20 Outubro 2014
Ao encerrar o encontro global dos bispos sobre a família – que viu tanto mudanças decisivas de tom do Vaticano quanto debates acalorados sobre as diretrizes da Igreja –, o Papa Francisco convidou os prelados a encontrarem um caminho do meio entre a doutrina e a realidade.
Enfaticamente apelando aos prelados para “alimentar o rebanho” e ir ao encontro das ovelhas perdidas, o pontífice também lhes falou para evitar a tentação de se tornar um “enrijecido hostil”, preocupado somente com reforçar a doutrina da Igreja, ou um “bonista destrutivo” [italiano “buonismo”], que defende a “falsa misericórdia” em vez de dizer a verdade.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 18-10-2014.A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ao falar que os cerca de 190 prelados reunidos no encontro enfrentaram “momentos de desolação, tensão e tentações”, o papa igualmente advertiu contra a tentação de “transformar o pão em pedra para a atirar contra os pecadores, fracos e doentes – transformar o pão em pesos insustentáveis”.
Francisco estava falando no sábado à tarde na sessão de fechamento do Sínodo dos Bispos, um dos dois encontros globais de prelados para tratar de assuntos relacionados à família convocados por ele.
O pontífice falou na sequência da votação final dos bispos relativa ao documento do encontro, documento em grande parte antecipado após um a versão prelimitar, divulgada no dia 13 deste mês, ter sido motivo das manchetes internacionais quando assumiu um tom incomum de abertura, apelando a todos a escutar mais e aplicar a misericórdia de forma muito mais ampla.
O relatório final, produto de revisões feitas esta semana em pequenos grupos de trabalho compostos por bispos, mantém este tom, mas estreita a abertura do documento original, em particular quando fala sobre as pessoas homossexuais.
Onde o documento do dia 13 de outubro, por exemplo, tinha uma seção intitulada “Acolhendo as pessoas homossexuais”, o documento de sábado tem uma seção sobre dar “atenção pastoral” a pessoas com “orientação homossexual”.
Embora os bispos tenham votado, no sábado, parágrafo por parágrafo do documento, expressando aprovação ou não em cada um deles, Francisco pediu para que o documento inteiro fosse publicado, até mesmo os três parágrafos que não reuniram a maioria de dois terços necessários para ser aceito pelo grupo.
O texto completo foi publicado pelo Vaticano ao lado da contagem dos bispos que votaram a favor ou contra cada um dos parágrafos.
Estão presentes aí os três parágrafos que não reuniram a maioria tradicional de dois terços – 122 dos 183 prelados que estavam presentes durante a votação – concernentes a pessoas gays e ao ensinamento da Igreja quanto aos católicos divorciados e casados novamente que não obtiveram anulações antes de se casarem pela segunda vez.
Em sua fala no sábado, Francisco francamente abordou algumas das divisões e discussões evidenciadas no Sínodo.
“Muitos comentaristas, ou pessoas que falam, imaginaram ver uma Igreja em disputa, em atrito, onde uma parte está contra a outra, duvidando até mesmo do Espírito Santo, o verdadeiro promotor e garante da unidade e da harmonia na Igreja”, disse ele.
Ao se referir a uma fala que fez ao Sínodo no início dos trabalhos, no dia 6 de outubro, o papa falou: “Era necessário viver (...) com tranquilidade, com paz interior, mesmo porque o Sínodo se desenvolve ‘cum Petro et sub Petro’, e a presença do Papa é garantia para todos”.
“Assim, a missão do Papa é a de garantir a unidade da Igreja; é o de recordar aos pastores que o seu primeiro dever é o de alimentar o rebanho – nutrir o rebanho – que o Senhor confiou a eles e de buscar acolhê-lo – com paternidade e misericórdia e sem falsos temores – as ovelhas perdidas”.
Em seguida, dizendo: “Errei aqui. Disse acolher. Queria dizer: vão buscá-las”.
O porta-voz do Vaticano, Pe. Federico Lombardi, disse no sábado também que o papa decidiu que publicasse o documento inteiro do Sínodo, incluindo os três parágrafos sem a maioria de dois terços, para “garantir o máximo de transparência no processo” e permitir que as conferências episcopais do mundo usem o documento na preparação para o sínodo de 2015.
Ao abordar a questão das pessoas gays, o documento do dia 13 de outubro havia focado a própria Igreja, perguntando-se se as comunidades eclesiais estavam acolhendo os gays e se lhes estava dando um “lugar fraternal”.
O documento final reafirma, em vez disso, as normas postas pela Congregação para a Doutrina da Fé a respeito do casamento homoafetivo.
Num parágrafo, na seção sobre as pessoas homossexuais onde 118 bispos votaram aprovando contra 62 que desaprovaram, o documento final afirma que “não há fundamento algum para que se possa comparar o casamento homoafetivo com o casamento heterossexual, mas diz que as pessoas gays “deveriam ser acolhidas com respeito e sensibilidade”.
O parágrafo seguinte, aprovado pelos bispos por 159 votos a favor e 21 contra, afirma que “é totalmente inaceitável” que a Igreja “sofra pressões neste assunto e que os organismos internacionais condicionem o auxílio financeiro a países pobres para que introduzam leis que estabeleçam o ‘casamento’ entre pessoas do mesmo sexo”.
Os dois parágrafos sem a maioria de dois terços referentes às práticas da Igreja com relação aos católicos divorciados e casados novamente – um reuniu 104 votos a favor e 74 contra, o outro, 112 a 64 – resumem, essencialmente, os debates entre os prelados sobre permitir estas pessoas participar da Comunhão.
O primeiro dos dois parágrafos diz que os prelados “refletiram sobre a possibilidade de que os divorciados e recasados tenham acesso aos sacramentos de Penitência e Eucaristia”.
“Qualquer acesso aos sacramentos deveria ser precedido por uma jornada penitencial sob responsabilidade do bispo diocesano”, lê-se no texto. “A questão ainda está sendo considerada em profundidade, assumindo a distinção entre uma situação objetiva de pecado e as circunstâncias atenuantes”.
Ao refletir sobre o processo do Sínodo, Francisco falou no sábado que este foi um “caminho”.
“Tendo sido um caminho, houve momentos de corrida veloz, quase correndo contra o tempo para chegar logo à meta; em outros, momentos de cansaço, quase querendo dizer basta; outros momentos de entusiasmo e de ardor”, falou o pontífice.
“Houve momentos de profunda consolação, ouvindo os testemunhos dos pastores verdadeiros que levam no coração sabiamente as alegrias e as lágrimas dos seus fiéis”, continuou o papa.
Mas ao chamar o evento um “caminho de homens”, o papa disse que houve também “momentos de desolação, de tensão e de tentações, das quais se poderiam mencionar algumas possibilidades”.
Listando tais tentações, o papa começou com a “tentação do enrijecimento hostil”.
Uma pessoa assim, disse ele, tem o “desejo de querer fechar-se dentro do escrito (a letra) e não deixar-se surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito); dentro da lei, dentro da certeza daquilo que conhecemos e não daquilo que devemos ainda aprender e atingir”.
“Desde o tempo de Jesus, é a tentação dos zelosos, dos escrupulosos, dos cuidadosos e dos assim chamados – hoje – ‘tradicionalistas’ e também dos ‘intelectualistas’”, disse ele.
O papa então alertou contra a “tentação do ‘bonismo’ destrutivo, que em nome de uma misericórdia enganadora, enfaixa as feridas sem antes curá-las e medicá-las; que trata os sintomas e não as causas ou as raízes”.
“É a tentação dos ‘bonistas’ (...), considerados ‘progressistas’ e ‘liberais’”, acrescentou.
Eis as outras tentações mencionadas pelo papa:
• “Transformar pedras em pão para quebrar um longo jejum, pesado e doloroso, e também transformar o pão em pedra para a atirar contra os pecadores, fracos e doentes – transformar o pão em ‘pesos insustentáveis’.”
• “Descer da cruz para contentar as pessoas, e não permanecer ali, para realizar a vontade do Pai; de submeter-se ao espírito mundano em vez de purificá-lo e submeter-se ao Espírito de Deus”.
• “Negligenciar o ‘depositum fidei’, considerando-se não custódios, mas proprietários ou donos ou, por outro lado, a tentação de negligenciar a realidade utilizando uma linguagem minuciosa e polida para dizer tantas coisas e não dizer nada. São os ‘bizantinismos’.
Continuando, o papa disse que os bispos, juntamente com o pontífice, “têm a missão e o dever de preservar e servir” a Igreja”, não como mestres (donos) mas como servos (servidores).
“O Papa, neste contexto, não é o senhor supremo, mas sim um supremo servo – o ‘servus servorum Dei’ [servos de Deus]; o garante da obediência e da conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à Tradição da Igreja”, falou.
Ao concluir, o papa fez referência ao Sínodo de 2015 e disse que os bispos agora “tem um ano ainda para amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as ideias propostas e encontrar soluções concretas às tantas dificuldades e inumeráveis desafios que as famílias enfrentam”.
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Relatório sinodal estreita tom aberto inicialmente. Papa pede por caminho do meio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU