12 Novembro 2014
Afetados por complexo hidrelétrico se capacitam para lutar contra o projeto. Governo desrespeita direito constitucional e desmarca encontro.
Ao saber da intenção do governo federal em construir um complexo de sete hidrelétricas ao longo da bacia do Tapajós, o movimento de resistência indígena Ipereg Ayu, formado por caciques, mulheres, jovens estudantes e guerreiros da etnia Munduruku, lançou um chamado para fazerem cumprir o direito à consulta prévia, livre e informada garantido pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da OIT, Organização Internacional do Trabalho.
A reportagem foi publicada por Greenpeace, 11-11-2014.
A convenção estabelece que os povos que tenham seu patrimônio físico e cultural ameaçados por grandes empreendimentos hídricos tenham acesso a todas as informações sobre os impactos do projeto e que sua opinião seja ouvida em sua língua de origem, quando e onde quiserem, por representantes do governo. Antes mesmo do início do licenciamento das obras.
A lei, entretanto, vem sido desrespeitada pelo governo brasileiro ao longo de sua história. Para citar exemplos recentes, as populações atingidas pela construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio (rio Madeira), ou Belo Monte (rio Xingu), nunca foram consultadas.
Assim, dez organizações se uniram ao MPF para atender à solicitação do movimento, que nasceu a partir da compreensão de que o Tapajós livre é fundamental para a manutenção da vida e da cultura do povo Munduruku.
Durante uma semana, o diálogo “Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia” ministrou oficinas sobre a Convenção 169 em três comunidades que vivem às margens do Tapajós. A intenção é que se capacitassem sobre este direito e formulassem um documento onde estabelecem de que forma querem ser ouvidos.
Durante uma semana, o diálogo “Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia” ministrou oficinas sobre a Convenção 169 em três comunidades que vivem às margens do Tapajós. A intenção é que se capacitassem sobre este direito e formulassem um documento onde estabelecem de que forma querem ser ouvidos.
“Vejo com preocupação essa compreensão da Amazônia como fonte inesgotável de desenvolvimento. Que desenvolvimento é esse, que não considera os povos da floresta? “Não queremos que se repita o caos social que se instalou em Altamira, com Belo Monte. Para onde vai a energia gerada por essas hidrelétricas?”, questiona Camões Boaventura, procurador da República que representava o MPF junto ao grupo.
Depois de dois dias de conversas e reuniões traduzidas do munduruku ao português, os participantes produziram uma proposta de protocolo de consulta na qual expressam formalmente como e quando devem ser consultados.
“Vamos dar até nossa última gota de sangue para que as barragens não sejam construídas. Vamos lutar como sempre fizemos”, sentenciava Paygo Muyatpu (Josias Manhuary), líder dos guerreiros Munduruku.
Índios e ribeirinhos: a mesma luta, o mesmo Tapajós
O segundo destino foi a comunidade de Mangabal, mais precisamente o povoado de Machado, onde uma das barragens está prevista para ser instalada.
Dezenas de moradores de Montanha e Mangabal participaram das oficinas, comunidades que há tempos têm suas terras ameaçadas pelos interesses de grileiros, mineradoras e madeireiros. Há um ano, entretanto, tiveram seu território garantido como Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE).
Muitos moradores dizem terem sido visitados pelo Diálogo Tapajós, projeto das empresas do consórcio interessado na construção do complexo hidrelétrico. Junto a guardas da Força Nacional, estes representantes teriam abordado e pressionado para que os moradores respondessem a um questionário, com assinatura no final, sob a ameaça de não serem ressarcidos, caso percam suas casas. “Quem é que não assina depois de ouvir isso? Não entendi nada, mas assinei”, justifica o agricultor Solimar dos Anjos.
“Já não houve consulta prévia, uma vez que o Governo Federal lançou edital para o leilão das hidrelétricas antes de ouvir qualquer grupo. Não foi livre, pois as famílias ribeirinhas já receberam visitas pressionadoras de consultores das empreiteiras interessadas no projeto. E não é informada, quando ninguém teve suas dúvidas esclarecidas”, pontua Dr. Camões.
Em dois dias de oficinas, conversas, relatos e troca de experiências fortaleceram o sentimento de união das comunidades. Ao final do trabalho, a comunidade também finalizou sua proposta de protocolo de consulta. “Me sinto respaldada. Foi importante saber de nossos direitos, agora estamos mais unidos e confiantes na luta contra as barragens”, disse a ribeirinha Tereza Lobo.
A última etapa foi na Aldeia Praia do Mangue, na cidade de Itaituba, Médio Tapajós. Na área vivem cerca de 130 Mundurukus.
“Minha aldeia será completamente alagada. A gente não dorme mais. Fico pensando no futuro, como vamos sobreviver? Aqui está a nossa história, o nosso cemitério. Vai acabar tudo”, lamenta Juarez Saw Munduruku, cacique de Sawré Muybu, a aldeia mais atingida, onde hoje vivem cerca de 150 pessoas.
Encontro cancelado: desânimo e incerteza
Os documentos formalizados como resultado das oficinas, onde as populações estipulam, conforme a lei, como devem ser ouvidos, seriam entregues a representantes do governo federal em um encontro marcado para os dias 05 e 06 de novembro, na aldeia Sai Cinza, em Jacareacanga, Pará.
O Governo Federal, entretanto, mais uma vez desperdiçou a oportunidade de construir um processo democrático e inédito na história do País, dando continuidade a sua vexatória e desrespeitosa política social para com os povos tradicionais e indígenas. Às vésperas da data marcada, não só cancelou o encontro, como na declaração de Nilton Tubino, coordenador geral dos Movimentos do campo da Secretaria geral da presidência da República, afirmou que não atribui o direito de consulta prévia às comunidades ribeirinhas, por não se tratarem de população indígena.
Em recente petição, o MPF pede para que se cumpra a lei. “Que todas as comunidades tradicionais (sejam elas indígenas ou tribais) situadas na bacia hidrográfica em que se pretende a construção da UHE São Luiz do Tapajós, sejam consultadas, já que a Convenção nº 169/OIT já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como uma norma de status supralegal”.
Em entrevista publicada hoje pela BBC, o chefe da Secretaria-Geral da presidência, o ministro Gilberto Carvalho, declarou: “Não abriremos mão de construir Tapajós”.
Rio da Vida
Para os Munduruku, Tapajós significa “rio da vida”. Com 795 km de extensão, a imensa massa de água azul-esverdeada é o último rio que ainda permanece livre dos empreendimentos hidrelétricos na Amazônia.
Cerca de 120 aldeias tiram sua subsistência de suas águas e de seus afluentes. Ao lutarem pela preservação do rio, essas pessoas lutam também por suas vidas.
“Nós humanos ainda podemos ser consultados, mas e os peixes, os animais da floresta e as aves? Eles não têm como dar sua opinião”, analisa Kababi Muy’bu, (Ademir Kaba), antropólogo formado pela Universidade Federal do Pará.
Camões Boaventura resume um sentimento geral na região. “Vejo no olhar dos amazônidas o ressentimento em ter seus recursos naturais explorados para servir ao restante do País”.
Enquanto isso, as crianças de Waro Apompu, Machado e Praia do Mangue seguem nadando nas águas livres do Tapajós, onde as barragens pairam como ameaças cada vez mais próximas e reais.
O diálogo “Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia” é formado por integrantes do Ministério Público Federal (MPF) e das organizações FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) , Artigo19, Tapajós Vivo, Movimento Xingu Vivo, International Rivers, Projeto Nova Cartografia Social, FAOR (Fórum da Amazônia Oriental), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Amazon Watch, além do Greenpeace Brasil e Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (UFPA).
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Tapajós – a luta pelo rio da vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU