13 Novembro 2014
Em 1773 um breve papal, intitulado Dominus ac Redemptor, suprime a existência da Companhia de Jesus. O documento, assinado pelo papa Clemente XIV, principiava com um levantamento das demais ordens religiosas suprimidas pelos papas. O breve não trazia nenhuma acusação precisa sobre os crimes cometidos pelos jesuítas, mas argumentava que assim como Cristo - “que não é Deus da discórdia, mas da paz e do amor” - deu aos apóstolos o uso da palavra da reconciliação, era dever papal suprimir aqueles que promovessem a desordem e a desarmonia dentro da igreja. Elencava, desta forma uma série de ordens suprimidas, iniciando com os Templários e finalizando, por fim, com a Companhia de Jesus.
A supressão da Ordem dos Cavaleiros Templários, promovida em 1307 pelo papa Clemente V, alimenta até hoje o imaginário do ocidente, e se reflete em livros, filmes e teorias conspiratórias. No entanto, ainda que tentativas para a restauração da Ordem encontre ecos ainda em 2008 (quando supostos herdeiros cobraram tratativas com o Bento XVI), a discussão em nada avançou. Com isso em vista, o professor e historiador português José Eduardo Franco provoca: “Por que a restauração da Companhia de Jesus ocorreu apenas 40 anos depois, enquanto outras ordens jamais foram restauradas? Por que o retorno dos jesuítas foi inevitável?”.
O professor trouxe tais questionamentos durante a conferência O mito negro dos jesuítas em Portugal e no Brasil: Origens, Evolução e metamorfose do antijesuitismo, que ocorreu nesta terça-feira (11) na Unisinos. O evento faz parte da programação do XVI Simpósio Internacional IHU - Companhia de Jesus. Da supressão à restauração. De acordo com Franco, os motivos que levaram à restauração da Companhia são da ordem da resposta aos desafios da modernidade.
A Ordem respondia adequadamente a uma sociedade globalizada, baseada na cooperação em rede, e que incentivava o empreendedorismo inato e o investimento na formação acadêmica e científica. Além disso, a metodologia pastoral jesuíta de aculturação – isto é, do diálogo hibrido entre outras culturas e o cristianismo – foi duramente criticado a sua época, mas passou a ser vista como uma estratégia aceitável. Tanto que em 1939 o Papa Pio XII atenuaria o banimento da prática, aceitando os ritos chineses.
Franco refletiu ainda sobre a ferrenha oposição à Companhia de Jesus, que levou de início a supressão. Algo que acompanha a Ordem desde o seu surgimento, com tensões internas contra o próprio fundador Inácio de Loyola – que chegou a ser investigado e preso pela Inquisição. Pelas campanhas de ódio e difamação, o professor reflete que tal ódio assemelha-se ao anti-semitismo. Exemplo disso é a divulgação do conhecido Monita Secreta – “Instruções Secretas dos Jesuítas”, que alegava apresentar instruções para como os jesuítas poderiam construir seu império a partir das ruínas de todos os estados nacionais. “É bastante semelhante aos Protocolos Secretos dos Sábios de Sião, que alertam para a ambição de poder do povo judeu”, propõe.
Citando Umberto Eco, José Eduardo Franco alerta: “Refletir sobre essas complexas relações entre leitor e história, ficção e vida, pode constituir uma forma de terapia contra o sono da razão que gera monstros”. Para ele, a única forma de explicar sentimentos antijesuítas mesmo nos dias de hoje é permitir que a razão adormeça.
Quem é José Eduardo Franco?
José Eduardo Franco é historiador, poeta e ensaísta especializado em História da Cultura. Possui doutorado em História e Civilização pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e em Cultura pela Universidade de Aveiro. Professor do Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa da Universidade de Lisboa, ele coordena atualmente um vasto projeto de pesquisa, levantamento e edição dos Documentos sobre a História da Expansão Portuguesa, existentes no Arquivo Secreto do Vaticano. É também membro da comissão coordenadora do projeto da edição crítica da Obra Completa do Padre Manuel Antunes.
Franco é autor de diversas publicações, das quais destacamos: O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil, no Oriente e na Europa (Lisboa: Gradiva, 2007), Vieira e as mulheres: Uma visão barroca do universo feminino (Porto: Campo das Letras, 2007) e Jesuítas e a Inquisição: cumplicidades e confrontações (Lisboa: Aletheia, 2007).
Por Andriolli Costa
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Jesuítas e a batalha que os templários não venceram - Instituto Humanitas Unisinos - IHU