16 Setembro 2014
O Papa Francisco nomeou o padre americano Robert Oliver como o novo secretário da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, órgão consultivo criado no início deste ano pelo Santo Padre.
A entrevista é de Edward Pentin, publicada pelo National Catholic Register, 11-09-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Pe. Oliver, que por dez anos lidou com casos de abusos sexuais cometidos pelo clero na Arquidiocese de Boston, irá assumir o cardo após ter trabalhado como o promotor de justiça do Vaticano na Congregação para a Doutrina da Fé por dois anos. Na qualidade de “promotor-chefe”, Oliver era o encarregado de investigar casos de abusos sexuais e outros crimes graves, incluindo aqueles contra a santidade da Eucaristia e violações do segredo da confissão. Oliver será substituído por outro padre americano, o jesuíta Robert Geisinger.
Eis a entrevista.
Quais serão as suas novas obrigações como secretário da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores?
As minhas tarefas serão muito variadas. O propósito desta comissão é ajudar as igrejas locais a partilharem as melhores práticas e fomentar novas iniciativas e políticas. Então, esperamos realmente ter um impacto no mundo todo. Temos visto tantas coisas serem tão bem feitas em várias partes da Europa e da América no Norte, e na verdade no mundo todo, que podem ser partilhadas com os nossos irmãos na África, na Ásia e na América Latina.
Podemos aprender uns com os outros, especialmente a partir das diferentes experiências culturais, e a comissão terá uma oportunidade real de compartilhar algumas destas inciativas.
O senhor está também esperando uma maior colaboração entre a Igreja e a sociedade civil no combate aos abusos?
Com certeza, onde existir abertura para isso. Temos uma grande colaboração, hoje, em muitas partes do mundo, e isso é realmente importante, pois queremos servir a todas as crianças. Obviamente que estamos focados na Igreja, mas, realmente, trata-se de um problema que toca todas as esferas da sociedade, lamento dizer isso.
O que a Igreja pode oferecer neste sentido e que as demais instituições não aprenderam ainda?
Nos esforçamos e muito, durante tantos anos, de forma que temos diferentes processos postos em prática para a seleção, formação, educação e políticas visando responder às pessoas quando elas informam sobre os casos de abuso e pedem ajuda. Ganhamos muita experiência nesse sentido, e também aprendemos bastante com a aplicação da lei, com os psicólogos e outros profissionais da saúde, o que realmente faz com que tenhamos algo importante e que podemos partilhar.
O senhor testemunhou alguma mudança substantiva na cultura da Igreja de forma que esta questão possa ser combatida de forma mais eficaz? Ou o senhor considera que esta mudança seja mais mecânica, que certos procedimentos só agora foram colocados em prática?
De certa forma, podem ser as duas coisas, na medida em que se trata, realmente, de uma prioridade evangélica. O Senhor fala de forma bastante dura sobre cuidarmos dos nossos filhos, portanto este cuidado é algo que sempre fez parte de nossa cultura – e, em particular, o cuidado pelos mais vulneráveis, pelos indefesos. Isso é parte da nossa missão. Há um aspecto que você menciona [aquele sobre a implementação dos procedimentos]... Aprendemos coisas particulares a fim de realizar a nossa missão, mas há uma questão mais ampla: o fato de que somos chamados a ser seguidores de Cristo.
E quanto às preocupações sobre a cultura do acobertamento, que de vez em quando surgem?
Creio que todos nós podemos dizer que mudamos em termos de saber qual a melhor forma de lidar com as pessoas e as vítimas que nos procuram. Há, de fato, o sentimento de que precisamos ajudar estas pessoas segundo suas necessidades e que estas coisas precisam ser feitas por aqueles que têm a responsabilidade por elas.
Igualmente, precisamos aprender como proceder – e isso pode ser bem simples. De certa forma, isso é algo que as pessoas ao redor do mundo passaram a ver de forma diferente.
O que, a partir das experiências em Boston e como promotor de justiça, o senhor espera trazer esta nova função?
Em Boston, me envolvi desde o começo de 2002, que foi o grande ano desta arquidiocese. Comecei trabalhando com pessoas que faziam um ótimo serviço. Tínhamos leigos de várias áreas, padres e religiosos reunindo-se para produzirem novas políticas e pôr em prática iniciativas novas. Então, trabalhei em Boston por cerca de 10 anos, tendo também me envolvido com a Conferência dos Bispos.
Fui a muitas e diferentes dioceses. Como canonista, prestei colaboração para muitas delas. Assim, tive uma ótima experiência nos EUA ao longo destes 10 anos.
Em seguida, ser o promotor de justiça durante estes anos foi, realmente, um privilégio. Trabalhei com pessoas maravilhosas. Ver o trabalho que a Congregação para a Doutrina da Fé vinha fazendo, e a sua perspectiva mais ampla tendo em vista o mundo todo, foi, de fato, um grande presente.
Portanto, terei condições de trazer estas experiências agora para o trabalho junto à nova Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores.
O senhor terá autonomia e influência com esta nova função? Ou ela terá um papel mais consultivo, de coordenação?
Provavelmente serão os dois. A Comissão é um grupo consultivo do Santo Padre; pegamos as melhores práticas e iniciativas e as recomendamos a ele. Temos total autonomia para realizar este serviço.
Podemos consultar qualquer pessoa ou grupo, procurar saber o que está acontecendo e então trazer à tona. Portanto, a Comissão tem um lugar dentro da Cúria, onde exerce a sua autonomia; ela se reporta diretamente ao Santo Padre, mas assim o faz em colaboração com todos os demais dicastérios.
Quaisquer que forem as iniciativas, caso estiverem sob responsabilidade de um outro dicastério, trabalharemos com elas a fim de desenvolver as melhores propostas possíveis. Por exemplo, citamos a “Propaganda Fide” [a Congregação para a Evangelização dos Povos]. Suas ações cobrem dois terços do mundo. Portanto, espero termos um bom relacionamento com eles.
Como anda o desenvolvimento da Comissão? Ela já tem um escritório próprio?
A forma como o Santo Padre está fazendo isso expressa-se em seu dizer inicial ao grupo: “Levem dois ou três anos, reúnam-se e façam o que precisa ser feito; e, no final deste período, tiraremos um tempo para pensar sobre um conjunto mais permanente de seus estatutos”. Assim, o próprio grupo pode projetar como irá se parecer. Mas, durante estes anos, devemos realizar alguns projetos, os quais já foram iniciados.
Portanto, a Comissão está tendo um bom começo, mas o jeito que eu acho que a proposta está sendo posta em prática – e ela vem recebendo respostas positivas – é que a comissão vá usar um modelo do tipo “grupo de trabalho”. As políticas desenvolver-se-ão nas igrejas locais. Um grupo de igrejas locais reunirá algumas pessoas e dirá: “Ok, o que podemos aprender, dizer e fazer?” Em seguida, tais propostas vão chegar até a Comissão e então serão repassadas ao Santo Padre.
Alguns críticos dizem que o Santo Padre está correndo um risco ao nomear você e o Pe. Geisinger, como seu sucessor no cargo de promotor de justiça, dado que ambos são americanos, o que ajudaria a manter a impressão de que este seria um problema principalmente americano/anglófono. O que o senhor diz sobre isso?
Compreendo e entendo os motivos por que as pessoas estejam dizendo isso.
Nos Estados Unidos, a nossa experiência inclui muitas e diferentes culturas no trabalho junto à comunidade hispânica e todos os demais grupos. Portanto, estas pessoas estão meio que confundindo um pouco a experiência americana, mas o que nós também estamos esperando é dar o melhor começo possível a esta Comissão.
O senhor está confiante de que o pior para a Igreja já passou nesse sentido, que a página foi virada e que a situação já está muito melhor?
Com certeza acho que a situação melhorou, na medida em que as pessoas que estudam este assunto assim nos dizem.
Vemos pessoas que trabalham com estatísticas dizendo poderem explicar o fato de que se levam anos para as pessoas revelarem os abusos que sofreram. Passam-se 10, 15, 20 anos...
Particularmente acho que todos estes estudos que vêm sendo feitos mostram que as coisas que estamos fazendo têm um efeito bom, e eis o que é importante: isso não deve servir para nos vangloriarmos, mas para dizermos: “As iniciativas que colocamos em prática nos últimos 20 anos estão funcionando?” Parece que, de fato, elas estão.
E, caso não estiverem, que nos seja dito e então faremos uma outra coisa. O nosso compromisso está claro: trata-se de proteger as crianças. A boa nova é que aquilo que pusemos em prática parece que, realmente, está dando certo.
Uma crítica recorrente é aquela de padres acusados injustamente, os quais foram afastados antes de terem um julgamento adequado. Isso é uma questão a se levar em conta? O senhor irá levá-la à Comissão?
Sim, com certeza é uma de nossas preocupações. Devemos fazer justiça e, certamente, este é uma grande inquietação da Congregação também. Sei que há muito empenho nesse sentido, e sem dúvida compreendemos a dor que alguns padres podem sentir nestes casos.
A comissão em si não irá estar trabalhando nos casos propriamente – isso fica a cargo da Congregação para a Doutrina da Fé. Ela, no entanto, pode igualmente fazer recomendações sobre como melhorar qualquer tipo de processo, incluindo os processos canônicos.
Qual a importância da mídia na conscientização sobre a questão dos abusos a menores?
As pessoas em geral estão prestando atenção àquilo que a Igreja Católica está fazendo, para melhor ou para pior, e nós podemos usar esta atenção num sentido evangélico. Assim, o papel dos meios de comunicação é, em grande medida, dar voz a este assunto.
Que as pessoas entendam que estamos levando esta questão a sério é mesmo uma contribuição para o nosso trabalho. Porém, o tamanho deste problema [na sociedade como um todo] é enorme. Você ficou sabendo de um estudo recente feito na Índia?
O governo indiano fez um estudo considerando todas as crianças do país – portanto algumas centenas de milhões –, e descobriu que mais de 50% delas deverão sofrer violência sexual enquanto crianças. O que isso significa para uma sociedade? Trata-se de um número impressionante.
O senhor diria que a Igreja está mostrando o caminho na luta contra a violência sexual infantil?
De certo modo, sim. Algumas pessoas estão fazendo a frente neste campo há muito tempo, mas, em termos de uma grande organização que assumiu esta causa e fez dela um compromisso verdadeiro, a Igreja se destaca em primeiro lugar.
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Principal autoridade vaticana sobre a proteção das crianças: “Uma prioridade evangélica” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU