26 Outubro 2014
Imagine uma comunidade que, ao longo de 12 anos, passou a ter acesso à água potável para beber e produzir alimentos (água de comer), recebeu eletricidade, as casas deixaram de ter chão batido e o piso ganhou cerâmica, os homens e mulheres têm acesso a crédito para ampliar a criação de animal e reforçar o plantio de culturas de sequeiro (milho, feijão e mandioca plantados no inverno) e para se deslocar não dependem apenas de um jumento ou cavalo, podem contar com a rapidez de uma moto ou carro. Esta situação é realidade não apenas para uma, mas para milhares de comunidades rurais cravadas no Semiárido brasileiro.
A reportagem é de Verônica Pragana, assessora de imprensa da Articulação Semiárido Brasileiro - ASA, 21-10-2014.
Nesta terça-feira (21), pela manhã, mais de 50 mil pessoas, que vivem em comunidades rurais com essas e outras conquistas, localizadas em todos os estados do Nordeste e mais Minas Gerais, vieram a Juazeiro e Petrolina, no Sertão do São Francisco. Todos manifestaram, através da ocupação pacífica das ruas e praças, a mudança que suas vidas passaram. A multidão também mostrou que não aceita mais retrocessos com relação às políticas públicas direcionadas para a agricultura familiar na região semiárida.
“A partir de Lula, foram tantas conquistas que é difícil falar”. Essa foi a primeira frase dita por seu Felizvaldo Pereira Lima quando questionado sobre as mudanças ocorridas nos últimos 12 anos na comunidade rural onde mora e na sua vida. Agricultor familiar agroecológico, como fez questão de ressaltar, assentado da reforma agrária e líder sindical, seu Felizvaldo percorreu de ônibus mais de 1.260 km para chegar em Juazeiro, na Bahia. Ele mora e produz na agrovila Recreio, no município de Sobral, no Ceará. A sua viagem foi longa pelo Semiárido adentro até chegar em Juazeiro para participar com alegria do ato público.
Organizada pelos movimentos sociais que lutam pelo fortalecimento da agricultura familiar no Semiárido, a manifestação também levou à Petrolina a candidata Dilma Rousseff, a ministra Tereza Campello, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e do ex-ministro Miguel Rossetto, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, além do ex-governador da Bahia, Jacques Wagner. À tarde, Dilma e sua comitiva foram para Goiana, na Zona da Mata pernambucana, e para um evento no Recife.
Seu Felizvaldo – Ainda na concentração da caminhada de Juazeiro para Petrolina, seu Felizvaldo organizou uma longa lista de avanços conquistados nos últimos 12 anos não só pela sua comunidade, como por todo município de Sobral. O primeiro ponto que destacou foi a reforma agrária. “Antes, Sobral tinha só quatro assentamentos, a partir do governo Lula ficamos com 26, que recebem assistência técnica”, sustenta ele, cuja família divide com outras 352 da agrovila Recreio uma área de mais de 59 hectares desapropriada de um latifúndio.
Para quem passou pela pior seca dos últimos 30 anos, seu Felizvaldo destacou com sorriso nos lábios que conseguiu manter sua produção de hortaliças e conta o segredo: “Em toda a minha área, faço captação de água da chuva.”
Da região de Feira de Santana - Da comunidade rural de Barro Vermelho, no município de Baixa Grande, na Bahia, veio Jacimeire Paula da Silva, agricultora familiar e presidente da Associação Barro Vermelho. Com jeito espontâneo, Meire, como é conhecida, assegurou que na agricultura só teve maravilha nos últimos anos. “O agricultor passou a ter ousadia. Se antes não saia nem pra ir na feira porque não tinha dinheiro, hoje entra com classe no mesmo lugar da madame e sai com classe.”
“Uma das primeiras políticas que chegou na comunidade foi as cisternas. Antes, era difícil ter água para beber. A gente bebia água de barreiro, às vezes até com sapo morto dentro, quando tinha perto da comunidade. Algumas vezes, tínhamos que pegar água na cidade, andando 5 km pra ir e mais 5 km pra voltar.”
Meire também destacou a importância do crédito e chamou de “caçulinha” as tecnologias que guardam água para produção de alimentos, porque foram as últimas conquistas da comunidade. “Com elas, produzimos alimentos para comer e vendemos o excedente para o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]. A Associação de Barro Vermelho vendeu para o PAA no último projeto R$ 110 mil, envolvendo 60 agricultores e agricultoras.”
Do Norte de Minas Gerais e do Vale de Jequitinhonha, veio uma comitiva de 150 pessoas. Entre eles, Jorge Rodrigues Pereira, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e presidente da Cáritas Diocesana de Almenara. “Se comparar com o tempo de FHC, muita coisa melhorou. Hoje, não andamos mais a pé, nem a cavalo. Hoje, todos têm moto e carro. As casas não são mais de chão batido, o piso é de cerâmica. Minas não avançou na reforma agrária, mas a repressão policial mudou, não há tanta violência como antes.”
Dilma
Quando a candidata Dilma subiu ao palco, a multidão se agitou, balançou as bandeiras, gritou seu nome, entrou em êxtase. “É mais do que uma honra, é um imenso orgulho estar aqui. Nós, juntos, estamos mudando a realidade do Semiárido”, disse ela iniciando seu discurso improvisado que interagiu bastante com o público, lendo faixas e um bilhete que dizia assim: “Eu, Enaide Afonso, agradeço ao projeto Ciência Sem Fronteira porque levou minha filha para a Austrália”. O bilhete foi a porta de entrada para Dilma falar de suas ações e programas de promoção à educação. Num cartaz também lido por Dilma estava escrito: “Eu sou o primeiro da família a estudar numa universidade federal.”
Noutro momento, Dilma levou para o palco um painel pintado a mão com a imagem de uma mulher com lata d´água na cabeça com um traço em cima, simbolizando que esta é uma realidade ultrapassada, e ao lado uma casa com cisterna. A imagem fez a agricultora Neci Araújo da Silva chorar. Da comunidade de Fundão de Baixo, no município de Ingá, na Paraíba, ela sabe muito bem o que é carregar lata d´água. Hoje, ela se orgulha das suas duas cisternas. “Uma pequena e uma grandona. Também tive 7 porcos por causa de Dilma. Um de 95 kg, outro de 70, outro de 40, 43 e 33. Tenho mais um para matar. E de um que vendi e com o dinheiro comprei mais três.”
Recado dado
Além das conquistas enumeradas, a fala de Naidison de Baptista, coordenador executivo da ASA Brasil pelo estado da Bahia, reconheceu que ainda há muito a avançar para melhorar a qualidade de vida da população rural do Semiárido: a reforma agrária – “há famílias que não recebem a cisterna de produção de alimentos porque a propriedade não comporta” – a garantia de acesso ao território pelas populações tradicionais, o rio São Francisco revitalizado levando vida às pessoas e a diminuição dos agrotóxicos “que contaminam as nossas vidas.”
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Povos do Semiárido se encontram com Dilma e celebram melhorias na qualidade de vida dos últimos 12 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU