29 Outubro 2014
Desenvolveu-se sobre três grandes temáticas – Terra (trabalhadores do campo, problemática ambiental e soberania alimentar, agricultura); Pão (trabalhadores da economia informal, jovens precários e nova problemática do mundo do trabalho); Casa (assentamentos informais, habitações precárias e problemática das periferias urbanas) – a reflexão feita no primeiro dia do encontro global dos movimentos populares, dedicado à tarefa de focalizar a realidade da exclusão através dos testemunhos dos participantes (segundo o método latinoamericano do “ver-julgar-agir”).
A reportagem é de Claudia Fanti, da agência italiana Adista. O texto, já traduzido, foi enviado por João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST, que participa do evento.
E a tomar a palavra foram os/as rapresentantes do povo dos excluídos, começando pela chilena Luz Francisca Rodriguez, de Via Campesina Internacional que, na sua intervenção, exprimiu todo o orgulho da identidade camponesa, da missão – a mais nobre de todas, de garantir alimentos saudáveis para toda a humanidade, protegendo, ao mesmo tempo, a Mãe Terra (e até mesmo atenuando o aquecimento global) mas também denunciando a avançada desenfreada do capital sobre os campos – a apoderação da terra, da água, dos recursos naturais cada vez mais concentrados nas mãos de poucas multinacionais, as mesmas, afirmou ela, que primeiro nos fazem adoecer e depois nos vendem os remédios com os quais nos curarmos -; a falta de políticas agrárias adequadas por parte dos governos que, ao contrário, constroem pontes de ouro para as grandes empresas; o desprezo em relação aos conhecimentos e às culturas componeses, às praxes milenares de cuidado e troca das sementes; o papel de uma ciência a serviço do capital, disposta até mesmo a colocar em risco a vida através, por exemplo, da imposição das culturas transgênicas.
“Estamos – afirmou - diante de um processo de maciça destruição da vida, de uma estratégia dirigida não mais a alimentar a humanidade, mas sim a aumentar os lucros. Mas nós continuamos resistindo, defendendo a nossa função social que é a de alimentar nossos povos; a de conservar o sonho de continuarmos a ser camponeses e camponesas a serviço do buen vivir”.
E é nisso que consiste o paradigma da soberania alimentar, no direito dos povos, ou seja, em decidir em matéria de agricultura e de alimentação, apostando numa produção local para o mercado local, uma produção sustentável de alimentos em pequenas quantidades que, por si, permitiria a regeneração dos solos, a economia no uso de combustíveis e a redução do aquecimento global, dando trabalho a milhões de agricultores, pescadores e pequenos criadores de gado. A soberania alimentar, afirmou a representante de Via Campesina, “é princípio de vida, direito à terra, à água, às sementes, aos nossos conhecimentos, às nossas formas culturais de produção”. Porque, concluiu, “não podemos mais aceitar que nem mais uma só pessoa morra de fome neste mundo”.
Além disso, como sublinhou o camponês indiano Kommara Thimmarayagow da Gangadhar da Krrs (Karnataka State Farmers Union), a Agricultura não é somente uma atividade económica, mas uma cultura do mundo, não oferece somente a segurança do trabalho, mas preserva a saúde humana e protege a natureza para a humanidade presente e, também, para a futura. “A minha responsabilidade como cidadão global – concluiu – é a de proteger a terra para as gerações futuras”. E protegendo e cuidando do meio ambiente estão também os recolhedores e recicladores de lixo ( “muitos sobrevivem com a recolha do lixo da humanidade”), como foi evidenciado por mons.
Luis Infanti, bispo de Haysén, na Patagónia chilena, ator de uma grande luta pela inclusão social sobre a qual falou Sérgio Sanchez, da Federação argentina dos recolhidores de papel e dos recicladores: uma luta comum àquela dos ambulantes, dos operários das fábricas recuperadas e, no fundo, àquela de toda a classe trabalhadora e de toda a humanidade porque – disse – “todos pedimos as mesmas coisas: terra, casa, trabalho”.
Em um quadro do gênero não faltaram solicitações à Igreja, a mesma Igreja que, como afirmou o moçambicano Agostinho Bento, da União nacional dos camponeses de Moçambique, calou sobre os programas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e não se opôs, como deveria ter feito, ao desfrutamento e exploração realizados pelas multinacionais. Uma Igreja que ele convidou a agir concretamente a favor dos povos despolhados de seus recursos.
E não economizou críticas à instituição eclesiástica tampouco Jockin Arputham, líder de Slum Dwellers International, que vive num slum de Mumbai, lutando contra as ações e ordens de despejo contra as comunidades: “A Igreja falava de justiça social mas, quando iniciaram os despejos, tanto na Índia como no Quênia e na Camboja, não fez nada para não ‘se misturar com a política’”, denunciou Arputham, agradecendo todavia o papa por ter finalmente convidado ao Vaticano os representantes e, sobretudo, as representantes das pessoas que lutam e que muitas vezes pagam esta luta com a vida. Uma luta que, às vezes, pode ser também simplesmente a luta por banheiros, diante do drama que pode representar ter um único banheiro para 800 pessoas em uma favela de 500 mil habitantes.
“O mundo não muda – concluiu – se os pobres não se organizazem unindo as suas forças e dizendo basta com as esmolas. Como nos ensinaram os nossos antepassados, se lutamos obtemos leite e mel, se não lutamos não conquistaremos nada de nada”.
Não se pode, porém, falar de Terra, de Pão e de Casa sem enfrentar o nó central da emergência ambiental e climática, “um problema que – como sublinhou o esperto de mudanças climáticas Veerabhadran Ramanathan – logo, logo vai se transformar num disastre”.
Se, em apenas 30-40 anos, provocamos mais mudanças que nos últimos 2 milhões de anos, ainda não é tarde demais para resolvermos o problema, disse.convicto Ramanathan: é necessário, porém, realizarmos profundas mudanças no nosso comportamento em relação à natureza e nas relações de uns com os outros, numa mobilização que não pode dispensar a ajuda dos líderes religiosos. E’ um problema, além de tudo, que chama em causa com força a justiça considerando que, evidenciou ele, os três bilhões de pobres que contribuem nas emissões de gás serra com menos de 5% são também os que mais pagarão as consequências do aquecimento global.
E em nos indicar os verdadeiros culpados pensou Silvia Ribeiro, do Etc Group, lembrando-nos de como o 1% mais rico da humanidade controle quase 50% da riqueza global e como ao 70% da população mundial reste menos que 3% das riquezas. Mas é a própria classificação dos Países responsáveis pelo mais alto nível de emissiões que alteram o clima a nos esclarecer ainda mais a situação: se a China, com 23 % da quantidade total de emissões, bate os Estados Unidos, responsáveis por 15,5%, a nível pro-capite os Usa não têm concorrentes (17 toneladas contra as 5,4 da China).
Para não falar das responsabilidades históricas, que veem os Estados Unidos dominarem a classificação dos poluidores a tal ponto que suas emissões, sozinhas, superam as dos cinco Países que os seguem (União Europeia, China, Rússia, Japão e Canadá). E é culpado também o sistema agroindustrial, responsável por de 44 a 57% das emissões de gás serra, ao qual cada vez mais é chamada a se opor aquela agricultura camponesa à qual já vai o mérito de alimentar 70% da população mundial.
“Os espertos chamam a fase planetária atual Antropocene, para sublinhar o impacto da humanidade sobre a vida da Terra. Eu não concordo– concluiu Silvia Ribeiro -: a atual é a era da plutocracia, aquela em que 85 bilionários, sozinhos, consumam tantos recursos quanto a metade da população mundial”.
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A palavra dada aos excluídos. A reflexão dos movimentos populares sobre Terra, Pão e Casa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU