20 Outubro 2014
Há um abismo entre a “Relatio” de metade do sínodo, derrubada pelas críticas, e a ”Relatio” final , votada na tarde de sábado, 18 de outubro.
Os presentes em aula eram 183. E bem 58 parágrafos do documento sobre 62 foram aprovados com uma maioria de “placet” nitidamente superior aos dois terços, que em semelhantes casos é próxima à unanimidade.
Também os restantes quatro parágrafos foram aprovados, mas com maioria simples e com um consistente bloco de votos contrários.
O comentário é de Sandro Magister, publicado no seu blog Settimo Cielo, 18-10-2014. A tradução é de Benno Dischinger.
E são os parágrafos que tocam as questões mais controversas. Sobre tais questões, os “non placet” podem pertencer tanto a inovadores como a intransigentes, os primeiros desiludidos pelos modestos resultados atingidos, os segundos irredutivelmente contrários ao que julgam ser uma cedimento.
Eis, a seguir, os quatro parágrafos em questão, com os votos respectivamente coletados.
Sobre os matrimônios civis e os casais de fato
Placet: 125
Non placet: 54
41. Enquanto continua a anunciar e promover o matrimônio cristão, o Sínodo encoraja também o discernimento pastoral das situações de tantas pessoas que não vivem mais esta realidade. É importante entrar em diálogo pastoral com tais pessoas, a fim de evidenciar os elementos de sua vida que podem conduzir a uma maior abertura ao Evangelho do matrimônio em sua plenitude. Os pastores devem identificar elementos que podem favorecer a evangelização e o crescimento humano espiritual. Uma sensibilidade nova da pastoral hodierna consiste em colher os elementos positivos presentes nos matrimônios civis e, feitas as devidas diferenças, nas convivências. Ocorre que, na proposta pastoral, embora afirmando com clareza a mensagem cristã, indicam também elementos construtivos naquelas situações que a isso ainda correspondem ou não mais.
Sobre a comunhão aos divorciados redesposados
Placet: 104
Non placet: 74
52. Refletiu-se sobre a possibilidade que os divorciados e redesposados acedam aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Diversos padres sinodais insistiram a favor da disciplina atual, em força da relação construtiva entre a participação à Eucaristia e a comunhão com a Igreja e seu ensinamento sobre o matrimônio indissolúvel. Outros se expressaram por uma acolhida não generalizada à mesa eucarística, em algumas situações particulares e sob condições bem precisas, sobretudo quando se trata de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais com os filhos que viriam a ser submetidos a sofrimentos injustos. O eventual acesso aos sacramentos deveria ser precedido por um caminho penitencial sob a responsabilidade do Bispo diocesano. É ainda aprofundada a questão, tendo bem presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes, dado que “a imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ser diminuídas ou anuladas” por diversos “fatores psíquicos ou mesmo sociais” (Catecismo da Igreja Católica, 1735).
Placet: 112
Non placet: 64
53. Alguns padres sustentaram que as pessoas divorciadas e redesposadas ou conviventes podem recorrer frutuosamente à comunhão espiritual. Outros padres se perguntaram por que, então, não podem aceder à comunhão sacramental. È, portanto, solicitado um aprofundamento da temática em condições de fazer emergir a peculiaridade das duas formas e sua conexão com a teologia do matrimônio.
Sobre os homossexuais
Placet: 118
Non placet: 62
55. Algumas famílias vivem a experiência de ter em seu interior pessoas com orientação homossexual. A respeito se perguntou sobre qual atenção pastoral seja oportuna diante desta situação, referindo-se a quanto ensina a Igreja: “Não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família”. Não obstante, os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza. “A seu respeito se evitará todo sinal de injusta discriminação” (Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 4).
***
No final do sínodo tomou a palavra o Papa Francisco.
O seu discurso deve ser lido por inteiro. Nele o Papa dá grande evidência a uma citação de Bento XVI sobre a função própria da autoridade da Igreja:
“Esta é a suprema norma de conduta dos ministros de Deus, um amor incondicionado, como aquele do Bom Pastor, pleno de alegria, aberto a todos, atento aos próximos e solícito com os distantes, delicado com os mais débeis, os pequenos, os simples, os pecadores, para manifestar a infinita misericórdia de Deus com as palavras encorajadoras da esperança”.
Mas, de grande esperança é, sobretudo a descrição que Francisco faz dos “momentos de desolação, de tensão e de tentações” que viu caracterizar este sínodo. Tentações que enumera assim:
“A tentação do enrijecimento hostil, isto é, de querer fechar-se dentro do escrito (a letra) e não deixar-se surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito): dentro da lei, dentro da certeza do que conhecemos e não do que ainda devemos aprender e alcançar. Da época de Jesus, é a tentação dos zelotes, dos escrupulosos, dos premurosos e dos assim ditos – hoje – “tradicionalistas” e também dos intelectualistas.
“A tentação do paternalismo destrutivo, que em nome de uma misericórdia enganadora agrave as feridas sem antes curá-las e medicá-las; que trata os sintomas, e não as causas e as raízes. É a tentação dos ‘paternalistas’, dos temerosos e também dos assim chamados ‘progressistas e liberais’.
“A tentação de transformar a pedra em pão para romper um longo jejum, pesado e doloroso (cf. Lc 4, 1-4) e também de transformar o pão em pedra e jogá-la contra os pecadores, os débeis e os enfermos (cf. Jo 8,7), isto é, de transformá-lo em “fardos insuportáveis” (Lc 10,27).
“A tentação de descer da cruz, para contentar o povo, e não permanecer nela para cumprir a vontade do Pai; de prender-se ao espírito mundano ao invés de purificá-lo e ligá-lo ao espírito de Deus.
“A tentação de transcurar o ‘depositum fidei’, considerando-se não custodes e sim proprietários e donos, ou, da outra parte, a tentação de transcurar a realidade utilizando uma língua minuciosa e uma linguagem de polimento para dizer tantas coisas e não dizer nada! Chamavam-nas de “bizantinismos”, creio, estas coisas...”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O sínodo faz a soma. E Francisco enumera os seus defeitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU