16 Outubro 2014
Os estudos de Jean Tirole tiveram grande impacto na regulação bancária e na regulação dos meios de pagamento de 2000 para cá, segundo o economista brasileiro Renato Gomes, que trabalha com o vencedor do Nobel deste ano. Professor-assistente da Escola de Economia de Toulouse, na França, Gomes ressalta que os estudos de Tirole enfatizam a necessidade de se controlar o endividamento e a liquidez das instituições financeiras, de modo a minimizar o "risco moral", o que é fundamental para evitar a repetição de crises como a de 2008.
A entrevista é de Sergio Lamucci, publicada pelo jornal Valor, 14-10-2014.
"Após as privatizações da década de 1980, a análise de Tirole e Jean-Jacques Laffont [economista francês morto em 2004] guiou as práticas regulatórias e deu o arcabouço intelectual necessário para a criação das agências reguladoras na Europa", afirma Gomes.
O economista conhece bem Tirole, "uma pessoa tímida e extremamente humilde". Junto com Hélène Bourguignon, eles escreveram o trabalho "Custos Ocultos de Transação", publicado neste ano. "É um estudo sobre como regular provedores de meios de pagamento, como cartões de crédito tradicionais e outros mais modernos, como o PayPal, o Google Wallet e o Bitcoin", diz Gomes. Ele e Tirole trabalham agora num projeto sobre regulação de plataformas de busca e compras na internet, como sites de reservas de hotel ou aquisição de passagens aéreas.
Gomes, de 33 anos, estudou economia na PUC-Rio e fez mestrado e doutorado na Northwestern University, nos EUA. Hoje, trabalha em economia industrial e teoria econômica.
Eis a entrevista.
Jean Tirole ganhou o prêmio Nobel por seu trabalho em regulação. Qual a importância da pesquisa de Tirole para a área?
Jean Tirole é o fundador, juntamente com Jean-Jacques Laffont, da teoria moderna da regulação. Essa teoria enfatiza a existência de assimetria de informação entre a empresa regulada e o regulador. Tipicamente, empresas reguladas conhecem melhor sua produtividade que o regulador, que só observa os custos finais de operação. A análise de Laffont e Tirole esclarece como a assimetria de informação impacta a regulação ótima, e mostra sob que condições formas tradicionais de regulações (envolvendo reembolso de custos ou subsídios diretos) maximizam o bem-estar social.
Eis a entrevista.
Em que medida o trabalho de Tirole tem ajudado governos e agências a regular a atuação de grandes empresas?
O setor inicialmente mais impactado pelo trabalho acadêmico de Laffont e Tirole é o de telecomunicações. Após as privatizações da década de 1980 (inicialmente no Reino Unidos), a análise desses economistas guiou as práticas regulatórias e deu o arcabouço intelectual necessário para a criação de agências reguladoras na Europa. Seu trabalho também teve grande influência no setor de energia e, mais recentemente, em regulação bancária.
O trabalho de Tirole ganhou maior atenção depois da crise financeira de 2008. As ideias de Tirole podem ajudar a evitar a eclosão de novas crises como essa?
Sim, seu trabalho sobre regulação bancária é fundamental nesse sentido. Em crises como a de 2008, há risco de rápido contágio entre instituições financeiras, e o governo tipicamente intervém para minimizar danos decorrentes de falências bancárias. O problema é que os bancos tipicamente sabem que serão socorridos em caso de crise e evitam tomar as custosas precauções necessárias para evitar o desastre. O trabalho de Tirole enfatiza a necessidade de se controlar endividamento e a liquidez das instituições financeiras, de modo a minimizar o "risco moral" presente em economias de rede.
Em que setores da economia as ideias de Tirole sobre regulação mostram-se mais relevantes?
De 2000 para cá, seus trabalhos têm tido grande impacto em regulação bancária e na regulação de meios de pagamento (por exemplo, cartões de crédito e débito).
O trabalho de Tirole não se limita a regulação. Quais as outras áreas em que ele tem contribuições relevantes?
Ele tem grandes contribuições na intersecção de economia e psicologia - em particular como o altruísmo, autoimagem e valores morais afetam as decisões econômicas. Ele também tem trabalhos seminais em teoria dos jogos e desenho de mecanismos, que são áreas mais formais em economia.
O sr. escreveu o estudo "Custos Ocultos de Transação", com Tirole e Hélène Bourguignon. Qual é o tema do trabalho e quais são as principais conclusões?
É um estudo sobre como regular provedores de meios de pagamento (como cartões de crédito tradicionais e outros mais modernos, como o PayPal, o Google Wallet e o Bitcoin). Comerciantes no mundo inteiro reclamam que as taxas para transações eletrônicas são muito elevadas e demandam o direito de sobretaxar tais transações. Nós estudamos como regular sobretaxas e analisamos diferentes instrumentos que possam minimizar o impacto sobre os preços finais para o consumidor.
Como é trabalhar com Tirole?
Ele é uma pessoa tímida e surpreendentemente humilde. É um aprendizado incrível.
O sr. já fez ou deve fazer mais algum trabalho com Tirole?
Sim, estamos trabalhando num projeto sobre regulação de plataformas de busca/compras na internet (por exemplo, sites para reserva de hotel como o hotels.com ou compra de passagem aérea, como o kayak). Essas plataformas cobram taxas exorbitantes de vendedores e os proíbem de praticar preços diferentes em vendas diretas ao consumidor. É um mercado novo e por enquanto sem nenhum controle externo.
Quais as suas principais áreas de interesse, e o que o sr. tem estudado no momento?
Eu trabalho em economia industrial e teoria econômica. Meu trabalho corrente estuda regulação de plataformas de mídia (como o iTunes Store ou o Netflix), mas ainda é cedo para listar conclusões.
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Colega brasileiro destaca a influência na criação de agências reguladoras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU