontes locais em Istambul disseram que tais tensões inflamaram-se, de novo, durante os preparativos para a missa deste sábado.
Representantes de uma igreja teriam exigido mais bilhetes de entrada (tickets) para a liturgia do que uma outra, alegando que seus seguidores são, na Turquia, ligeiramente em maior número. Houve também desentendimentos sobre os arranjos dos assentos, especialmente quanto aos assentos onde o clero e participantes VIPs iriam se sentar, na primeira fila.
Qualquer um que esteja acompanhando os recentes eventos na Igreja Católica, no entanto, irá reconhecer que a injunção do papa, neste sábado, possui implicações muito maiores.
Por exemplo, o recente Sínodo dos Bispos sobre a família expôs profundas fissuras internas numa série de frontes, incluindo o quão acolhedora a Igreja deve ser para com os homossexuais, quão positiva é sua avaliação dos vários relacionamentos “irregulares” tais como a coabitação fora do casamento e se os católicos que se divorciam e voltam a casar fora da Igreja devem poder comungar.
Dentro e fora do salão sinodal, os debates receberam um tom, por vezes, desagradável, tendo acusações de censura, suspeitas de que os assuntos estavam sendo conduzidos para uma ou outra direção; além, de acusações segundo as quis alguns líderes sinodais estavam impondo deliberadamente as suas próprias opiniões nos documentos em vez de buscar refleti-las no consenso grupal.
Este sínodo foi realizado em preparação para um outro maior, a ocorrer em outubro de 2015, tendo um ano de intervalo. Tal período servirá para reflexões, o que, dependendo de como as coisas se desenrolarem, poderá significar que as divisões surgidas este ano têm um ano para se agravarem antes de retornarem com força ainda maior.
Dado o atual contexto, as palavras do papa pareceram ter um escopo mais amplo. Com efeito, Francisco argumentou que, para se lidar com tais divisões, é preciso ter fé.
“Só o Espírito Santo pode suscitar a diversidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade”, disse.
“Quando somos nós a querer fazer a diversidade e fechamo-nos nos nossos particularismos e exclusivismos, trazemos a divisão”, falou. “E quando somos nós a querer fazer a unidade de acordo com os nossos projetos humanos, acabamos por trazer a uniformidade e a homogeneização”.
Isso, no entanto, não precisa ser assim, sustentou o papa.
“Se, pelo contrário, nos deixamos guiar pelo Espírito, a riqueza, a variedade, a diversidade não se tornam jamais conflito, porque Ele nos impele a viver a variedade na comunhão da Igreja”.
O pontífice concordou que a unidade pode não ser fácil de se conquistar.
“A tentação está sempre dentro de nós para opor resistência ao Espírito Santo, porque ele nos tira da zona de conforto, impele a Igreja a avançar”, disse. “E é sempre mais fácil e confortável acomodar-se nas próprias posições estáticas e inalteradas”.
Francisco pediu aos crentes que evitem ficar na defensiva.
“As nossas defesas podem manifestar-se com a excessiva fixação nas nossas ideias, nas nossas forças – mas assim resvalamos no pelagianismo – ou então com uma atitude de ambição e vaidade”, declarou.
(Pelagianismo era uma heresia nos primórdios do cristianismo segundo a qual os crentes poderiam ganhar a salvação através de seus próprios esforços, em vez de depender da graça de Deus.)
“Estes mecanismos defensivos impedem-nos de compreender verdadeiramente os outros e abrir-nos a um diálogo sincero com eles”, disse o papa.
“Mas a Igreja, nascida do Pentecostes, recebe em herança o fogo do Espírito Santo, que não enche tanto a mente de ideias, como sobretudo faz arder o coração”, disse. “[Ela] é investida pelo vento do Espírito, que não transmite um poder, mas habilita para um serviço de amor, uma linguagem que cada um é capaz de compreender”.
O tempo irá dizer se este chamado a abraçar a diversidade e evitar ficar na defensiva vai dar algum resultado, especialmente no sentido de trazer um catolicismo unido para o próximo Sínodo dos Bispos.
Enquanto isso, Francisco retorna à forma tradicional de ecumenismo no sábado à noite, conduzindo uma oração conjunta ao lado do Patriarca Bartolomeu no Fanar, sede do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, e então juntando-se a ele para uma liturgia ortodoxa no domingo pela manhã.
Em breve comentários aos jornalistas no sábado de tarde, Bartolomeu chamou a visita papal à sede de sua igreja como um “momento histórico”.
“Oramos juntos pela unidade das nossas igrejas, pela cristandade dividida, bem como pela paz no Oriente Médio e ao redor do mundo”, disse Bartolomeu. “Vamos buscar ter uma colaboração próxima para encararmos, juntos, os graves problemas do mundo atual”.
Os dois líderes devem assinar uma declaração conjunta neste domingo pela manhã. Esta declaração irá comprometer as igrejas católica e ortodoxa a continuarem a buscar por laços mais estreitos.
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Ao enfrentar divisões dentro e fora da Igreja, o Papa Francisco pede por unidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU