06 Novembro 2014
Morreu Brittany Maynard, 29 anos, americana, doente terminal de câncer no cérebro, que optou por recorrer ao “suicídio assistido”. O fato nos remete ao centro do debate sobre a eutanásia e o acompanhamento à morte de doentes terminais. Perguntamos o parecer de Salvino Leone, médico ginecologista e bioético, docente de Teologia Moral na Faculdade Teológica da Sicília e presidente do Instituto de Estudos Bioéticos “Salvatore Privitera” de Palermo.
A entrevista é de Maurizio Calipari, publicada pela gência Servizio Informazione Religiosa (SIR), 04-11-14. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis a entrevista.
Já esgotada, Brittany Maynard tomou a decisão de recorrer ao “suicídio assistido”, frente a doença terminal que a atingia. Qual o seu comentário a respeito?
Acredito que, nestes casos, se trata de situações em que é difícil formular um julgamento que condene ou que absolva, ou seja, entrar a fundo no mérito regulador de um comportamento. Frente a escolhas tão delicadas sobre o plano ético e existencial, escolhas que envolvam as pessoas com suas dores, com sua visão do mundo, com sua fé e com a falta dela, é preciso ser muito prudente antes de elaborar um julgamento mais ou menos imprudente, ainda porque não conhecemos o trabalho interior que, em uma situação de sofrimento profundo, pode levar a essa decisão extrema.
A doutrina católica rejeita a eutanásia, com base na noção de “santidade da vida”; o que realmente que dizer essa expressão?
A ideia de "santidade da vida" substancialmente indica que a vida não nos pertence, no sentido de termos plenos poderes de domínio e disponibilidade. "Santo" literalmente significa "separado", "que pertence aos outros", neste caso "que pertence a Deus". Por isso que intervir de forma supressiva sobre a vida humana, em qualquer estágio que a pessoa se encontre, significaria desapropriar Deus do direito de vida e de morte que só a Ele pertence enquanto Criador. Como consequência, qualquer intervenção sobre a vida humana deve sempre respeitar esta alteridade que a vida por si só representa. Além disso tal princípio, aparentemente recebido somente pelas pessoas com fé católica, possui ao invés um pretexto de universalidade.
Ao seu ver, isso é um caso nítido de eutanásia ou pode ser configurado diferentemente sobre o perfil ético?
Precisamos, antes de qualquer coisa, entender exatamente, sobre o perfil ético, para eutanásia. Se eutanásia é um ato supressivo da vida com a finalidade de evitar sofrimento que não se pode evitar, então este caso recai no processo de eutanásia para qualquer efeito. Obviamente me refiro a objetividade do ato em si; a respeito da subjetividade da escolha, por outro lado, também em casos de eutanásia deste tipo não são avaliados por motivos fúteis, hedônicos ou de vontade hipotética de evitar sofrimento no futuro e assim por diante, existe uma série de valores subjetivos e de ‘atenuantes’, envolvidos em uma sincera escolha ponderada de consciência, que pode diminuir ou, como diz a Igreja, eliminar por completo a culpa moral do sujeito. Com isso defino o caso em questão como nada além de eutanásia, lembrando porem que, a nível de responsabilidade moral pessoal, é preciso levar em consideração as variáveis subjetivas que possuem peso nas escolhas conscientes.
De acordo com seu pensamento, que peso possui a ideologia neste tipo de acontecimento?
Temo acima de tudo que a ideologia tenha perdido um peso considerável. Estas situações deveriam permanecer confinadas no âmbito da avaliação ética e existencial da pessoa. Ao invés disso, seguidamente são tratadas de forma ideológica, ou para atacara a Igreja que defende a vida e nega a eutanásia, ou para sustentar leis a favor de uma ou de outra escolha, uma instrumentalização política. Penso que por trás de grande parte destas instrumentalizações, sejam ideológicas ou políticas, na realidade não existe um verdadeiro interesse na pessoa e no seu mundo de real sofrimento. Pelo contrário, estes episódios são usados, manipulando os mesmos na mídia, para sustentar mais uma vez que a Igreja é má por negar estas possibilidades, enquanto que o homem livre – dando um pressuposto que o ateísmo seja uma dimensão aberta, escurecido pela fumaça da doutrina católica – tem uma visão mais aberta e realista. Mas se olharmos bem, a Igreja se mostra muito mais equilibrada na sua valoração moral, mesmo nos casos deste gênero, do que a desenham.
Maynard escolheu, segundo suas próprias palavras, morrer com “dignidade”. A Igreja também defende a dignidade de morrer como um valor. O que diferencia as duas interpretações?
O risco de nominalismo está sempre a espreita. Existem palavras como ‘dignidade’ ou ‘liberdade’ que assumem conotações e tonalidades diferentes segundo a pré-compreensão que está por trás. É óbvio que a mesma coisa dita por mim ou dita por outra pessoa pode assumir significados diferentes. Para Brittany Maynard "morrer com dignidade" evidentemente significava morrer sem sofrimentos excessivos e que não podiam ser eliminados, quando ainda estava lúcida e com condições físicas e psíquicas aceitáveis. No fundo, é o mesmo que significa para a Igreja, mas com um limite intransitável, a intervenção direta para supressão da vida humana. Em outras visões no mundo isso também pertence a uma dignidade de morrer, mas não para a visão antropológica cristã. Se trata portanto de um entendimento sobre os conteúdos concretos, mas sobre o fato de querer uma morte digna existe uma convergência geral. Todavia na dignidade de morrer incluiria também o respeito (diferente da partilha) para escolhas assim trágicas, sem julgamentos precipitados e sem condenações, porque se qualquer um de nós se encontrasse, infortunadamente, na mesma situação, não sei de fato, mesmo dentro de um horizonte de fé cristã, qual decisão tomaria.
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Brittany, melhor não julgar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU